quarta-feira, 25 de julho de 2018

Xucro - Chico Araujo*

Tenho me arriscado aqui no contar histórias, algumas com invencionices, outras sem. Tenho gostado, sem pleitear unanimidade e considerando, a partir de Nietzsche e Rodrigues, que onde ela graça, burrice existe. Ou não? Um pouco não me importo; a vivência da escrita, o estímulo para fazê-la, a expectativa de haver um parco – mesmo que único – comentário a ela me inflama motivação. Vou tecendo. E me arriscando.

Pois veja que dessa vez a história não tem demora, apesar de o personagem ser existente em variados contextos, materializando muitos fatos. Vamos.

Subiu. Como cedo ainda a manhã, no ônibus poucas pessoas. Em chegando à roleta, o cobrador outra vez expressou Bom dia, mas, de volta, o silêncio, a sisudez, o arranco na borboleta – rotina. Seguiu o ônibus, seguiu o cobrador, seguiu ele.

Desceu. Ponto-parada, o caminho de ontem e de antes, o trabalho avocando. Na contradição de uma pressa lenta, não desviou da senhora no sentido oposto. No quase atropelo, a reclamação madurona esnobada no nem olhar desdenhoso. Seguia ele.

Na entrada, empurrão na porta, agredindo pé do segurança gritante de um “Eita” considerável de imponente. Sem abalo, os passos seguintes.

Na sala, os companheiros. Nenhum qualquer Bom dia – todos no costume.

Na precisão, nunca medo da pergunta, assim direta, sem floreio:

- Você pode me dizer como fazer isso? – e apontava para uma planilha como novidade.

Em atenção, a colega:

- Posso.

Ensinado, nada de um ligeiro agradecer. Nada de sorriso. Em suma, nada. Apenas o cumprimento da tarefa.

Em vendo aquele desenrolar, alguém arrisca:

- É um xucro mesmo!

Sem reação. Um solene ignorar do dito e do sugerido.

Em atendimento a telefonema, iniciava a conversa com um Diga forte e insolente. No uso de banheiro, ignorava os apelos de descarga e manutenção de limpeza. Na hora de um cafezinho, tomava a frente de quem chegara antes, sem exclamação de licença. No almoço, sem respeito à preferência pela ordem de chegada.

Assim como de manhã, a tarde.

Em retorno à casa, arrastava para dentro do ônibus quem lhe estivesse pelo caminho e, se conseguisse lugar para sentar, não o oferecia a quem mais precisasse, e se não houvesse cuidado, alguém poderia descer em ponto-parada não desejado.

Era assim. Não se sabia até quando seria, se haveria mudança na sua maneira de ser.

Era assim. Um exemplo de como não ser.

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*Chico Araujo - professor, poeta, contista e compositor, publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Xucro" compõe o Abecedário de Crônicas do Evoé e foi escrito a 23 de julho de 2018. Leia mais Chico Araújo em Vida, minha vida...

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