quarta-feira, 30 de maio de 2018

Provérbios populares - Chico Araujo*

De acordo com o que lembro, o diálogo dos dois naquela manhã, até o momento em que pude ouvi-los, incógnito, transcorreu assim:

- Tá macambúzio?

- Chateado. Aborrecido. Irritado. Injuriado. Meditativo.

- Meditativo você está sempre.

- Hoje estou mais, bem mais que meditativo. E acho mesmo que lhe enunciei eufemismos. Tudo hoje está muito mais, potencialmente muito mais... Além mesmo do que se possa querer nominar, adjetivar...

- E por que tanto assim?

- Porque não se consegue caminhar em areia movediça.

- Como é que é?

- Não se planta nada em terreno infértil.

- Onde quer chegar, homem de Deus? O que está querendo dizer?

- Em terreno fértil, você planta e tempos depois colhe aquilo que plantou. Natural e benfazejo. Em solo infértil, nem jogue semente, que ela será desperdiçada.

- Mas, o que lhe acometeu hoje?

- Não é só de hoje; talvez esteja reduzindo as indignações guardadas aqui dentro desde antes de antes de antes... de ontem. Hoje é dia de transbordamento. Acho que a represa está se derramando. Tanto represamento elevou o nível do represado e agora primeiro ele está se pondo para fora. Torço para que a pressão não se torne tão grande a ponto de explodir. Explodindo, será o caos. Serei caos.

- Tá tão cinza assim essa sua manhã?

- Não é a minha manhã. Não é o hoje. Aliás, o hoje resulta dos "ontens". Então, estou mesmo é tentando dimensionar o amanhã.

- Carpe Diem.

- O Carpe Diem pode ser a exata medida do que se viva hoje em intensidade adequada ao esboço do amanhã. Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. Eu, cada vez mais, quero enxergar.

- E o que você quer realmente ver?

- Aquilo que seja preciso e necessário. Tudo na exata medida.

- Seria realmente bom se pudéssemos alcançar tudo o que necessita de ser alcançado. Sou-lhe solidário, mesmo sem que tenhamos qualquer luneta.

- Dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és. Aqui, com você, sei que estou em boa companhia.

- Estamos. Embora, por amplo contexto, sejamos integrantes dessa enorme “Casa de mãe Joana", não compactuamos com ela. Isso nos alenta e nos fortalece.

- Não nos deixamos levar pelo "Conto do vigário", não é mesmo?

- Parece que se equilibrou um pouco. Sua fala parece estar mais calma, mais tranquila.

- Pode ser... Mas há indignação tanta... A calmaria pode ser um dado falso. Sinto que não há bonança nesse momento; ainda persistem os ares de tempestade.

- Aos poucos, tudo se vai ajeitando.

- Não sei se é algo semelhante ao da "Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.".

- Não, talvez não seja mesmo; mas veja – já que deseja ver – talvez os "Sem eira nem beira" estejam conseguindo suplantar essa condição que lhes foi injustamente imposta. Em sendo verdade, não se ficará mais a ver navios.

- Diz-se que "A esperança é a última que morre".

- É... Agora tenho certeza de que há alguma calmaria em seu espírito, mesmo que tênue...

- Talvez... Talvez...

- Não crê?

- Tenho vivido tantas experiências surpreendentes em meus dias... tanta coisa tem acontecido a tanta gente...

- São os dias, amigo, são os dias...

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*Chico Araújo - professor, poeta, contista e compositor, publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Provérbios populares" compõe o Abecedário de Crônicas do Evoé e foi escrito entre 29 e 30 de maio de 2018. Leia mais Chico Araújo emVida, minha vida...




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