Ora, acontece que o garoto queria porque queria saber o que era saber e por que saber é tão importante, e não encontrava viv'alma que o demovesse dessa necessidade tão intrinsecamente fervorosa. Então, não perdia oportunidade de perguntar:
- O que é saber? Por que saber é importante?
Essas eras as suas frases de preferência e isso aconteceu muitas vezes em sua infância – quando crescido passou a perguntar a si mesmo; nela, quando emergiam essas indagações, não por nenhum laivo de maldade, não por qualquer desejo traquina de pôr seu interlocutor em maus lençóis. Não, não era isso e nem era nada pior, apenas se sentia insatisfeito com as respostas dadas pelas pessoas respondentes, pois cada resposta lhe chegava acompanhada por lacunas a serem preenchidas; nenhuma delas o satisfazia.
Esse perguntar começou mesmo em exata noite em que, quando contava cinco anos de puerilidade, ouviu sua mãe dizer que o pai acabaria seus dias inquieto, cheio de preocupações por tanto querer saber e saber e saber de tudo quanto existisse, principalmente no que se referisse a questões políticas, econômicas e sociais.
Aquela fala da mãe foi o pronunciamento fundante daquele perguntar insistente, insatisfeito, inquieto e inquietador. Naquela hora fatídica, o menino cismou. E disparou:
- Mamãe, o que é saber? Por que saber é importante?
- O que filho? Perguntou o que?
- O que é saber e por que ele é importante.
- Bem, meu filho, saber é algo que... que... a gente sabe, entende?
- Não.
A mãe respondeu por responder, nem prestara bem atenção na pergunta feita pelo primogênito de cinco anos. Estava era de olho no pai dele que não desligava aquela ânsia pela informação, ouvindo e lendo notícias o tempo quase todo.
- Mãe!
- Oi, filho.
- Me explica.
- O que?
- O que é saber e por que ele é importante...
- Mas eu não já te disse, filho querido?
- Eu não entendi.
A mãe resolveu exemplificar:
- Olha ali pro seu pai. O que ele está fazendo?
- Vendo televisão.
- Tá, mas o que ele está vendo na televisão?
- É notícia, né mãe?
- Isso! Muito bem.
- Então quer dizer que saber é ver notícia na televisão?
- Hã? Bem, não... não exatamente... é sim, sim, ver notícia na televisão também faz você saber, mas não só a televisão, entende?
- Não.
- Não o quê?
- Não entendi, mãe.
- Como não entendeu? É simples...
Foi um marco aquele momento. Não entender acendeu a curiosidade do menino que, daquela hora em diante, queria porque queria saber o que era saber e por que era tão importante. Ficou taciturno, meditativo, mesmo tendo a idade que tinha.
Na hora do jantar, comeu bem, ruminando em silêncio como saberia o que era saber, enquanto observava o pai atento ao noticiário televisivo, sob o olhar apreciativo e silente da mãe comendo devagar sua janta que não sobraria no prato.
Criança costuma ser instável em sua saúde na infância e muitos poderiam ser os motivos para aquele estado repentinamente febril revelado na madrugada.
- Poderia ser uma simples gripe simples, ou mesmo o prenúncio de algum adoecimento característico da idade para o qual se deveria ter olhar mais cuidadoso, o que necessitaria de observação. Naquele momento – disse o médico –, não havia nada para causar grandes preocupações.
A mãe arriscou:
- Tô achando que tem ligação com algo emocional...
- Como assim? – perguntou o doutor.
- Ontem à noite ele quis muito saber de uma coisa e perguntou muito a respeito dela, mas não consegui dar informação que o tranquilizasse. Jantou calado, ficou calado o resto da noite. Pouco antes de cair no sono, fixava o olhar no teto, como se ali procurasse alguma resposta a sua inquietação.
- E o que o atormenta?
- Pergunte a ele, doutor. Quem sabe não consegue dar uma resposta que o satisfaça.
O pediatra voltou-se à criança e a ela lançou a pergunta:
- E então, em que mais posso ajudar você? Tem algo que queira saber e eu possa lhe dizer?
A criança não se fez de rogada:
- Quero. Exatamente isso, doutor.
- Isso o que?
- O que é saber? Por que ele é tão importante?
Aquela criança, nos seus cinco anos, prenunciava, com aquelas perguntas reincidentes, a sagacidade com que inquiriria a vida dali por diante.
E muito tempo se passou até chegar aquele instante que poderíamos dizer fosse um agora. Das memórias ele saltou para ver-se ali, maduro, diante da televisão, vendo notícias em telejornais. Apesar disso, aprendera que, dentre muitos saberes consolidados em sua existência, um se revelava por demais relevante: não se pode crer, passivamente, em tudo o que é dito nos telejornais. Há muitos interesses envolvidos entre a manchete, a matéria feita para divulgação, o interesse de quem a divulga, a expectativa a ser criada em quem a escuta / vê.
Assim, restava como certa a ideia de que nunca se saberá cem por cento tendo-se por base apenas o que é dito, mostrado, comentado, julgado pela imprensa, pelos jornais, pelas revistas, pelos telejornais.
Ainda se sonha em vãs filosofias.
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*Chico Araujo - professor, poeta, contista e compositor, publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Saber" compõe o Abecedário de Crônicas do Evoé e foi escrito em 20 de junho de 2018. Leia mais Chico Araújo em Vida, minha vida...
Isso não é crônica, prezado Chico. É um conto perfeito. Isso sim. (Túlio Monteiro).
ResponderExcluirPrezado Túlio, agradeço muitíssimo sua análise e comentário. Forte abraço.
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