segunda-feira, 2 de abril de 2018

HERCÚLEO - Túlio Monteiro*

(Em honra ao meu pai, já que hoje faz um mês de sua partida deste para o plano espiritual)


“Hercúleo, meu caro poeta Túlio Monteiro. É assim que defino o trabalho de um cronista”. Dessa forma me definiu um dia em uma de nossas noitadas de carraspanas homéricas o saudoso médico e escritor Airton Monte, o homem do Solar dos Montes.

Estava certo o bardo de tantas musas. Escrever não é nada fácil ainda mais para ele que manteve durante anos, no jornal O Povo, sua coluna diária de crônicas quase sempre espetaculares.

Encontro-me, pois, sobre o teclado de meu velho computador a tentar expulsar de meus dedos as palavras certas para explicar ao meu modo como é difícil a escrita de uma crônica que, pressintamos, vá ser do agrado de todos os possíveis leitores. Digo isso, porque em minha última escrita no abecedário criado por Kelsen Bravos, a letra “G” provocou reações as mais variadas possíveis que me conduziram – dependendo da opinião – do Céu aos Infernos de Dante em um piscar d´olhos.

Cada cronista tem lá suas arrumações para escrever uma crônica! Falando apenas por mim, as “preparo” durante um ou dois dias. Já medindo palavras e escolhendo o assunto que deve versar – no caso do abecedário kelseniano – em torno da letra da semana. O que me leva, de certa forma, a já tê-la quase pronta quando sento para pô-la à luz. Preciso, também, de silêncio praticamente absoluto além de nenhuma perturbação durante os “plec-plecs” do teclado.

Uma vez tendo o mote se instalado em meu cérebro, o correr da pena fica bem mais fácil e a danada vai sendo parida até ficar pronta em seu primeiro formato. Ocorrido isso, vem aquilo que chamo de varredura das arestas ou limpeza das sobras que por ventura venham a ficar no texto a ser oferecido a ledoras e ledores fiéis.

Posso ser questionado nos comentários do blog "Evoé!" sobre onde está o trabalho de Hércules nessa simplicidade acima narrada. Posso e adoraria ser sabatinado nesse âmbito uma vez que escrever é dar a cara a tapas e/ou afagos. É escrever sabendo que você pode ser julgado um bom escritor ou não.

E é ai, prezados, que entra o trabalho HERCÚLEO de se escrever. É tentar manter a uma certa linha de qualidade, um certo ritmo de escrita, uma certa homogeneidade no burilar excepcional que é pôr no Mundo algo só seu, algo que ninguém, por mais que tente, poderá tirar de você: O dom de ser escritor e estar na ativa.

Lembro que aprendi muito com as crônicas de Airton Monte. Um verdadeiro bruxo que tinha assuntos mil para discorrer diariamente em seu espaço jornalístico. Não posso negar que ele foi uma das minhas fontes inspiradoras, em tempos que eu ainda rascunhava meus alfarrábios. Foi ele o primeiro a me cumprimentar quando em certa noite de quinta-feira de setembro de 1999 recebi minha maior láurea, tornando-me o vencedor do 2º Prêmio Ideal Clube de Literatura com a crônica “Dois dedos de prosa com Graciliano Ramos”.

Mas não descambemos para os lados do saudosismo, pois o tempo nunca volta e os relógios com seus ponteiros desgraçados vão nos avisando que nossas vidas estão sendo-nos tiradas aos poucos ao som de seus “tic-tacs” irritantemente certeiros.

Sim! Sinto-me Hércules ao lhes escrever. Sinto-me Davi com sua funda na mão ao redigir um texto de qualidade e que vai ser lido com prazer, como com prazer foi lida a crônica de 26 de março último, intitulada “GRANDE amor”, que atingiu em cheio os românticos de plantão a exemplo de Lady D, para quem a devotei.

Isso de ser escritor é coisa para doidos mesmos, mas doidos com coerência, alinhavo e tessitura das palavras surgidas dessa Última Flor do Lácio que é a nossa magnífica língua portuguesa, tão cheia de opções aos que a ela recorrem nas horas incansáveis da escrita, seja ela a qual profissão for necessária.

