segunda-feira, 19 de junho de 2017

BRINCADEIRA DE FOGUEIRA - Túlio Monteiro

Nesta crônica memorialista, Túlio Monteiro viaja às origens das adivinhas de Santo Antônio para falar dos festejos juninos de hoje.





“Danei a faca no tronco da bananeira.
Não gostei da brincadeira,
Santo Antônio me enganou ” 
(Antônio Barros)


Os versos simples acima fazem parte do cancioneiro popular dos festejos juninos brasileiros. Tempo de fartura, colheita de milhos, pé-de-moleque, aluá, paçoca, doces diversos e, claro, fogueiras e brincadeiras de adivinhação, principalmente nas noites de Santo Antônio, o coitado do santo casamenteiro que todo ano é pendurado de cabeça para baixo pelas moças casadoiras em busca de conseguir – no farfalhar das saias à beira da fogueira – um noivo ou marido para aquele ano ainda.

São tantos os jogos de adivinhação que os mesmos se tornam quase incontáveis. Tem o da bacia com água, onde os pretendentes a casamento se olham em um espelho d´água – ao lado da fogueira – para ver se enxergam o rosto da pessoa amada; o batismo de fogo, onde padrinhos e madrinhas de fogueira surgem do nada e ainda assim passam a vida inteira cumprimentando-se como se à pia batismal tivessem comparecido e tudo o mais.

São de minha infância as melhores lembranças de quadrilhas juninas e festejos, onde ainda vingavam em mim as crendices passadas de geração em geração. Como o da música popular que ajuda a dar nome à presente crônica:

Tem tanta fogueira tem tanto balão.
Tem tanta brincadeira

Todo mundo no terreiro faz adivinhação;

Meu São João eu não, meu são João eu não

Eu não tenho alegria.


Só porque não vem, só porque não vem
Quem tanto eu queria – (bis)

Danei a faca no tronco da bananeira
Não gostei da brincadeira
Santo Antônio me enganou.
Saí correndo lá pra beira da fogueira
Ver meu rosto na bacia, a água se derramou...


Poderíamos discorrer sobre inúmeras marmotas – usando o popularesco nordestino – para rirmos às pampas de tantas presepadas que são feitas nessas três festas juninas chamadas assim por ocorrerem justamente no mês de junho, que para o rico e popular folclore de minhas terras são as mais importantes do ano.

Mas uma parte especial da música de Antônio Barros que acabei de citar necessita ser analisada um pouco mais a fundo, já que a história da faca no tronco da bananeira é bem mais uma história de paz do que uma simples brincadeira de adivinhação amenizada pelos tempos e por nossos antepassados. Reza a lenda que, ao enfiarmos, na véspera da festa junina, uma faca virgem no tronco de uma bananeira qualquer e lá a deixarmos até a manhã do dia seguinte – os pretendentes homens a casamento depois de arrancá-las de lá, hão de encontrar a letra inicial do nome da mulher amada e com a qual unirá votos de matrimônio até o fim da vida.

Bom! Até aí, nada de suspeito é levado em consideração quanto ao verdadeiro objetivo do intento. Vejamos, pois, qual é ele. Nos dias de hoje, com os adventos de novas tecnologias os festejos estão mais, por assim dizer, amenos em relação aos que ocorriam 50 ou 70 anos atrás, onde os rapazes costumavam, além de vestirem a melhor roupa e colocarem a melhor colônia de cheiro para impressionar, enfiavam na barra da cintura uma faca do tipo peixeira para, em caso de briga, lançarem mão das mesmas e partirem para o ataque. Sim! A coisa era braba depois que alguns mais exaltados pela bebida viravam ferozes “bestas” no sentido mais nordestino do termo.

Pois eis que um dia, um anfitrião desses que usavam parabéluns nas mãos, já calejado das desavenças de todo ano, passou uma ordem: Só entravam no terreiro dele os homens que se livrassem das facas pelo menos durante a realização dos festejos, que sempre terminavam no alvorecer. Palavra de coronel dita, palavra de coronel respeitada. E lá se iam os rapazes procurar um local para guardarem suas preciosas armas onde pudessem se lembrar onde estavam no dia seguinte.

A essa altura, presumo, o nobre leitor já deve ter concluído de onde veio a brincadeira de enfiar a faca na bananeira que, coitada, por ser mais mole e largar uma nódoa danada quando perfurada, era a árvore preferida para se “guardar” as perigosas peixeiras.

O arremate desta crônica vou deixar um pouco ao seu imaginário, mas já afirmando que, em uma bela manhã de carraspana e festa de Santo Antônio, um jovem rapaz, ao retirar sua reluzente faca do tronco da bananeira nela enxergou justamente a letra inicial da moça com a qual passara a noite a dançar quadrilha, xote e forró de pé-de-serra. Muitos viram aquele feito e passaram a acreditar nele, uma vez que naquele ano mesmo o casal em questão contraiu matrimônio, gravidez e mais uns sete filhos depois do episódio.

Verdade ou não, foi assim que me disseram ter se iniciado essa tradição. Sendo de competência de nossos caros historiadores afirmarem ou contradizerem o que hora explano no papel. Mentira ou não, isso lá não interessa, uma vez que chegaram os festejos juninos, meu povo. Hora de preparar a boca e a barriga para as três festas mais famosas do Nordeste brasileiro. Anavantu!

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Túlio Monteiro escreve todas as segundas-feiras no Evoé! Leia também seus textos em Literatura com Túlio Monteiro.

Um comentário:

  1. Eita coisa boa! balão, São João,milho assado, fogueira e ensaio de quadrilha...mistura tudo e o gosto d aluá faz nossa memória sorrir e chorar!Q a menina da barraca te dê mil beijos, amigo!Márcia

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