quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Antagônico - CHICO ARAUJO*

Ele dizia que sim, mas acabava no não. Afirmava que não, e descambava no sim. Era assim.

Em certa ocasião, convidou dois amigos para alguns chopes em um bar recém-inaugurado, pois já conhecera e afirmava ser simplesmente o mais aconchegante, exuberante, cativante espaço para libações alcoólicas em companhia de boas amizades e no saboreio de petiscos inigualáveis.

Foram os três extasiados na mais pura alegria, numa irmandade insuspeita, ao bar que, de antes para aquele instante transitou do melhor para o pior ambiente para confraternização franca e honesta.

- Amigos, não é por nada não, mas esse lugar aqui tá cheio demais pro meu gosto. A gente nem pode conversar à vontade; a impressão que dá é que todo mundo tá escutando a gente.

- Não entendi – disse um dos amigos –, foi você que nos trouxe para cá com estupendas referências.

- Posso cometer enganos, não posso? Sou humano, não sou?

- Tem todo o direito a enganos – disse o outro –, mas acho estranho endeusar um lugar, sugeri-lo e depois o demonizar. Além do mais, acho mesmo que você está exagerando; aqui até que tá bom...

- E esse chope... Tão achando aguado não?

- Pra mim está em ótima qualidade, bem encorpado e saboroso.

- Se você tá dizendo, então tá. Posso estar exagerando, como posso ter me equivocado.

Ficaram no bar por insistência dos amigos, que não quiseram arredar o pé de lá, até porque os tira-gostos pedidos estavam no ponto exato do sabor exigido por quem deseja... tira-gostos... e os chopes estavam, segundo eles, no ponto exato da temperatura ideal. Estranhamente, ele até sugeriu que procurassem outro bar. Ficou o trio, porém.

Houve um dia em que recebeu convite dos mesmos dois amigos para irem a um show musical de um dado artista nacional, conhecido, famoso, aceito como pelo menos bom em distintas camadas sociais. E ele:

- Vocês têm certeza de que querem ir a esse show?

- Claro! Por isso o estamos convidando para ir junto. Somos um trio, não somos?

- Somos um trio, mas vocês querem mesmo ver esse cara e ouvir essas musiquinhas que ele faz? É verdade isso?

- Não sei por que esse seu espanto; o cara é quase unanimidade nacional e você fica com implicância. Se não quer ir mesmo, é só dizer que não vai e pronto. Seus dois amigos aqui vão e você fica em casa, ou faz qualquer outro programa que lhe apeteça.

- Tudo bem, eu vou. Mas vou por vocês dois, pela companhia de vocês dois. Gosto muito de vocês e dessa nossa companhia. Mas que o cara é um chato e artista de pouca qualidade, isso ninguém pode mudar. Ninguém.

E foram. E estava concorrida a bilheteria do cineteatro, tanta gente querendo ver o "artista de pouca qualidade". Ele se impressionou com aquilo:

- Como é que pode toda essa gente comprando ingresso pra ver esse cara?

- Vai ver ele tem algum valor, mesmo que você não veja.

Mas foi só o show começar e ele se entregou à parceria com a multidão. Cantou junto – conhecia muitas músicas do "desqualificado" –, movimentou-se como se dançasse, sorriu, bateu palmas, até pareceu feliz. E nitidamente saiu do espetáculo extasiado.

Fazer o quê? Ele era assim. E embora vez em quando os amigos comentassem aquelas suas confusões, contradições, radicalismos antagônicos, sua tendência era não dar crédito a eles, até eles se afastarem e o deixarem sozinho em total companhia apenas dos pensamentos. Aí ele refletia e, algumas vezes, achava haver certeza no que fora falado pelos amigos, até o instante em que se encontrava novamente com sua condição máxima de considerar os amigos completamente equivocados.

Mas houve mesmo uma situação determinantemente marcante de sua condição de ser recheado de posições antagônicas. Entendeu que a melhor coisa a se fazer no Carnaval era ser... carnavalesco. E como o Carnaval estivesse bem próximo, saiu pelas lojas da cidade a procurar roupas as mais extravagantes possíveis para selecionar a melhor às festanças mominas.

Acabou por envolver os dois amigos nessa sua vivência, entusiasmados pelo entusiasmo dele com o Carnaval. E se acertaram. E decidiram vestir fantasias iguais, por sugestão dele. E no fim decidiram que se encontrariam no bar onde mais bebiam juntos – o “Bar dos Decididos”. De lá sairiam juntos para a brincadeira no Bloco dos Desgarrados, percorrendo ruas do Centro da cidade.

Na hora marcada não apareceu. Compreendera que Carnaval não era festa onde deveria marcar presença.

Pelo que soube, os amigos resolveram deixá-lo um pouco de lado a partir de então; mas depois começaram a sentir saudades dele e chegaram a pensar que talvez ele não merecesse ser tão ignorado.

De minha parte, sei que laranja cortada ao meio reparte-se em duas. Mas para saboreá-la bem, talvez o melhor corte seja em forma de cruz...

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*Chico Araújo - professor, poeta, contista e compositor, publica toda quarta-feira no Evoé! O título Antagônico foi escrito em 12/02/2018. Leia mais Chico Araújo em Vida, minha vida...

2 comentários:

  1. Tem lugar mais emblemático para exprimir o antagonismo do que um bar... duvido muito... afinal nos bares, tem pobre que fica rico.. e rico que fica pobre pois após alguns tragos passa a pagar a conta de todo mundo.. e ai daquele que reclamar da gastança.. pois a "pança" já cheia de cachaça.. teima em se debater com a coerência e a mais insignificante reprimenda.. vira guerra nacional e uma "ODE" ao Deus Baco...e para finalizar minha pouca inspiração... qual o "bêbado" que não fica chato... e mesmo esfuziante de alegria não torna as pessoas em volta,(principalmente os que lhe querem bem) tristes...e para tornar o assunto mais antagônico ainda... garçom por favor bota mais uma ai... cara "eu não estou bêbado.. eu nem bebi"...

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    1. Sem contar a folia momesca.. essa sim .. um verdadeiro antagonismo, pois com tantos problemas sociais, éticos, morais, humanitários, uma verdadeira multidão entra em extase, desfilando na rua como se "pudesse jogar fora" todas as mazelas da vida... entretanto há um sentido em tudo isso, afinal estudos já foram publicados nos rincões de todo planeta, sugerindo que "RIR É O MELHOR REMÉDIO" e este modesto observador complementa .. FAZER RIR É A MELHOR TERAPIA... e aja presepada pro nego rir no carnaval...

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