sábado, 24 de novembro de 2012

As instigantes cicatrizes da alma "Em compasso de espera", de Chico Araujo


Na X Bienal Internacional do Livro do Ceará durante o
lançamento de Em compasso de espera, no Café Java
(Fotos Arquivo pessoal de Chico Araujo)
Chico Araujo, apesar de seu aparente jeitão casmurro, é uma pessoa divertidíssima e inquieta. Poeta, compositor, intérprete, contista, cronista, graduado em Letras, com especialização em descrição da língua portuguesa, mestre em Literatura, professor universitário, consultor pedagógico, pai de cinco filhos e avô. O primeiro livro dele que li foi O Menino e Outro Menino (1998), depois Chico me deu o prazer de editar Aziul: uma história de sombras e de Luz (2007), ambos voltados para o público infanto-juvenil. Entre a edição de um e outro, publicou O relógio de parede (2000), seu primeiro livro em prosa para adultos, para o qual escrevi uma apresentação em que destaco o olhar atento do autor. Ele vê nos fatos mais corriqueiros o incomum e nos socializa em um texto de esmerado apuro formal a condição humana neles contida. Em Versos de setembro (2010), deixa fluir o seu lado lírico em poemas confessionais nos quais transborda a intensidade de seu amor e carinho. Agora o meu caro amigo Chico Araujo me instiga a escrever sobre este Em compasso de espera. Um livro de contos surpreendente.
O conto é o soneto da prosa. Esse é o critério que estabeleço ao ler um conto, uma, digamos, perfeita fusão de forma e conteúdo tal qual se vê em um soneto, daí a minha assertiva de ser o conto o soneto da prosa. É, pois, nessa premissa a base desta apresentação.
Recebi Chico Araujo em talk-show de lançamento
do livro Em compasso de espera, no Café Java, durante
a X Bienal Internacional do Livro do Ceará
Em compasso de espera surpreende não no apuro formal, embora o esmero no trato das palavras, construções frasais e demais recursos estilísticos, como a utilização do discurso indireto livre, sobejem em muito o dos livros anteriores. Com certeza esse tipo de apuro formal não me surpreendeu, porque lhe era previsível tal evolução. A surpresa formal, melhor usar o plural, as surpresas estão por conta da resignificação que Chico dá a textos clássicos como Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Aves de Arribação, de Antônio Sales, O Quinze, de Rachel de Queirós, As formigas, de Lygia Fagundes Teles, Os Sertões, de Euclides da Cunha, entre outros que vale o leitor tentar descobrir. Com tais intertextualidades, de forma sutil, Araujo aproveita cenários ou situações desses clássicos e os incorpora ao enredo de narrativas de cunho psicológico, centradas no mundo interior das personagens dos contos carregados de subjetividade deste Em compasso de espera.
Chico (Sérgio) Araujo fala sobre a escrita de seus livros
Essa reverente homenagem que Chico Araujo rende aos clássicos da literatura nacional por meio das referidas intertextualidades não restringe a leitura dos contos de Em compasso de espera a um público de maior repertório literário; mas ganham os leitores mais experientes com a explosão de sentidos causada pela polifonia desse sutil recurso estilístico que potencializa a temática das quinze narrativas focadas no universo subjetivo das personagens. Entretanto, este não é um livro para qualquer leitor ou para um leitor apressado. Passou longe de Chico Araujo a intenção de escrever um best-seller. O seu movimento argumentativo impulsiona o afastamento de uma realidade inútil para provocar a criação de uma outra melhor, sobressalta-se a intenção de fazer uma transgressão estética da realidade.  Cada conto, portanto, deve ser lido pausadamente. Ler e refletir e reler, pois o leitor (como faz o personagem Rafael no conto “Sentidos”) vai imergir em uma nova realidade mais verdadeira do que a real, vai imegir no mais absoluto de si mesmo e quando de lá emergir o fará como transgressão de si mesmo.
São das cicatrizes da alma de que tratam os quinze contos de Em compasso de espera.  Seja ela causada pelo corte lancinante do fútil pedestal da fama, como em “Dondinha”, ou pela progressão do pensamento propenso ao pânico, como em “Pela Madrugada”, seja pela seca marcando destinos e identidades, como em “O silêncio de cada um” (mesmo neste conto de cenário mais aberto, o foco é o interior, o “silêncio” de cada um).
De um modo geral, o grande tema de Em compasso de espera são as sendas do medo, que deve ser entendido como um sentido fundamental para vida. O medo, vértice de vários caminhos, o da coragem, o da prevenção, o da covardia, o do pânico. O medo urbano. A escuridão, o nadir, o desencontro de duas pessoas entre quatro paredes. O medo da solidão. O medo de uma classe, a visão da classe média urbana.
Chico Araujo registra a sociedade urbana adoentada pelo medo, a fim imergi-la em si mesma para, quem sabe, reagir ao ponto de se autotransgredir. Surpreendente e instigador, Em compasso de espera é um livro para ser lido sozinho e depois discutido em família ou em grupo, a dois, a três, a mais pessoas. Uma leitura para quem quer saber pela arte dos meandros psicológicos da classe média urbana do início do século XXI. Espero você, leitor, para uma conversa sobre cada um desses quinzes contos.

Kelsen Bravos
Escritor

Um comentário: