segunda-feira, 28 de julho de 2014

Vessillo Monte: Sou o mais poderoso (I, II e III)

SOU O MAIS PODEROSO – I

Vessillo Monte
Escritor, pesquisador, gigante(!) e monstro

“Sou o rei do mundo”. O grito foi lançado por um boxeador negro, de 22 anos, depois de ganhar, contra todos os prognósticos, o milionário e ambicionado título de campeão dos pesos pesados. O cenário era Miami, o momento, fevereiro de 1964. O jovem campeão cruzava o umbrais da História e não só o do esporte. Estava convicto de que o melhor ainda estava por vir. “América vá se acostumando comigo”. O tempo lhe daria razão. Em 10 anos seu desempenho nos ringues, sua surpreendente personalidade e seu compromisso público com os direitos dos negros e contra a guerra do Vietnã o transformaram em símbolo. 

O jovem, que naquela noite em Miami, derrotou o temível e poderoso campeão, ex-presidiário, Sonny Liston (também negro) era um recém chegado ao boxe profissional, e com uma pressa danada de converter-se no melhor de todos.

Nascido em 17 de janeiro de 1942, em Louisville, Kentucky, seu primeiro nome foi Cassius Marcelus Clay, e sua primeira e principal obsessão, abrir caminho a custa dos punhos. Clay percebeu muito cedo as injustiças que o rodeavam. Apesar de Kentucky não se localizar geograficamente no sul racista, a segregação imperava: serviços públicos, restaurantes, hospitais e escolas eram rigidamente separados entre brancos e negros.

Na sua própria família, a marginalização da comunidade negra era patente. Sua mãe trabalhava como doméstica diarista na casa de brancos, seu pai, pintor de anúncios, era muito participativo na luta pelos direitos participativos dos negros. Contudo, não foi a indignação nem o afã de justiça que levaram Clay, num primeiro momento, a esmurrar com rigor um saco de areia. Com 12 anos ele começou a treinar em um ginásio, por motivos bem menos nobres: descobrir e punir quem lhe havia roubado a bicicleta. Nunca revelou se pôde se vingar, porem tomou gosto pela disciplina que é exigida de um boxeador e começou a treinar como profissional. 

Foram anos de intensa dedicação, claro um prejuízo aos estudos. Só pôde obter seu diploma de 2º grau, graças a compreensão do diretor do colégio que adivinhou naquele jovem negro uma invencível determinação. Num país com escassas oportunidades para negros, Clay era muito consciente das suas escolhas. Á frente diria: “o esporte nesse pais é o caminho mais rápido para que um negro obtenha sucesso”.

No ginásio de Louisville, logo revelou as qualidades que o levariam ao topo: a rapidez, a forma de desconcertar o rival, bailando ao seu redor, os reflexos para esquivar-se dos golpes e a capacidade para manter a cabeça fria nos momentos difíceis. Aos 18 anos já tinha um histórico surpreendente que atraiu a atenção da mídia local.

O garotão belo, forte, alegre não temia as lentes da imprensa branca. Reforçou essa faceta de seu caráter e começou a desenvolver um estilo pessoal baseado no desafio continuo e num humor avacalhante. O público de Louisville, se indignava ante a verborragia provocativa do jovem Clay. “Cale a boca desse negro”. Clay com seu humor se autodenominou The Lips (bocão). Mais tarde o bocão obrigaria o mundo a reconhecê-lo como o maior de todos.

Em 1960, após ganhar o ouro na categoria peso médio, nos jogos olímpicos em Roma, a jovem promessa ingressou no circuito profissional, financiado por um grupo de empresários brancos de sua cidade natal. Esse fato marcou muito sua carreira, já que os boxeadores negros eram manipulados pela máfia. Clay em troca pôde escolher seu treinador (Angelo Dundee) e formar sua própria equipe. 

Isso possibilitou que Clay acumulasse 19 vitórias consecutivas, 15 delas por nocaute, até postar-se quatro anos depois adiante do gigante Sonny Liston, naquela noite em Miami Beach. “ Que sujeito mais feio ! a imbecilidade foi generosa com ele.” “Escute-me vou bater em você e te ensinar o que nunca ninguém te ensinou: a cair, seu merda.” 

Nas semanas que antecederam o combate Clay desferiu essas e outra “pérolas” contra o campeão. Todas as apostas eram contra o desafiante, também estava contra a indústria cultural indignada com a altivez confiança e negritude de Clay. Seu treinador, assustado, já escolhera o caminho mais rápido entre o ringue e o hospital.

Clay, habilidoso com rimas provocativas, ia ao encontro de Liston como um possesso, insultava-o, ofendia-o, e, inclusive anunciava o assalto em que ia derruba-lo. Muitos o tomaram por louco, até o próprio campeão, que descuidou-se em seu treinamento. Era isso que buscava o jovem Clay. Para o escritor Norman Maiiller, Clay inaugurou no boxe a era da psicologia: “ Sabia como fazer o oponente se sentir ridículo e assim leva-lo a cometer erros.” Aprendeu a fazer isso mesmo antes de adentrar no ringue, envolvia o adversário numa teia psicológica que o fazia perder metade do combate, antes mesmo desse haver começado.

