quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Pedro, o distribuidor de bolachas - Chico Araujo


Um trabalhador comum, não mais que isso. 
Um trabalhador comum, empregado, recebedor de salário para suster sua família.
Laborioso comum, daquele tipo ciente da sua importância para o perfeito funcionamento da empresa – toda engrenagem precisa de todas as peças azeitadas – e da necessidade de seu trabalho em favor do dia a dia da mulher e dos filhos.
Pedro – nome originado no grego Pétros – literalmente “pedra”, um rochedo onde se pode fincar habitação com segurança. Pedro não era metáfora; foi a segurança de sua família por todo o tempo em que ela dele dependeu – “rochedo”, por princípio e, então, metaforicamente, “porto seguro”.
Em correspondência à responsabilidade que sabia ter em relação a sua linhagem, não a desapontou, provendo-a do necessário sem negar-se ao escorrer do suor no rosto, sem fugir às tarefas da labuta cotidiana.
Pedro, por valor dialético, de tão comum seria incomum. Simples, nas ações de maior complexidade, como a de dizer a seu primeiro descendente que sonhou em deixar a cidade interiorana em busca de abraçar, na capital, vida mais afortunada:
- Vai, meu filho. Vai e não apeie nunca de seu sonho. Estuda, porque nesse novo mundo pra onde você tá indo, quem procura o estudo vale muito. Vai, meu filho, faz seu caminho. Tem a minha bênção.
O filho veio, trazendo na bagagem toda a alegria da esperança que circunda um sonho, deixando na casa dos pais aquela saudade que só a sabem os genitores que amam em profunda sinceridade a sua descendência, os quais, por isso mesmo, oram em silêncio, várias vezes ao dia, contritos em suas crenças, pedindo a seu Deus Tudo transcorra em bênçãos e paz.
O filho veio, deixando nas lágrimas dos irmãos o desejo do reencontro para breve, cumprindo-se, então, a promessa de resgate de todos, assim que as condições permitirem.
Pedro, uma fortaleza.
Na sua terra, cidade interiorana, a dos monólitos, foi mesmo homem de trabalho, família e Fé. Na junção das três vertentes, brotou-lhe a consciência de que o homem não deve viver para si, pois, por existência em sociedade, seu dia a dia não lhe pertence; ao contrário, todo novo dia encaminha o homem ao encontro do seu semelhante, mesmo que em atitudes não percebidas, mesmo que sua consciência não o permita alcançar essa sua importância.
O trabalho realizado cotidianamente concede ao trabalhador o salário – quase nunca o desejado – que o leva à sobrevivência e à dos seus. No entanto, o resultado dos afazeres desenvolvidos, em profunda medida, extrapola a remuneração do laborioso e se imiscui na sociedade, em seus diversos campos de funcionamento. Em outras palavras, o trabalho realizado, diariamente, em empresas privadas e em órgãos públicos, se dimensiona em perspectiva social.
Pedro, também José (nome de origem no hebraico Yosef, significando “Ele acrescentará”, referindo-se a Deus), em algum momento de sua existência, atingiu essa consciência, e mesmo a explorou para a formação dos seus. E foi compreendido, suas lições foram aprendidas: todos os que resultaram daquela raiz, ramificaram e deram frutos geradores de novos e de outros frutos, compondo um processo natural de perpetuação de sua espécie. Pedro José acrescentou, com a benção de Deus, multiplicou, honrando o próprio nome.
Pedro José, consciente, simples e amável, tinha pelas crianças o carinho do pai agregador, aquele transformador de cada momento em uma ocasião especial para se festejar a vida e celebrar seu prosseguir em gestos simples ampliadores de felicidade, como comprar na padaria alguns pacotes de bolachas para distribuí-las pelo caminho, na volta para casa, após mais um dia de labuta, a crianças nas ruas de seu percurso.
O sorriso das crianças agradecendo aquele quase cotidiano alimento era mais uma lição de Pedro José: Não se deve deixar na fome quem tem fome.
Pedro José: rochedo, porto seguro; aquele que multiplicou, nos seus, a consciência douta da doação ao outro.
Não somos para nós mesmos!
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Chico Araujo publica toda quarta-feira no Evoé! A crônica "Pedro, o distribuidor de bolachas" foi escrita a 19 de setembro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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