quarta-feira, 21 de junho de 2017

As ruas e avenidas me acompanham... - Chico Araujo



Não poucas vezes carrego comigo a impressão de que as ruas e avenidas me acompanham quando transito por elas. É como se não passasse por elas simplesmente, tendo saído de um ponto "x" para chegar a um ponto "y". A vivência não seria apenas a de um “passar por”. Não, não é essa a sensação que de mim se apodera. É profundamente algo muitíssimo distinto desse mero atravessar por entre pontos. 

Devido às perspectivas arquitetônicas e por um olhar peregrinando pelas engenharias, as ruas não se propõem iguais: calçadas, calçamentos, pavimentações, mantas asfálticas de ruas e avenidas, urbanizações em praças públicas, alturas de prédios residenciais, desenhos de empreendimentos comerciais, tudo se insinua pelas desigualdades, por mais que se tenha desejo de haver a igualdade. E esse desejo nem se mostra tanto assim. 

Reflexos. Insinuantes "nãos", quando mesmo se quisera dizer "sins" – embora pouquíssimas vezes estes sejam flagrados por obviedade e intenção real. Fato. 

Tal qual os logradouros, eu, que por eles trafego por obrigações diárias, não sou igual – nem a mim mesmo, passante de ontem e passante de hoje, nem aos outros transeuntes, todos marcados e demarcados por suas possibilidades no existir. Não penso em melhores ou em piores; reflito sobre as oportunidades de cada um em tantos e tantos dia a dia na trajetória da humanidade. 

Humanidade... Humanidade... 

As ruas e avenidas por onde transito me olham muitas vezes com desconfiança, outras muitas com agressividade, ainda outras com súplica em suplício. Respondo de maneiras distintas em instantes vários: também desconfio delas; e misturo meu medo delas com meu olhar agressivo, ato de defesa animalesco visando à falsa e intensa intimidação – de mim para ela; minha defesa – meu suplício em minha súplica. 

Desdenho suas calçadas? Repudio suas alamedas? Ignoro seus olhares? Mãos femininas e masculinas ávidas no pedir. Infâncias se despedem das almas de inquietas crianças a se vilipendiarem – inocentes – por frestas nos descaminhos de calçadas, avenidas, praças públicas com seus múltiplos atrativos destrutores. Crianças, jogadas de suas infâncias aos abraços mundanos de uma corrupção incompreendida – sim, poucas vezes eles sabem o que fazem; sim, muitas vezes o que lhes corrompe é a ilusão (em circunstâncias diversas, inserida pelo desejo despertado no cerne de suas carências). 

E então, em muitos pontos, são malabares arremessados ao espaço, o próprio chão asfáltico ardente, ou um balde de plástico como base. E mãos estendidas sorrindo pelos centavos porventura concedidos – talvez uma grande sorte. Nem todos se deliciam dela. Caminha assim a humanidade... 

Tão humanos somos... 

Não poucas vezes carrego comigo a impressão de que as ruas e avenidas me acompanham...

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Chico Araujo, poeta, ficcionista, compositor e intérprete, publica todas as quartas-feiras aqui no Evoé! o texto As ruas e avenidas me acompanham foi criado em 07/06/2017 . Leia mais Chico Araujo em Vida, minha vida...

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