segunda-feira, 25 de setembro de 2017

DA REMODELAÇÃO DE FORTALEZA - Túlio Monteiro

Disciplinar a expansão urbana e aformosear a cidade. Tal objetivo visava, em um futuro breve, facilitar o escoamento do movimento urbano e, principalmente, obter uma nova planta que viesse a regulamentar e organizar a expansão de Fortaleza, o que só se consegue até 1930. O projeto topográfico constituía o sistema de traçado urbano em forma de xadrez, do centro até os subúrbios já existentes e os que haveriam de surgir. Tratava-se de um traçado que possuía três bulevares principais, as atuais avenidas do Imperador, Duque de Caxias e D. Manoel. O sistema de grandes avenidas resultava na devastação de grandes áreas e era concebido para fins de dominação e ordenamento da expansão urbana, o mesmo corrigia becos, desvios e ruas desalinhadas que facilitavam a ocorrência de motins urbanos, substituindo-os por vias alinhadas, longas e cruzadas em ângulo de 90º que favoreciam a vigília do poder sobre a cidade. 

O crescimento da exportação algodoeira para o mercado externo dinamizou a economia cearense e contribui para tornar Fortaleza o principal entreposto comercial do Ceará, face à sua condição de sede político-administrativo provincial, à construção da ferrovia Fortaleza-Baturité e às melhorias implementadas em seu porto. A estrutura social da cidade sofreu modificações com a emergência de novos grupos dominantes, a constituição de camadas médias afluentes compostas de profissionais liberais, além do surgimento de um contingente de trabalhadores pobres, ativos ou em disponibilidade, configurando-se assim, a formação de um mercado de trabalho urbano em Fortaleza.

Neste contexto de acontecimentos urbanos, surgiu as tentativas de remodelar a capital, embelezando-a e racionalizando-a. Assim Fortaleza buscava copiar de exemplos europeu, principalmente francês, diversos projetos urbanos. As noções de progresso e civilização tornaram-se eixos básicos dos discursos e práticas desses novos setores dominantes, autoproclamados como restauradores da situação de "atraso" em que o País estaria encerrado o que não impediu a resistência popular à construção desse modelo burguês.

Entretanto, o crescimento econômico não minimizou os efeitos produzidos pelos investimentos na sociedade, no controle da saúde, nos hábitos higiênicos e no comportamento da população, bem como nas alterações efetuadas no espaço e na arquitetura da cidade.

DAS AS REFORMAS URBANAS

A Santa Casa de Misericórdia

Estando totalmente entregue ao público em 1861, a Santa Casa de Misericórdia foi um dos principais empreendimentos realizados pela companha em meados do século 19. Encarada pelo saber médico como algo emergente que viria reagir em socorro aos vitimados por alguns flagelos do meio cultural e social, como foram as epidemias de febre amarela de 1851 e de cólera de 1862/4, até da seca de 1845.

A Santa Casa de Misericórdia está localizada entre o Passeio Público e a antiga Cadeia Pública, onde hoje é a Emcetur (cento comercial de artesanatos de Fortaleza).

Cemitério São João Baptista

O cemitério S. João Baptista, ou "Cemitério Novo", como chamavam outrora, recebeu a bênção para ser ativado em 5 de Abril de 1865. Após uma série de denúncias feitas pelos administradores locais, sanitaristas e higienistas, o antigo cemitério de São Casemiro, o "Cemitério Velho", foi condenado pelo seu excesso de lotação e, sobretudo, pela localização. A própria escolha do novo cemitério, a situar-se no bairro de Jacarecanga, remete-nos à lógica dos sanitaristas: por ser uma área distante da cidade de então, e por estar situada em posição oeste, ou seja, a sopravento, livre do vento espalhar a bactéria da cólera pela cidade.

A necessidade da construção de um novo cemitério deu-se quando o risco de uma epidemia provocada pela Cólera Morbus foi identificado por alguns sanitaristas da cidade, em virtude de estarem enterrados no antigo cemitério algumas das inúmeras vítimas da cólera que haviam padecido. Pelo fato de Fortaleza estar em constante crescimento urbano e, sobretudo, pela forte repercussão que teve o saber higienista na organização dos espaços urbanos em meados do século 19, o antigo cemitério de São Casemiro (popularmente conhecido como o do "Croatá"), que em 1849 fora construído para receber todos os mortos da cidade, e inclusive das áreas suburbanas, procurando, assim, evitar a existência dos cemitérios clandestinos, foi fechado em 1865 e, logo após demolido em 1877 para a construção da estação ferroviária que ligava Fortaleza a Baturité, em virtude do escoamento do algodão vindo daquelas bandas do interior.

