quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Breve crônica em rápido diálogo - CHICO ARAUJO*

O autor desse texto quis conversar com você, leitor, e, para propor essa conversa, arquitetou uma crônica narrativa, por meio da qual idealizou dois personagens. Porém, querendo não lhe levar enfado, entendeu de pô-los em diálogo nela.
Assim, essa confabulação sucedeu em certo dia sem precisão – foi há uma semana, ocorreu ontem, aconteceu hoje pela manhã? – e, embora as personagens estejam batizadas, quem, em verdade, poderia ser cada uma delas?
Ao fato, sem mais demora. Onde e quando, deixamos para sua imaginação.
- Mas o que o senhor faz novamente aí sozinho?
- Olá. Então, penso, observo, penso...
- Mas o senhor observa e pensa demais, né não?
- É.
- Eu sei. Vejo o senhor aqui quase todo dia, sentado nesse mesmo banco.
- Eu sei. Daqui, debaixo dessa sombra bendita, vejo o senhor ali na sua vendinha.
- Eita! E o senhor me observa também?
- É. Também.
- E por que eu nas suas observações?
- E por que eu nas suas?
- Confesso. Andei cismado com o senhor por alguns dias, desde que se sentou nesse banco pela primeira vez e ficou quase estático, quase sem movimentos no corpo, só a cabeça virando pra um lado e pra outro, certamente acompanhando passantes, sem falar com quase ninguém, mas sempre olhando o ir e vir de todos. E ainda olhando muito pra mim e minha vendinha.
- É... Também confesso... Sento aqui um dia sim, um dia não, exatamente para olhar, inspecionar, estudar mesmo, não só o senhor, mas todos... e tudo...
- É?
- É.
- E posso saber o porquê dessa observação toda?
- Com ela, enxergo caminhos possíveis para mim e para outras pessoas.
- Não entendi.
- O senhor, por exemplo, me ensina muito.
- Eu?
- É. O senhor é atencioso, educado com todos os seus fregueses. O senhor os cumprimenta, os orienta, está sempre tendo uma palavra amiga para eles. O senhor me ensina, me inspira a agir assim também. Sabe que tem funcionado?
- E é? Isso é ótimo! E o senhor acaba de me dar um prazer a mais no meu dia, por dizer que meu jeito de ser tem servido de inspiração pro senhor. Mas, me diga uma coisa, seu... Como é mesmo seu nome?
- Pode me chamar de Bento. É meu sobrenome e é assim que me chamam.
- Então, seu Bento, eu sou Amado. Também é meu sobrenome e é como me chamam. Mas, me diga uma coisa: o senhor diz que estuda as pessoas que passam aqui e até me estuda também. O que aprende, então?
- Como lhe disse, com o senhor, seu Amado – aliás, nome bem apropriado esse seu, heim? –, com o senhor confirmei que a gentileza gera momentos de sinceridade gentil, produz afeto, carinho. Seu Amado, dá pra saber que o senhor é muito querido pelos que lhe compram. As pessoas vêm aqui na sua vendinha não somente para lhe comprar; vêm para lhe ver!
- E é?
- E é. As pessoas sempre saem de sua vendinha sorrindo. Isso é bom para o espírito delas e com certeza para o seu também, que recebe também as boas energias dessa felicidade que transmite. Ora, se até eu tenho me beneficiado desses momentos, só por vê-los, só por assisti-los. Sou-lhe agradecido e aos seus fregueses por essa dinâmica de instantes de fortuna.
- Eita, seu Bento. Isso é sério demais, é responsabilidade demais, né não?
- É, sim. Mas o bom é que o senhor a exerce sem preocupação, naturalmente, então não lhe pesa, porque nem percebe.
- E das pessoas que passam por aqui, seu Bento? O senhor olha elas e aprende o que?
- Muito. Vejo muitas coisas a partir do olhar delas, de seus passos, da posição de suas cabeças, do ritmo da caminhada, dos gestos que fazem, das falas que balbuciam. Há pessoas que passam aqui cheias de vida, seguras, certas de que seu dia será dentro das expectativas criadas, pois são confiantes. Delas eu tento absorver esse espírito fortalecido, tranquilo.
- Mas por aqui também passam pessoas com outras características, não passam?
- Sim... passam, sim... mas busco me concentrar no senhor e seus clientes e nas pessoas que passam sem pesos, quase levitando...
- Elas lhe ensinam mais?
- Elas me rejuvenescem o espírito, me confortam, me trazem esperança...
- E as outras pessoas, seu Bento?
- Seu Amado, em outro dia falaremos sobre elas. Sua vendinha já está lhe chamando de novo, já muita gente ali espera seu sorriso, sua atenção, sua gentileza...
- Tá certo, seu Bento. Entendi. Outro dia venho conversar mais com o senhor. Foi um prazer conhecê-lo, seu Bento, não apenas vê-lo de meu humilde comércio.
- Também tive prazer em conversar com o senhor, seu Amado. Digamos que meu dia tenha se alargado com sua presença aqui e com nossa conversa.
Apertaram-se as mãos e cada voltou a sua tarefa necessária. Ambos, porém, estavam modificados... e estavam conscientes dessa profunda mudança.
O dia andava bem, sem alvoroço, sem atropelos, sob o sopro de benéfica brisa, com céu claro, limpo, azul, o sol iluminando tudo...
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*Chico Araujo publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Crônica" foi escrito no dia 24 de outubro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...




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