sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Antagônico medo de mulher - Kelsen Bravos


".. eu tenho um pouco de medo de... não.. de mulher... talvez..." (V.M)



A palavra antagonismo bem merecia não existir; não existisse, entretanto, qual seria a necessidade da inteligência e da capacidade de se comunicar para se entender? Pensem bem, pois estamos a falar da principal razão de ser humana: conviver em harmonia! Entretanto, asseguro-lhes, as responsáveis pelo avanço das relações são as discordâncias. Daí a importância das pendengas antagônicas.

Pendenga antagônica que se preze não se resolve no âmbito abstrato das convicções sem provas. Não, senhor! Não, senhora! Uma questão bem complexa só terá conclusão eficaz, se for lastreada por apelo empírico como a ilação de Vinícius de Moraes no Poema Enjoadinho: "Filhos... Filhos? / Melhor não tê-los! / Mas se não os temos / Como sabê-los?". Solução harmônica ideal, aquela sem ter comprovação da experiência nos fatos vividos da vida, não vale. Tem de ser empírica "Como dizia o Poeta": "quem já passou por essa vida e não viveu / Pode ser mais, mas sabe menos do que eu/ Porque a vida só se dá/ Pra quem se deu / Pra quem amou, pra quem chorou / Pra quem sofreu, ai / Quem nunca curtiu uma paixão / Nunca vai ter nada, não..."

É também do Poetinha - a quem Antônio Maria, com razão (e emoção!), chamava de Poesia - a frase entre aspas da epígrafe deste arremedo de crônica. Foi uma resposta de Vininha a Otto Lara Resende numa entrevista, em 1977, no quadro Painel, da ("pé de pato mangalô treis veis") tevê Globo.

"- De que você tem medo, Vinícius? - sonda Otto Lara Resende.
- Hem?... - entrediz o Poetinha.
- ... é um homem tão corajoso! - estimula Resende.
- ... Eu tenho um pouco de medo de, de... não.. de mulher, talvez... - responde reticente e sincero entre risos.

Lara ainda pergunta se ele sobreviveria sem mulheres, sem a presença feminina, ao que ele diz achar que não, que, para ele, mulher é fundamental. A entrefala segue maravilhosa. Vale mil crônicas! Quem sabe...

Fiquei, entretanto, surpreso do medo maior do Poesia. Logo ele, quem tanto se doou a mulheres. Ora! Isso requer coragem, muita coragem. Depois concluí ser o medo o antagônico mais radical da coragem, entre os quais não há conciliação, apenas a necessária convivência, pois um é a razão de ser do outro. O medo existe para a coragem e a coragem existe para o medo. Qualquer outra coisa nessa ou dessa relação - a covardia ou prepotência, por exemplo - é corruptela de ambos. Só o corajoso tem medo, o Poetinha está certo. Tenho esse medo.

Apenas imagino alguns dos motivos para o medo de Vinícius de mulher. Sei que ele esteve aqui para viver o seu grande amor. Se viveu, não sei; mas buscou viver, ah como buscou. Teve muita coragem para tanto. Dos motivos meus, tenho vaga ideia, pois é também medo com talvez e tudo; sobretudo, com a necessidade fundamental, imprescindível da mais que presença delas.

Essa prerrogativa de o universo feminino ser imprescindível não se restringe a mim, nem ao Poesia, nem a alguns homens, nem a algumas mulheres, pois a necessidade da fundamental presença feminina é universal ao gênero humano.

Desde sempre, dos mais primitivos tempos aos nossos dias, a mulher tem sido fundamental e imprescindível. Embora a subjugação ao ponto de vista do macho tenha prevalecido durante milênios, a mulher sempre foi - e é - superior, porque mais inteligente. A maior prova está no fato de quanto mais embrutecida, mais animal (menos racional) tenha sido uma era, menor era a expressão da mulher do ponto de vista da hierarquia social.

Ao longo da história, toda vez que a mulher se insurgiu contra a injusta condição a ela imposta, foi repelida de forma brutal. Foram imoladas como bruxas, libertinas, diabólicas, desagregadoras sociais, toda variedade e força dos preconceitos usaram contra as mulheres para lhes fenecer qualquer ímpeto e subjugá-las. Tamanha opressão lhes fortaleceu a inteligência para resistir com estratégias diversas. A mulher tem, por isso, essência antagônica, e por maior rival a sociedade machista, seja ela de qual cultura for.

O feminismo é o coletivo da essência antagônica da mulher organizada em movimento ativista. E, claro, se opõe ao mais machista dos sistemas, o mais reificador, o mais opressor, se opõe ao sistema capitalista e a sua pior expressão que é o consumismo, que torna a tudo e a todos descartáveis.

O feminismo alimenta a essência do meu medo, pois me dá coragem. A mulher coletivamente me dá o medo como alimento necessário à minha coragem para lutar por um mundo melhor, por um mundo mais feminino. Sou feminista, portanto, anticapitalista sou. Minha luta combate o consumismo que reifica as pessoas e as relações.