Em 1880, foram exumados do Cemitério Velho os restos mortais de algumas das mais importantes e ilustres personalidades de nossa cidade para permaneceram no novo cemitério de São João Baptista. Dentre os mortos, os restos mortais de Pessoa Anta e Pe. Mororó, que por sua vez já havia sido exumado dos seus respectivos leitos funéreos existentes na Catedral até pelo menos 1845.

Sobre o aspecto social dos defuntos enterrados no cemitério São João Baptista, necessitamos nos referir à geografia interna deste logradouro, onde as famílias dos setores médios e populares encontram-se enterradas do meio do cemitério para o fim, enquanto as pessoas da elite encontram-se enterradas logo em seu início. Quanto aos estilos esculturais e arquitetônicas encontrados nos jazidos ali existentes, esses variam do Neoclássico ao Romântico (gótico e neo-barroco).

Estação Ferroviária

A atual praça Castro Carreira (popular Praça da Estação) era local onde as tropas coloniais e imperiais costumavam treinar suas milícias, sendo também local para o povo realizar seu esporte da cavalhada e torneios hípicos. Tal espaço era denominado "Campo dona Amélia", sendo que, a partir de 1871, em função da construção da estrada de ferro, recebe o popular nome de Praça da Estação e mesmo depois da praça ter sido rebatizada com o nome do médico e senador Castro Carreira. O que prevalece até hoje é o nome popular.

O sonho de construir uma estrada de ferro e sua estação central se concretizou através de um pacto associativo entre algumas personalidades locais e o governo da província. A obra que foi iniciada em 1871 e inaugura em grande estilo em 09 de junho de 1880, visando ligar inicialmente a cidade de Fortaleza ao município de Pacatuba. Entretanto, a obra se estendeu até Baturité passando a se denominar Companhia Cearense da Via-Férrea de Baturité. Anos depois, em 1878, já sob o comando do governo imperial, a malha viária é estendida, ligando o porto de Camocim à cidade de Sobral. 

Na construção da estação Eng. João Felipe, foi empregada como mão de obra exclusivamente os retirantes da seca de 1877, que para Fortaleza acorriam em decorrência daquela terrível calamidade.

A localização da estação foi considerada ideal, apesar das críticas, pois no local havia o cemitério São Casemiro, que foi demolido em função das obras, pois, segundo a tradição da época tal edificação deveria ser vista do mar e, formando ao longo da rua João Moreira um complexo arquitetônico de expressiva significação dos valores humanos e progressistas, compreendidos palas seguintes edificações públicas: o forte-quartel, o Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia e a Cadeia Pública. A intenção maior era de "iludir" o navegante que se aproximava que aqui também havia autoridade, espaço para lazer, saúde, segurança e progresso. 

Passeio Público

Surge o Passeio Público no local onde situava-se a Praça dos Mártires, que foi remodelada com o implante de bancos, canteiros, café-bar, réplicas de esculturas clássicas e 3 planos ou avenidas, uma para o desfrute das elites, a segunda para as classes médias e a terceira para os populares. O Passeio tornou-se a principal área de lazer e sociabilidade das grandes famílias da época, merecendo fotografia dos seus mais diversos ângulos, sendo ainda hoje ponto de diversão para todas as classes sociais da cidade.

O desenvolvimento comercial, de novos serviços, da industrialização, a supressão do trabalho escravo, as secas periódicas foram fatores que contribuíram para o crescimento populacional da capital do Ceará. Essa massa urbana preocupava os governantes e círculos de saber locais, que para discipliná-los e assim amenizar a tensão social, instalaram escola primária e oficinas para os detentos da Cadeia Pública (1882), empreenderam campanha para casamentos de amasiados (1885) e construíram o Asilo de Alienados São Vicente de Paula (1886) para retirar os loucos de circulação e ao Asilo de Mendicidade, inaugurado no mesmo ano, onde eram recolhidos os mendigos.

