quarta-feira, 19 de julho de 2017

De lá do passado - Chico Araujo

Meu reencontro por meios virtuais com George Farias, músico cearense hoje radicado em Boa Vista, além do imenso prazer gerado pelo próprio recente novo encontro, trouxe-me, inevitavelmente, o acordar, na memória, do tempo em que, ainda bem mais jovens do que somos hoje, percorria Fortaleza no entremeio de minha juventude.

Fui partícipe de muitas noites no para sempre querido Estoril, bar / restaurante da Vila Morena. Lá tive a oportunidade de tomar cerveja gelada servida pelo pitoresco garçom Baleia; também vivi a emoção de estar perto de artistas já em reconhecimento como Geraldo Azevedo, Luiz Melodia, Zé Ramalho, Quinteto Agreste; igualmente naquela bela casa pude ver e ouvir Patativa do Assaré declamando poemas de sua prodigiosa autoria, bem como ter contato com o poeta e psiquiatra Airton Monte. Naquele espaço, exposições de artes plásticas conviveram com a poesia, com a música, com a sedutora boemia.

Creio ter sido o Estoril o bar / restaurante mais frequentado pelos boêmios daqui e d’alhures, artistas e não artistas visitantes da capital do Ceará. Em posterior a ele e mesmo por muitos anos em concorrência amigável – frequentadores de um também eram presença constante no outro – volta-me a imagem do Cais Bar, ainda sem o calçadão. Nas areias que existiram ali em frente, pus meus pés descalços em belíssimas noites de lua – em maravilhosas noites sem ela também - recebendo no corpo os respingos do mar que quebrava e espumava nas pedras.

Naquele tempo não existia fartura de transporte público pela madrugada (e hoje há?). Mas existia o “corujão”, que se dizia transitar pela cidade a cada hora da antemanhã. Talvez por perder o horário – a noite nunca nos disse exatamente a que horas estávamos – ou mesmo por não existir de maneira assegurada o “de hora em hora” divulgado, comum era a caminhada pela Av. Abolição rumo ao Centro da cidade, dobrando na Av. Alberto Nepomuceno, depois subindo na Rua Dr. João Moreira e passando ao lado do Passeio Público, até atravessarmos, por dentro, a Praça da Estação, para subirmos, em seguida, pela Rua Castro e Silva, até se dá a desejada chegada à Rua Padre Mororó, nosso destino, visualizando, meio que turvamente (talvez a iluminação da época), o Cemitério São João Batista, eu sempre acompanhado de no máximo três amigos – os de sempre, que gostavam de música, poesia e cerveja... e de caminhar pela madrugada.

Reminiscências...

Do Estoril constantemente me volta à memória certa ocasião em que lá me encontrando em um lindo final de tarde / começo de noite, cerveja já servida pelo Baleia, violão deitado sobre a mesa aguardando seu tocador, chega-se a nós, vindo da Ponte Metálica, um casal, do qual ouvi, do músico – hoje muito conhecido na esfera do forró, sendo advogado também – amistoso pedido para sentar-se ali e tocar um pouco aquele violão que dormitava. Mas é claro! E não se dá para dizer quanto tempo levou aquela cantoria, pois para a mesa mais e mais gente se achegava.

Muitas vezes era assim: um desconhecido chegava e logo em seguida se tornava conhecido, uma conversa iniciada se tornava festiva, um violão adormecido despertava em acordes e vozes se somavam entoando canções populares.

Enquanto isso, o mar soprava até nós sua brisa mansa...
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Chico Araujo publica todas as quartas-feiras no Evoé! Madeleines foi escrito em 7 de julho de 2017. Leia mais Chico Araujo em Vida, Minha Vida...

Um comentário:

  1. Prazer imenso rever uma página por você vivida, e, descrita com claras precisão e emoção. Revi esses lugares e ouvi boa música, lendo o seu belíssimo texto. Abraços!

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