quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Zerando a conta - Chico Araujo*

Zerar a conta, como você deve saber, leitor, significa encerrar uma dívida por meio de pagamento pertinente. Feito o pagamento, a dívida se encerra e a conta fica zerada. É isso o que faço agora, entregando ao gestor do blog, o queridíssimo amigo Kelsen Bravos, o último texto (a última crônica) acordado para a construção e desenvolvimento do Abecedário de Crônicas do Evoé. 


Evoé!

Encerra-se o Abecedário com a lógica da inserção nele de texto que contemple a letra “z”, a última do alfabeto. Sigo, declarando: nesse limite natural que o alfabeto me impõe, sinto-me alegre e com a sensação de "dever cumprido".

Mas há algo me inquietando, um algo que não está diretamente relacionado à produção desse texto: a zorra que vivenciamos no Brasil nesse momento histórico. Zorra que expõe a falta de zelo de nossos governantes para com a população, tratando-a de uma maneira profundamente aviltante, como se ela vivesse em uma zona na qual deveria ficar eternamente, sem possibilidade de movimento para ascensão e onde poderia cair no esquecimento deles. 

Tal atitude, interpreto-a como zombaria e desprezo.

A zombaria é de tal monta que se tem divulgado a saída de brasileiros – principalmente alguns com folga nas finanças – para outras plagas distantes dessa terra espetacular. Zarpam eles para outros países na esperança de conseguirem vida melhor; zarpam para aniquilarem a sensação de seres explorados negativamente por aqueles cuja maior importância na função de políticos seria a de trabalharem em benefício do povo, mas dele se afastam, renegam-no, esforçando-se para jogá-lo no esquecimento e na escuridão. Contundente sabotagem!

Será sempre muito relevante a qualquer um de nós "dar um zoom" para enxergar o mais próximo possível essa e outras situações. A função de político em nosso país não deveria possibilitar a perpetuação de nenhum deles nesse poder de tal maneira que enriquecem e mais enriquecem, pensando exclusivamente em acúmulo de riqueza para si, enquanto a população mais pobre e mesmo miserável fica a ver navios, muitas vezes zonza por se perceber em processo de exclusão.

Continuadamente, devido a esse contexto, muitos ficam zuruó, sofridos, perdidos, sem chão, ziguezagueando dia após dia, procurando um porto seguro que reiteradamente não se alcança. Distribuição melhor de renda certamente daria sustentação ao sonho do povo sentir-se cidadão e comprometido com a cidadania.

Pessoas comuns, "povo" que são, andam céticas quanto ao futuro do País e muito zangadas por não encontrarem oportunidades viabilizadoras de sua entrada nas categorias das camadas sociais onde a existência ocorre de forma mais adequada, mais tranquila. 

A carência acentuada que têm de quase tudo posto em evidência como meio de bem existir – moradia, alimentação, transporte, saúde, trabalho, lazer... – deixa colossal parte delas a transitar pela cidade como se zumbis fossem. É algo muito triste. Muita gente zoa delas, sentindo-se superior a elas. É outro algo muito triste.

Ziquizira é algo que acompanha muitos dessa população empurrada para o ostracismo num verdadeiro zanzar para um "não ser nada" na sociedade, um zero à "esquerda" nela.

Essa população precisa urgentemente poder viver, não apenas sobreviver enfrentando níveis intensos e profundos de pobreza e miséria.

E logo. E já. Até para que não tenham medo aqueles que a sabotam.
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Chico Araujo - professor, poeta, contista e compositor, publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Zerando a conta" compõe o Abecedário de Crônicas do Evoé e foi escrito entre 8 de agosto de 2018. Leia mais Chico Araújo em Vida, minha vida...

2 comentários:

  1. Pois olhe, que o zerar da conta do Chico ficou um primor. O danado fechou com chave de ouro essa nossa intrépida jornada cultural. Parabéns mais uma vez. (Túlio Monteiro).

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  2. É de ficar zonzo com tanto z em um texto só. Letrinha insana que teima em nos confundir com seu uso digladiando-se com o "s", lembrando a escrita de Tulio Monteiro com a "maizena". Zerar a conta é a parte menos divertida ao final de uma noitada,mas, Chico Araújo zera com chave de ouro a homenagem ao nosso tão complicado alfabeto.

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