Reproduzo aqui a coluna Pauta Livre, do publicitário Ricardo Alcântara, por sua ponderada análise da importância do ato de dizer.
Com amor se paga?
Há palavras vulgares e há palavras
comuns. Coincidem, às vezes. “Porra”, por exemplo, não se diz na missa, mas é
inevitável quando cai pela terceira vez aquela ligação 0800 após uma longa
espera para ser atendido.
Há outras que, embora de uso corrente,
têm sentido sublime e, porque são sublimes, vulgarizam-se facilmente pelo uso
comum. Preciosas, mereciam ser mais poupadas, como fazem com elas os mais
sensatos.
A palavra “Amor” talvez seja a mais
castigada de todas elas. Fácil de pronunciar, muita responsabilidade atribui a
quem o sente. Tão distante está de ser compreendida, embora nos habite tão
intimamente o seu mistério.
Outro dia, ouvi o governador Cid Gomes
falar de amor. Chamou minha atenção porque é raro observar esta palavra na fala
de um político. Muito raramente mesmo encontram lugar para ela em seu discurso.
Por mais elástica sua capacidade de
adulterar o sentido das coisas quando falam, os políticos parecem tomados de um
inusitado pudor quando a evitam, o que é sensato: não parece mesmo verossímil
na boca deles.
A palavra “amor”, o governador usou da
pior maneira: para humilhar as pessoas – educadores, no caso. Nada mais
paradoxal do que o esforço de conciliar humilhação e amor na mesma oração.
Para justificar as compensações
precárias que seu governo está podendo oferecer no momento aos professores em
greve – eis o contexto – ele disse que quem entra no serviço público não o faz
por dinheiro, mas por amor.
Ora, homem, nos poupe do seu evangelho
de ocasião! É evidente que nenhum professor desprovido de vocação, amor pela
missão que abraçou, pode mesmo formar uma geração de bons cidadãos.
Mas é imprescindível à verdade mais
rasa acrescentar ao que você falou um detalhe que muda de tal maneira a
qualidade do que disse que melhor seria se tivesse evitado se expor assim,
pilhado numa sandice.
É que, para servir com a devoção que
você cobra, os educadores, além de amor, precisam ir às salas de aula com a
tranquilidade de ter deixado em casa os filhos alimentados e bem vestidos.
Afinal, isso também é amor.
Os educadores não estão exigindo viajar
em jatinhos particulares com a família para servir ao Estado como devem. Querem
apenas ser remunerados de modo compatível com a relevância do serviço que
prestam.
Não se pode exigir, em nome do amor,
que as pessoas abdiquem do necessário. A mais generosa impressão que se pode
ter do que você disse é que a sua experiência pessoal com este sentimento é
imatura e superficial.
Por que não te calas? Há quem colabore
mais com outros recursos, que não a palavra. Pelo visto, seu ramo é outro. Faça
o melhor que sabe nas condições que pode, mas evite expor em demasia a natureza
confusa dos seus valores.
Pauta Livre. Também na TV União, de segunda a quinta, às 7:50.
Mensagens parapautalivre@ricardoalcantara.com.br1
As palavras, no seu caso, é o seu ramo. E o amor também.
ResponderExcluirbeijos