SOU O MAIS PODEROSO – I I

Clay sempre insistiu nessa técnica de assédio contra seus adversários. Com Liston contou com o fator surpresa. Atordoado ante a rapidez e a violência dos golpes do aspirante, o campeão abandonou a luta no sexto assalto. Clay, coroado campeão, gritava no centro do ringue que havia surpreendido o mundo. Não seria a única vez. Entre os espectadores na primeira fila havia um muito especial, totalmente distinto dos habituais mafiosos e celebridades do cinema, TV e imprensa. Malcon X, um dos líderes da nação islâmica, que pregava a supremacia da raça negra.

Um dia depois do combate, Clay afirmou que eram amigos e que pertencia ao movimento. Se conheciam há anos. Clay considerava Malcon seu assessor espiritual amigo e mentor, ainda que não compartilhasse de muita de suas opiniões, como a de equiparar o branco ao demônio. Clay sempre contou com brancos no seu círculo intimo de amizades. O que encontrou na nação islâmica foi um discurso de orgulho que deu um novo sentido a sua existência, e possibilitou aceitar-se a si mesmo, após anos de segregação. “Agora já não sou cristão, sei a onde quero ir. Não tenho que ser o que os outros querem. Sou livre para ser o que quiser.” 

Clay deixava claro que ninguém ou nada iria decidir sobre sua negritude, sua religião ou sua História. Renunciou ao sobrenome Clay, herdado de seu bisavô escravo e rebatizou-se como Muhammad Ali.

O espanto na comunidade negra foi enorme. Um jovem de 22 anos, dono do cinturão de campeão do mundo, se rebelava contra o “establishment” e provocava a ira dos racistas brancos e da mídia, habituada aos domesticados boxeadores negros.

Incomodou, inclusive, o movimento pelos direitos civis dos negros. Luther King temia que a nação islâmica pela sua proposta de violência comprometesse sua luta. A jornalista afroamericana, Jil Nelson, admitiu: “O adorávamos pelos seus atos de desafio contra a obrigação de ser um bom negro, um bom cristão, à espera de recompensa pelo senhor branco”.

Para a escritora Tony Morrison, Ali, era um formoso guerreiro que representava uma nova atitude para os negros americanos. “Nunca gostei de boxe, mas ele era algo à parte: sua arte, sua coragem, sua força, eram invejáveis”.

Em 1965, Ali realizou sua primeira viagem à África mulçumana (Egito Nigéria e Gana). Retornou do continente negro como um ícone, um lutador mais importante que o próprio campeonato mundial. Ali derrotou todos os aspirantes ao título que o desafiaram, mas não foi seu magistral desempenho no ringue que o colocou novamente em evidência.

Em 1969, em plena escalada da guerra do Vietnã, foi convocado para prestar serviço militar. Graças a sua popularidade deveria exclusivamente apresentar-se em lutas de exibição para levantar o ânimo das tropas em combate no sudoeste asiático. “ Os vietcongues nada fizeram contra mim nem contra nenhum negro americano”, respondeu a um jornalista antes de objetar o governo americano que como mulçumano praticante sua crença o impedia de participar de guerras.

O Departamento de Justiça encarou a questão sobre outro ponto de vista, no ano seguinte foi considerado culpado de não servir ao seu país por razões politicas. Uma sentença que teria consequências desastrosas na vida de Ali. Em seu máximo apogeu físico, viu seu título lhe ser tomado e sofreu a proibição de não poder exercer sua profissão durante 3 anos e meio. Mas Ali voltaria. Não é isso o que os verdadeiros campeões fazem?

SOU O MAIS PODEROSO – I I I

A recusa de Ali foi vista como falta de patriotismo por muitos americanos que não sabiam o que pensar de um boxeador que seguia rompendo todos os padrões. O escritor Norman Mailler, em 1971, resumiu o que Ali, “o ego mais perturbador do século XX”, provocava nos seus compatriotas. “Provavelmente a figura mais importante depois do presidente. Não sabemos se estamos adiante de um demônio ou de um santo. Talvez, diante de ambos”. Outros elogiavam sua atitude. O filósofo e pacifista inglês Bertrand Russel prestou seu apoio a Ali, advertindo-o sobre as represálias que teria que suportar.

Nas universidades o jovem boxeador lotava auditórios com discursos contrários à guerra.

Ainda em 1971 a Suprema Corte de seu país reconheceu como válida a objeção de Ali à guerra por motivos religiosos. Decidido a recuperar o título, Ali fracassou na primeira tentativa contra Joe Frazier. Não desistiu. Obteve várias vitórias até ganhar crédito suficiente para 3 anos depois enfrentar o novo campeão, George Foreman. A luta ocorreu no Zaire e foi o grande acontecimento esportivo de 1974.

Ali tinha então 32 anos e seu adversário 25. Ante a força descomunal do jovem campeão, Ali surpreendeu todos com a nova técnica: aguentar os golpes demolidores do adversário até cansá-lo. No oitavo assalto assumiu o comando da luta e nocauteou Foreman.

Durante os anos seguintes, Ali continuou enfrentando pugilistas bem mais jovens. Perdeu novamente o título, para voltar a ganhá-lo em 1978. Aos 39 anos anunciou sua retirada dos ringues. Com 56 vitórias em 61 combates, Ali foi considerado o melhor boxeador do século XX.

______________________
P.S – Agora, aqui pra nós, seu campeãozinho de merda se tu desse em cima da minha mulher eu ia de dar tanta porrada, que nem tua mãe te reconheceria depois, te derrubava no 1º round. Viu, Ali ? Sou um bocão melhor que você, nesse campo eu sou o mais poderoso.

Valeu, campeão, é uma honra ter vivido no mesmo século que você.

Com admiração,


Vessillo Monte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário