segunda-feira, 18 de setembro de 2017

ASPECTOS SOBRE O SURGIMENTO DO CEARÁ - Túlio Monteiro

No presente artigo, Túlio Monteiro, dedicado pesquisador das literaturas e história do Ceará, inicia uma série de textos sobre a origem e desenvolvimento da Nação Alencarina. Boa leitura. (KB)


PERO COELHO DE SOUZA
Alguns meses antes da chegada de Pedro Álvares Cabral às terras brasileiras em abril de 1500, as plagas que um dia viriam a ser o estado do Ceará já haviam sido visitadas por outros europeus. Segundo suas próprias anotações náuticas, o espanhol Vicente Pinzón afirmou ter aportado em fins de janeiro e começo de fevereiro de 1500, em um local ainda desconhecido da América do Sul, que por ele foi batizado como Cabo de Santa Maria de la Consolacion, onde hoje está localizado o município de Aracati. Aproximadamente um mês após a partida de Pinzón, o também espanhol Diego de Leppe registrou em suas anotações ter aportado em uma enseada, que mais tarde seria denominada Mucuripe. Lá, às margens de um belo e tranqüilo rio, provavelmente o Pajeú, ele encontrou uma cruz que fora erguida em 4 de fevereiro de 1500 pela expedição de Vicente Pinzón. Entretanto, aquelas terras não puderam ser oficializadas como espanholas em virtude do Tratado de Tordesilhas, que dividia o Novo Mundo em duas partes distintas para Portugal e Espanha, cabendo aos portugueses tudo que houvesse ao leste de Tordesilhas. 

Com a chegada de Cabral, em 22 de abril de 1500, o Brasil foi dado como oficialmente descoberto. No entanto, por mais de cem anos as terras cearenses ainda permaneceriam intocadas, até que a expedição chefiada pelo açoriano Pero Coelho de Souza as reclamasse. Corria o anos de 1603.

A missão de Pero Coelho de Souza tinha por objetivos maiores combater os holandeses chefiados por Mombille, que haviam invadido a então Capitania do Ceará e fortificar as terras litorâneas existentes entre as Capitanias do Rio Grande(do Norte) e do Maranhão.

Mombille encontrava-se no interior da Capitania do Ceará. Pero Coelho de Souza, ao lado de 75 soldados portugueses (dentre eles o jovem Martim Soares Moreno, com aproximadamente 17 anos de idade) e cerca de 200 índios Potiguares comandados pelo chefe Caraquinguira, que havia sido convencido a lutar ao seu lado pelo língua-perito Pedro Cangatã, ergueu, em 10 de agosto de 1603, o Forte de São Lourenço, na margem esquerda do rio Jaguaribe. Depois de vários meses de sangrentas lutas, o capitão-mor português logrou vitória sobre o flamengo Mombille, partindo então para o Maranhão, onde também combateria os holandeses.

Com os homens cansados e debilitados, Pero Coelho de Souza montou acampamento em julho de 1604 às margens do rio Ceará. Convencido de que o local além de aprazível era um ponto bastante estratégico do litoral, o capitão-mor ordenou ao seu imediato Simão Nunes Corrêa que erguesse, na margem direita do rio, uma edificação denominada Fortim de São Tiago, que, segundo ele, seria o marco inicial do povoamento de Nova Lisboa. Estava nascendo a cidade de Fortaleza. 

Edificado o fortim, Pero Coelho de Souza partiu em direção à Capitania do Maranhão, afastando-se da Capitania do Ceará por 18 meses. O capitão-mor jamais conseguiu chegar ao Maranhão, tendo retornado após ter chegado ao delta do Parnaíba. No fortim haviam ficado vários de seus homens à espera de reforços e suprimentos vindos da Capitania de Pernambuco, suprimentos e reforços estes que nunca chegaram.

Ao retornar, no início de 1606, Pero Coelho encontrou seus homens debilitados e desejosos de retornarem à Capitania da Paraíba, de onde haviam saído em julho de 1603. Quase todos partiram, ficando Pero Coelho de Souza a defender as terras cearenses sediando-se no fortim de São Lourenço, às margens do rio Jaguaribe. Com ele permaneceram sua esposa, Dona Maria Tomásia, seus cinco filhos e 18 soldados fiéis ao seu mando. Por fim, em 1608, sentindo-se abandonado por Portugal, o capitão-mor daquela que ficou conhecida como a primeira expedição lusitana às terras cearenses, resolveu voltar à sua terra natal. O caminho de volta a Paraíba foi bastante difícil. Nele viriam a morrer dois dos filhos de Maria Tomásia e Pero Coelho, além de vários soldados.



MARTIM SOARES MORENO


"...sendo no ano de 1611 cheguei a Seará com seis homens em minha companhia e um Clérigo onde fui muito bem recebido, logo a poucos dias fiz Igreja e com retábulos que o levei se disse Missa, e se fizeram muitos Índios Cristãos." (Martim Soares Moreno)


Em fins de 1611, uma nova expedição portuguesa é enviada à Capitania do Ceará. Fazendo-se acompanhar por seis soldados e pelo padre Baltazar João Correia, Martim Soares Moreno, um ex-integrante da expedição de Pero Coelho de Souza, chega à Capitania. No dia 20 de janeiro de 1612, valendo-se da amizade que havia cultivado junto aos índios Potiguares durante os três anos que ali vivera, aquele que seria imortalizado por José de Alencar como o valente Guerreiro Branco do romance "Iracema", iniciou a construção do Forte de São Sebastião no mesmo lugar onde Pero Coelho havia edificado o Fortim de São Tiago, tendo ali também erguido a Igreja de Nossa Senhora do Amparo.

