segunda-feira, 28 de maio de 2018

P de plantador - O homem que plantava bandeiras - Túlio Monteiro*

Todos os dias, minha rotina entediante de trabalho força-me a deixar o carro rodar sistematicamente pelas mesmas ruas e horários, o escritor que me habita adormecido em detrimento do sustento de cada dia. Um a um já sei quais semáforos estarão abertos, abrindo, fechados ou fechando; quantas vezes darei com o pé no freio ou quantas mudanças de marcha ocorrerão.

Durante esse percurso insosso sempre o vejo na mesma calçada, ficando bandeirolas coloridas amarradas a varetas que as deixam a um metro do chão. Já tem idade aquele homem. Denunciada pelas costas curvadas, o cabelo em prata e desalinho, rosto sulcado que um dia distribuiu sorrisos largos vindos dos olhos vazios e secos de vida de agora.

De maneira mecânica, uma a uma, as bandeirolas que anunciam mais um grande empreendimento da construção civil, vão sendo aninhadas em seus locais, um vento impregnado de fumaça e pó de asfalto a balançar-lhes os tecidos encardidos da chuva-sol que se reveza nas manhãs de um abril que se inicia.

Decido por parar o carro e mudar um pouco a mesmice. Que se danem o maldito ponto a ser batido e o bando de caras amarradas que trabalham na repartição bolorenta onde me abanco por oito horas seguidas, mais uma para o almoço e olhe lá. Quero falar com aquele homem, saber dele e sua rotina mais tediosa que a minha, salário menor, idade maior, filhos, netos, esposa, amantes, saudades do pai, da mãe e de algum irmão ou amigo que já partiram desse vasto mundo.

Indago! Pergunto! Mudo de lado e ele nada. Palavra sequer, preocupando-se apenas em ficar bandeirolas, serviço mecânico, demarcação, publicidade de mais concreto frio e ferro a serviço dos abastados que ali irão morar. Desisto, sabendo ainda haver tempo de chegar a tempo.

Já voltando para o carro, ouço sua voz soando rouca, porém firme em seus propósitos:

– Também vejo seus olhos todos dias por trás do vidro de seu carro. Ainda não são tristes como os meus, mas seguem o mesmo caminho que segui. Para você chegou a hora das escolhas certas. Na idade em que se encontra não se pode mais errar, pois há um tempo em que deixamos de ser promessa para virarmos realidade.

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*Túlio Monteiro – escritor, crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! O texto "O homem que plantava bandeiras" foi escrito em abril de 2008. Agora integra o projeto Abecedário de Crônicas do Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. E que se plante muitas bandeirolas e bandeirinhas, entretanto que não se caia na rotina para que não seja um tédio nossa trajetória. Acertos ou erros, só o tempo será capaz de distingui-los, mas o importante é o caminhar... sim um caminhar suave, mesmo que em determinados momentos, o "freio" tenha que ser acionado... nada de acelerar demais, pois se fores em velocidade demasiada, não serás capaz de apreciar quão interessante é a trajetória humana. Sim humana, pois apesar de tantas tecnologias e aparatos mecânicos, nem uma ida é igual a volta e não há volta sem ida....

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