segunda-feira, 21 de maio de 2018

Ó de ódio -Que os anjos nunca digam amém! - Túlio Monteiro*


“Bem-vindos os que se reúnem no amor de Cristo...”

Domingo, sol das dez da manhã abrasando um dia que prometia ser de muito calor naquela cidade quase cortada pela Linha do Equador. Trópicos. A missa de batismo acabara de começar na igreja de paredes azuis entrecortadas por vitrais retratando anjos e santos caleidoscópios.

Pelos bancos de marrons, lentamente polidos pelos milhares de fundilhos que por eles passaram ao longo de tantos anos, famílias inteiras se espremiam acalantando nos colos pequenos inocentes ainda entrevados pela ausência da água benta que breve seria despejada sobre suas cabeças na pia batismal encravada sob a gigantesca nave daquela casa de Deus. Vinte ou mais metros de altura.

O estampido do primeiro tiro calou as ladainhas e rezas. Tinha destino certo: a cabeça do menino de sete meses que se encontrava nos braços de vitiligem da futura madrinha. Sangue e cérebro espalhados nas pequenas vestes brancas da criança e sobre a incredulidade dos que se encontravam no derredor.

Segundo tiro, terceiro...quarto. No chão sagrado do templo estavam mortos, cabeças também arrebentadas, a avó materna, o irmão de oito anos, e seu pai, autor dos disparos que haviam arrebatado quatro vidas. Suicídio ou ira pelo descaso com o qual o vinham tratando?

Tumulto!

Sobre os corpos, a mãe das crianças dilacerava gritos; os olhos derramando-se em um choro com cheiro e sabor de morte, representação suprema da mais profunda e plena dor que um ser humano possa vir a experimentar.

Fincadas nos candelabros do altar vazio, velas tremelicavam chamas gotejando lágrimas de cera em mistura lenta de sangues sobre os ladrilhos brancos e tão alvos quanto as asas dos anjos que adejavam aquele lugar agora maculado.

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*Túlio Monteiro – escritor, crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! O texto "Que os anjos nunca digam amém" foi escrito em março do Inverno de 2008. Agora integra o projeto Abecedário de Crônicas do Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro

2 comentários:

  1. Não parece ficção, caro Túlio, não parece. Mesmo sendo, há uma dor que salta das linhas bem traçadas e nos atinge não o corpo, mas a alma. Para ações assim, "Que os anjos nunca digam amém!".

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  2. Não diria macabro, mas surreal. Afinal o templo ou casa de Deus, seria ainda um local imaculado, não fora a pena do nobre escritor tão afiada e cruel. Descrentes ou ateus, como queiram, há de se sentir extasiado com cena tão violenta e tão presente na atualidade, entretanto o amor aos escritos faz do escritor um narrador um tanto quanto contundente e demasiado. Mas com um cenário e uma cena tão chocante , evidentemente que os anjos jamias dirão amém.

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