Pois que venham mais letras nesse abecedário, para nos desafiar a conduzir com o máximo prazer meus escritos semanais destinados a vocês que ora me leem. Já que sem público não há espetáculo! Sem espectadores não há programas e sem leitores de nada adiantam os escritos de um eterno poeta em busca do texto perfeito que nunca virá. Nunca chegará.
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*Túlio Monteiro - escritor, crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! O texto "Hercúleo" foi escrito no dia 01.04.2018. Leia também Literatura com Túlio Monteiro.

11 comentários:

  1. Questionado, Chico, o de Holqnda, certa vez disse que suas letras eram resultado mais de transpiração do que, propriamente, inspiração. Foi aí que descobri ser a humildade uma das facetas do grande artista, como agora nessa crônica, pois, ao nosso ver, esforço sem talento não sobrevive à primeira crítica.

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    1. Obrigado pelas sábias palavras, Francisco Augusto. Bom receber críticas sejam elas positivas, como a sua, ou negativas. Um grande abraço ao novo amigo que surge. Túlio Monteiro.

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  2. E que venham os doze trabalhos. Sem a cautela vê competência de quem escreve, comentar teus textos Nobre escritor, tem sido pra mim um trabalho de "Sansao"...que não cortem meus "cabelos", e nem te faltem trabalhos ..meu querido "Hércules"...

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  3. Cautela e competência....sono doido...

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    1. A sabença, Clauton, só vem com o tempo. Ela está me chegando agora. Daí, o motivo de textos mais leves, mais soltos e livres dos aperreios da juventude. Obrigado mais uma vez por marcar presença. Túlio Monteiro.

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  4. Túlio, o cronista! Crônica em homenagem ao nosso cronista mais prolífero, Airton Monte. Senti falta de um parágrado que fosse sobre seu pai, anunciado na epígrafe. Esta metacrônica é bem didática. Os aspirantes a cronistas deveriam lê-la como ponto de partida para o ofício tão leve e, sejamos menos Pessoano, fácil. sim, porque a crônica é fácil, difícil é ser cronista. Isso só o tempo, envelhecido nos cabelos de Rubem Braga, podem anunciar este raro espécime em extinção, o cronista. Carlos Gildemar Pontes. Escritor e professor da UFPB.

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    1. ildemar. Confesso que chorei agora, meu velho e bom amigo. Elogios de tais quilates vindo de um escritor de seu porte me deixam emocionado. Não falei de meu pai no texto porque ainda não consegui processar meu luto. Isso será assunto para outros escritos. Só a te agradecer, cara. Túlio.

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  5. Escrever bem é uma conquista. Muitos tentam, poucos conseguem. Quando alguém me diz coisas boas sobre meus escritos, fico grato e envaidecido. Quando encontram erros ou equívocos, fico grato e concordo com eles, preciso ser melhor do que fui. Hoje, faço poemas como quem brinca de soprar bolhas de sabão. Faço crônicas quando leio qualquer coisa que me incomode a alma. E as outras escritas maiores farei quando a preguiiça se for. Abraço, meu amigo. Sua crônica pe brincadeira de bolha de sabão, fácil, frágil e bela.
    Fim da conversa no bate-papo
    Digite uma mensagem...Carlos Gildemar Pontes. Escritor e Professor da UFPB.

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  6. Suas crônicas sempre me encantam. Você tem um jeito de desenvolvê-las que, apesar de não me surpreender mais, porque você consolida sua marca de estilo, me encanta sempre e mais. Suely Andrade - Escritora e Professora. de Língua Portuguesa e Literatura.

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  7. Caro poeta, a tua escrita abarca a visão de mundo por meio da palavra e tua linguagem é carregada de significados, que buscam traduzir o esforço da criação dos teus mais diversos textos. Quantos Hércules nos teus escritos que vão desde a ironia, ora uma linguagem coloquial ou elegante, e por vezes, ácido. E leva aos teus leitores a diversos tempos, espaços, sensações e reflexões das miudezas do cotidiano.
    Sobre a presença do teu pai no texto, entendo que foi a forma que encontraste pra fazê-lo presente, que não é fácil sorver e só o tempo nos redime o luto.
    Como dizia Gullar "sei que a vida vale a pena
    mesmo que o pão seja caro e a liberdade pequena".

    Quão maravilhoso é reencontrá-lo às segundas. Nana

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    1. Obrigado pelas palavras sábias, Nana. Envaideço-me quando um texto meu atinge seus objetivos e parece que esse em especial você gostou. Bom saber que tenho uma leitora voraz todas as segundas. Obrigado. Túlio Monteiro.

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