No ano de 1613, Martim Soares Moreno fez um minucioso reconhecimento da costa do Maranhão, obtendo dados sobre a ocupação francesa naquela região. Combateu os franceses entre 1613 e 1614, quando então voltou a Portugal, retornando ao Brasil em 1615 na expedição de Gaspar de Souza, para novamente combater os franceses.

De volta a Europa, em 1619 obteve uma Carta Régia que lhe dava o título de senhor da Capitania do Ceará. Retornando à Capitania somente em 1621, iniciou ferrenho combate aos holandeses invasores, expulsando-os do Ceará entre os anos de 1624 e 1625. Em 1631, tendo encerrado-se os dez anos de validade da Carta Régia que lhe dava poderes sobre o Ceará, foi combater os holandeses em Pernambuco.

Praticamente abandonado, o forte de São Sebastião foi invadido no dia 25 de outubro de 1637 por tropas holandesas chefiadas por Gedeon Morris Jonge. Entretanto, em 1644, índios cearenses atacaram o forte, dizimando todos os batavos que lá se encontravam.

Somente cinco anos depois, no dia 3 de abril de 1649, o holandês Matias Beck aportaria em terras cearenses. Seu objetivo maior era transferir o forte da Barra do Ceará para um local mais favorável, uma vez que dali não podiam ser vistos os navios ancorados na enseada do Mucuripe, que facilmente poderiam ser capturados por portugueses ou franceses. Naquele mesmo ano, sobre o morro Marajaik, foi erguido o forte Schoonenborch, assim batizado para homenagear o governador holandês de Pernambuco, Walter Van Schoonenborch. Entretanto, no dia 20 de maio de 1654, Matias Beck entregou o forte ao capitão português Álvaro de Azevedo Barreto, em cumprimento ao tratado de paz celebrado entre Portugal e Holanda, em 1º de junho daquele ano. Depois de ocupar o forte com quatro companhias de soldados e duas de índios, Álvaro de Azevedo Barreto ergueu no local uma pequena ermida. O forte de Schoonenborch, passaria a ser denominado, por ordem de Álvaro Azevedo Barreto, como a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.

Estava selado o surgimento definitivo daquela que viria a ser a capital do estado do Ceará: a encantadora cidade de Fortaleza, anos antes surgida nas ribanceiras do rio e das águas que banham a Barra do Ceará. 

DOIS POEMAS PARA A BARRA DO CEARÁPÔR-DO-SOL NA BARRA DO CEARÁ

Vem do sertão o rio e junto ao mar se estende
Num plúmbeo refulgir de ofídio a rastejar,
E a água que vem do mar a água do rio fende,
E empresta à água do rio a agitação do mar.

Em seu surdo mover, sob a grama que as prende,
As dunas colossais ficam, de longe, a olhar
Os coqueiros em fila ante o áureo Sol, que acende
Purpurinos clarões de luz crepuscular.

Eis em toda a grandeza, em toda majestade,
Da Barra do Ceará o esplêndido sol-pôr,
De uma tão doce e tão serena claridade,

Que nos enche de paz, de quietude e langor.
- É por isso que eu fujo às vezes da cidade,
Para reviver aqui meus sonhos de amor.


Hermes Carleal (Poeta)

POSTAL / CANTO DE EXALTAÇÃO À BARRA DO CEARÁ

A Barra do Ceará
não é um lugar:
a Barra do Ceará
é uma canção.
no velho cais
há uma riqueza oculta
barcos que pousam
nos ventos da tarde
o rio desliza na paisagem
onde suave é a vida
no ritual da travessia
pôr-do-sol despenca seus matizes
pontilhados de emoção e encanto
coqueiros desenham-se românticos
no mar das goiabeiras.

Bernardo Neto (cantor e compositor cearense)

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Túlio Monteiro - escritor, biógrafo, pesquisador, revisor e crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro.                                                                                                                                  

6 comentários:

  1. Muito bom, Túlio! Eu sigo por aqui admirando o seu pendor para o resgate de nossa história, um telurismo que invade a narrativa de outros tempos, sempre ancorado na poesia. Leitora assídua de seus escritos.

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  2. Bom, Suely. O esforço para resgatar datas e fatos é grande, mas vale a pena quando o reconhecimento de uma pessoa do seu quilate vem à tona. Túlio Monteiro.

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  3. Ele navega celeremente, mas seus movimentos grafêmicos revelam que seus escritos vasculham os túneis dos corações, trazem â tona o DNA das notícias e informações e tudo atinge a necessária miscelização textual. Isso agrada principalmente a todos os cearenses.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Fico a me perguntar se o nosso nobre escritor, "em outras vidas" teria sido um bravo nativo cearense..talvez um cacique? (esse papo de indio nunca me convenceu)
    Mas o que impressiona é a pesquisa enveredando para a história, ou seja , a verdade cristalina, e não a oficial que desde os primórdios são a nós oferecida... Bravo Túlio, continue nessa saga para revelar dados tão intrigantes como foi a imortalização de Martin Soares Moreno pelo genial José de Alencar. E para "variar" ainda nos brinda com poesias que tecem elogios a bucólica Barra do Ceará.

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    1. Pararei não, caro Clauton. É bom descobrir essas pérolas da história cearense e compartilhá-las com quantos mais pessoas melhor. Valeu pela opinião. Túlio Monteiro.

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