quarta-feira, 6 de junho de 2018

Quando o querer é um querer que se quer intensamente - Chico Araujo*

Certamente, você já quis algo. E se seu desejo foi forte, mas muito forte mesmo, vai entender a situação que se mostra agora.

Ele foi à praça. Cedo da manhã, ele se encaminhou para a praça. Gostava de lá, pois nela conseguia, quase em cem por cento, ser abraçado pela quietude.

Não, a praça não cabia na classificação de lugar deserto. Ao contrário, era até bem movimentada, como toda praça deveria ser. Por ela passavam e passavam e passavam pessoas em transitar frequente de passos distintos, indo e vindo, vindo e indo. Mas essa presença de vidas humanas viajando por ali não se configurava como incômodo para ele, afinal, também se inseria na humanidade, também precisava da liberdade de ir e vir - todos precisam. Houve um tempo em que as praças eram proibidas, agora, não mais, e é bom que assim permaneça.

Quando ali, ele sempre observava as pessoas em suas idas e vindas, em seus caminhares para lugares tantos; gostava de vê-las e de captá-las em instantâneos não percebidos. Com seu olhar seguia muitas delas até que se perdessem entre outras, ou até que fisgado por novo objeto de apreciação, ou até que fosse distraído por algum qualquer outro evento não compreendido de imediato: poderia ser o sopro mais forte do vento, o cantar próximo de um pássaro, um arrastado de pé diferente, uma fala de nova voz em sua audição, uma fragrância marcante de perfume...

De fato, a praça não se constituía, de forma alguma, como um deserto, sendo, em verdade, um espaço de agitação, uma agitação boa, sem conflito, flamante e por isso mesmo pulsante de vida. E era isso o que ele buscava ali, quando para ali ia.

Ia até ela sempre que se sentia deserto, um deserto de sol intenso a lhe inquietar o espírito, a escaldar seus pensamentos e sensações. Dentro desse deserto, sabia-se perdido, desorientado, sem Norte. Ficava preso em algo ou em algum lugar que não compreendia e por não compreender não podia definir e sem essa definição para si não atinava meio de traçar um rumo a livrá-lo daquele cárcere – pelo menos, não conscientemente.

Inconscientemente ia para a praça. Nela, sem qualquer contradição, se encontrava com a quietude, que o abraçava, o envolvia de tal maneira e com invulgar intensidade que o deserto sucumbia, se desintegrava (como se um ato de magia desconstruísse toda aquela desertificação), fazendo-o ir para o lugar de onde nunca deveria ter saído – para povoar sua alma.

Ia para a praça e nela se apaziguava. Para si, dizia não importar onde ela ficava, contanto que a encontrasse, quando precisasse ir até ela. Em momentos de travessia difícil, carecia dela, da quietude abraçando-o.

Movia-se até a praça – uma praça que se escrevia: sua quietação. Ia, porque "quando o querer é um querer que se quer intensamente", sua chama acesa, além de luz, é sopro de vida, vida que arde, força que se fortifica e segue em frente.

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*Chico Araújo
publica todas as quartas-feiras no Evoé! "Um outro novo dia" foi escrito em 06 de junho de 2018 e integra o Abecedário de Crônicas do Evoé!. Leia mais Chico Araujo em Vida, Minha Vida...

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