A sociedade de consumo tem hoje formas sutis de repressão, a banalização é uma delas. Banalizaram, por exemplo, a violência de forma tão contínua ao ponto já termos uma sociedade anestesiada ante o escândalo de um homicídio e dos mais profundos desrespeitos aos direitos humanos por parte de quem tem como obrigação essencial zelar por eles. Uma situação tão perversa que as pessoas ou nem ligam ou acham normal e até aderem.

Da mesma forma banalizaram a sensualidade, o sexo, banalizaram o tesão. Estão também a banalizar a mulher. Reduziram a mulher à bunda, a tetas. Antagônicas a isso, as mulheres, numa inteligente estratégia, tentam agora dar “voz” à bunda, querem emancipar a bunda. Exacerbam a bunda feminina no universo machista, onde a bunda já é tão banalizada; expõem a bunda, facilitam a bunda, mas quando os machos querem a propriedade da bunda, eles sofrem o impacto do não, pois a bunda faz parte do todo de um ser pensante. Que o “não” é “Não!" Merece respeito, senão é estupro. E é sim! Estão certas! Tomara que dê certo! Mas tomara que a sociedade de consumo não se aproprie disso e banalize o não.

Esse, digamos, Movimento de Emancipação da Bunda me dá um medo… Não sabem as feministas das sutilezas da opressão? Não sabem que a banalização é uma das mais sutis formas de repressão? Sim, claro, sabem sim. As mulheres sempre foram e são mais inteligentes. Por isso me causa espécie ver mulheres, em uma estratégia de princípios homeopatas (aquela de curar doenças com substâncias semelhantes), apoiarem sua luta em argumentos e fatos machistas, consumistas, reificadores. Se dizem anti-sexistas e anti-machistas, mas, de fato, estão a promover o sexismo, o machismo. Mesmo que seja uma arapuca para capturar machistas, é uma promoção.

Na arte, tal estratégia se expressa na tentativa de reverter a coisificação representada na mulher objeto (a beleza em série, modal, a mulher-sexy, a mulher-bunda e catervagens afins), explora exatamente a beleza artificial da mulher fatal de bunda sexy e seios fartos. Uma mulher só linda, sem essência. Uma coisa-linda que, contudo, diz não. É sim uma atitude de muita coragem; porém, por não se diferenciar do contexto capitalista, corre o risco de ser anestesiada digerida pelo sistema a que se opõe. Pode não passar do homeopático efeito placebo, por falta de tomada de consciência, e, observem, já está acontecendo. Mais dia menos dia é capaz de interessar Harvard.

De fato, Povo do Meu Bem-querer, a palavra antagonismo bem merecia não existir; não existisse, entretanto, qual seria a necessidade da inteligência e da capacidade de se comunicar para melhor conviver? A vida não é brincadeira, como nos disse tão corajosamente o Poesia: “é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida…” vamos pôr mais amor nas nossas relações, pois as pessoas não somos coisas, temos vontade, desejos e sonhos… por isso somos opostos e sempre os opostos se atraem, mas acima de tudo somos semelhantes e devemos cuidar para as nossas semelhanças não anularem as nossas diferenças, sem elas não haveria razão de ser. Um beijo azul. Evoé!

____________

Kelsen Bravos - professor, escritor, poeta, compositor, editor do Evoé!.

5 comentários:

  1. Para começar.... o que seria do SIM, caso inexistisse o NÃO.... o que seria do sexo masculino (hoje só falam em gênero)se não nascessem indivíduos do sexo feminino... o que seria das respostas, se não fossem as perguntas.. e o que seriam as frases acima sem as devidas pontuações, sinais gráficos, léxicos ( e como diria um primo meu ali, o Ricardo) e o DESCAMBAU. Antagonismo, verdade , mentira, consumismo, comunismo, relações pessoais, tudo isso não passa da matéria prima da ida, então cambada ... vamos viver, o resto é fantasia, que um dia pode virar poesia.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. leia-se MATÉRIA PRIMA DA VIDA , se bem que ida, tem um contexto, diria passageiro, pois quem garante que essa ida tem volta...

      Excluir
  2. Excelentes os comentários de Clauton Monteiro. Sempre aguçados e afiados. É um poeta e alguém tem que dizer isso para ele. Túlio Monteiro. 18.02.2018.

    ResponderExcluir
  3. Um texto se completa mesmo no leitor. Sua leitura, querido Clauton Monteiro da Rocha, integra seu conhecimento de mundo ao Antagônico medo de mulher ampliando-lhe o sentido. Feliz com sua importante leitura.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bondade sua conspícua autoridade literária...mas sempre podemos ser sucinto..sem precisar colocar bunda no meio.. ou no meio da bunda...

      Excluir