quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Gestão da Cultura do Ceará pulsa razão-emoção amalgamadas!

Reproduzo aqui, à revelia dele, uma postagem de Fabiano dos Santos Piúba no FaceBook, em 15 de novembro de 2016. Vocês, ao ler, hão de saber por quê.


CENA CASARÃO E OUTROS MICRORGANISMOS CULTURAIS ATOMIZADOS NA CIDADE


A lua mais linda de ontem em Fortaleza foi a abertura de um novo lugar na cidade: Cena Casarão - um teatro de grupos que reúne Pavilhão da Magnólia, Grupo Expressões Humanas, Teatro de Caretas Caretas e Cia. Prisma de Artes. A casa é composta por ambientes diversos e, além das exposições que narram um pouco das histórias de cada grupo, fomos brindados com quatro apresentações magníficas: Yemonja a princesa negra com Edvaldo Batista, Clitemnestra com Juliana Veras, Devoração com Cia Da Arte Andanças e Intervenção com Silvia Moura. Ainda rolou uma festa no final.

Voltei pra casa tecendo em minha cabeça uma teia sobre a importância desses lugares e desses grupos na cidade, sobre a importância das pessoas que estavam lá. Cada uma delas. Quem foi para apresentar suas dramaturgias cênicas e quem foi para fruí-las. Quem foi porque estava de bobeira na véspera de um feriado de meio de semana e quem foi porque tinha consciência de que algum acontecimento na cidade estava começando ali, naquele lugar da Rua Floriano Peixoto, 1437 numa noite de lua grande.

Precisamos mobilizar as pessoas e animar as cidades. Animá-las no sentido de alma mesmo – ânima – e de espírito. E quem insufla as almas e espíritos de uma cidade? Respondo: as artes e a cultura com seus saberes, estéticas e experiências. Sem alma não há habitantes. Precisamos habitar de almas nossos habitantes com repertórios e percursos culturais. Arrepiar as pessoas por entre as veredas da cidade! E foi exatamente isso que senti na noite de ontem na Cena Casarão.

Desde a entrada com a narrativa e tambores da princesa Yemonja, passando pela Clitemnestra na voz e corpo rubro de Juliana Veras até ser completamente tomado pelo Devoração no grito de Wellington Gadelha, pelos passos arrodeados e olhar impávido de Samia Bittencourt, na respiração de corpo corrente de Aspásia Marianasob os olhares ternos de Andréa Bardawil. Arrepios capazes de mobilizar as pessoas e animar as cidades através das artes. Travessia. Porque, em primeira análise estamos falando mesmo é do direito à cidade como o direito de reinventá-la em outra cidade. Mais humanista e solidária. De reinventá-la por meio de movimentos de afetos, mas também de bravuras; de experiências de delicadezas, mas também de forças; de mobilidades de existências, mas também de resistências; de fluxos espontâneos, mas também de sustentabilidades. Dinâmicas necessárias para construção de novos convívios sociais e de novas zonas de contatos e tatos culturais que só as artes permitem movimentar em prol de uma cidade com convivências mais justas e bonitas.

Saí da Cena Casarão com essas tessituras em minha cabeça e quis compartilhar essas palavras e coisas. Pensando de como esses lugares-movimentos são de uma relevância orgânica no sentido de garantir a construção do direito de reinventar nossa cidade por meio de travessias artística-culturais potentes e mobilizadoras. Não estamos falando aqui exatamente de novidades, mas de reafirmação solidária e transformadora em rede com outros espaços e grupos de Fortaleza e do interior do Ceará em conexões com o mundo. Estamos conversando sobre redes e parcerias. A cultura, como disse Gilberto Gil é no mínimo dois, é no mínimo par. Por isso gosto de pensá-la como um direito humano e como solidariedade. Como um saber/fazer comum que roda como uma ciranda de mão em mãos, portanto um saber da experiência solidário. Parece-me que a Cena Casarão não é uma casa solitária e sim solidária, cujo mínimo é dois. Os eus e os outros que coabitam em nós e nas cidades.

Por fim e em última análise, o que estava querendo dizer desde o início – depois de uma conversa breve de calçada com Ivan Ferraro e Paulo Victor Gomes Feitosa que se prolongou em meu juízo – é que voltei pra casa na Maraponga pensando na Microfísica do Poder de Michel Foucault. De forma muita rasa, para Foucault o poder não se manifesta de uma única maneira nem tem uma única fonte. Muito pelo contrário, ele tem uma vasta e extensa gama de formas e discursos. Mas, muito além da noção do poder, fiquei imaginando nesse momento na ideia da microfísica, nas energias das pequenas partículas. Aí fui tomado por substantivos compostos do tipo micro-práticas, micro-feixes, micro-relações, micro-cruzamentos, micro-malhas, micro-redes, micro-teias, micro-zonas culturais que podemos gerar numa espécie de cultura bacteriana de artes que pode tomar conta das cidades. Microrganismos que para serem vistos não necessitam exatamente de microscópios privados ou estatais, mas, talvez, de caleidoscópios que podem gerar combinações a partir de luzes e olhares diversos numa cartografia poética da cidade.

A Cena Casarão, assim como vários outros espaços – a exemplo do Teatro das Marias, Grupo Garajal, Galpão da Cena, Lona da Maria, Casa de Teatro Dona Zefinha, Arte Jucá de Arneiróz, Cia Teatral Acontece, Nóis de Teatro... – são lugares-movimentos que atuam como microrganismos culturais e criativos, portanto, sociais e econômicos. Talvez, nos tempos sombrios de hoje, os mais potentes e necessários ambientes, capazes de atomizar e “bacterizar” a cidade dada pelo macro-poder, gerando novos sentidos e significados para outra cidade possível. E antes que perguntem, também estou falando de políticas públicas o tempo todo, desde as primeiras palavras deste artigo: A lua mais linda de ontem em Fortaleza foi a abertura de um novo lugar na cidade: Cena Casarão.

Por Fabiano dos Santos Piúba

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