Teatro José de Alencar

Em 1910, no Governo Accioly, surgia na reformada Praça Marquês de Herval (hoje Praça José de Alencar), a maior obra arquitetônica de Fortaleza até o presente, o Theatro José de Alencar. O teatro, que era frequentado apenas pela elite cultural da cidade e constituía uma certa “ordem civilizatória”, coincidiu com a implantação do serviço canalizado de abastecimento de água e esgoto, sob pena de agrava-se o já alto índice de morbidade e mortalidade que assolava a cidade.

Mas a construção do teatro não escondeu os problemas do governo Nogueira Accioly, já que a cidade passava por explícita pobreza e estagnação, onde a maior parte da população vivia em dificuldades financeiras. O crescente descontentamento do povo eclodiu com os movimentos oposicionistas a Accioly. Uma verdadeira guerra civil nas ruas e praças, que culminou com a deposição do oligarca, tendo por um dos líderes o farmacêutico Rodolfo Teófilo, integrante de oposição a Accioly, e que se tornara célebre por ter vacinado em domicílio e gratuitamente grande parte da população. As eleições vieram logo após a revolta, com a vitória do candidato Franco Rabelo.

Praças Públicas

Contando com o apoio da população, Franco Rabelo procurou concentrar sua gestão na governabilidade da Capital, no pouco tempo em que durou, realizou diversos melhoramentos na Cadeia Pública, demostrava preocupação em disciplinar os contingentes mais pobres para salvaguardar a ordenação urbana, trabalhou a saúde pública, instalou o Instituto de Amparo à Infância, retomou o projeto de saneamento de água e esgoto e seu Governo teve uma importante participação de Ildefonso Albano, que tomou uma série de medidas de higiene pública. O Intendente Albano viabilizou o serviço de limpeza pública dividido a cidade em quatro distritos, proibiu a venda ambulante de qualquer objeto que causasse sujeiras nas ruas, trabalhou para conservação de calçamentos, criou uma banda municipal, realizou a abertura da Avenida Senna Madureira, reformulou a Praça General Tibúrcio, próximo ao Palácio do Governo, onde antes tinha-se apenas um depósito de materiais e que servia de pastagem para animais.

Já a energia elétrica chegou em 1914, através da Ceará Light and Power Co., eletrificando os bondes, antes puxados por burros, passando a cobrir pontos mais distantes da capital. À mesma época, em 1917, surgiu o primeiro cinema, o Cine-Theatro Majestic, localizado na Praça do Ferreira. A regeneração das praças, foi além do mero aformoseamento, facilitando a circulação e determinando novas regras de convívio e utilização do espaço público, além de estimular a prática de exercícios corporais nos jovens e estudantes, tida como benfazeja aos costumes e a saúde. Com a inauguração do serviço de abastecimento de água e esgotos, foi procedida a reformulação da Praça do Ferreira, a principal da cidade. A obra foi exigida por motivos higiênicos e estéticos, mas, sobretudo, para racionalizar a circulação de pedestres, bondes e automóveis.

No entanto, a partir da década de 1930, o espaço urbano de Fortaleza sofreu um crescimento desordenado e de forma espontânea que deu lugar a aglomerados de edificações precárias na periferia da cidade, algumas destas com características de favelas. Para as camadas dominantes, a expansão e a movimentação pública do perímetro central fez com que se transferissem do centro para áreas periféricas desocupadas, formando-se os primeiros bairros ricos.

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Túlio Monteiro - escritor, biógrafo, pesquisador, revisor e crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro.





2 comentários:

  1. Tulio Monteiro na sua saga histórica, nos brinda com suas pesquisas com o ordenamento do espaço público de nossa capital. Interessante constatar que o tempo passa e os projetos de uma cidade formosa, sempre perdem para um crescimento desorganizado. Agora falam num projeto arquitetônico que vislumbra nossa cidade para o ano 2040.... É torcer para que nossos arquitetos e urbanistas, (destaco DELBERG PONCE DE LEON, FAUSTO NILO e LIBERAL DE CASTRO , dentre tantos competentes) sempre na vanguarda possam finalmente implementar projetos que tornem nossa "LOURA DESPOSADA DO SOL", um casa funcional e linda para nós cearenses e colírio para os olhos mundiais. Assim seja.

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  2. Faço minhas as suas palavras, Clauton. Se tem alguém que pode salvar Fortaleza do caos urbano no qual ela se encontra, esse alguém é Delberg Ponce de Leon e sua tribo de arquitetos urbanistas. Túlio Monteiro.

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