quarta-feira, 28 de março de 2018

Glória - Chico Araujo


São muitos os possíveis sentidos para a palavra glória, e, portanto, vários os contextos em que ela pode ser utilizada, à semelhança do que acontece com tantas outras em nossa língua. "Glória"! E haja "glórias"... E "Glórias".

Alguém pode ser considerado em estado de glória, quando realiza fatos extraordinários. Sem citar nomes aqui, para não cometer injustiças, me ocorrem, como realizadoras de eventos admiráveis, aquelas pessoas que dedicam sua existência em benefício da existência de outros.

Então, aquelas que dividem seu único pão com quem não tem nenhum; aquelas que pagam uma quentinha de almoço a quem lhe pediu um trocado; aquelas que dedicam horas de seu dia a ações caridosas em casas de idosos; aquelas que destinam parte de seus ganhos – mesmo que parte pequena – a instituições que atendem pessoas de grande carência; aquelas que não se cansam de ensinar quem não sabe e precisa aprender, quem está distante da leitura e carece de saber ler; aquelas que largam seus afazeres para acompanharem outras em carências pessoais – como a esposa destinada a seguir o esposo em momento cirúrgico. Não são obrigações; são momentos de glória. Pela dimensão e intensidade de alguns, verdadeiros atos de heroísmo.

Tudo bem, vamos a alguns nomes que estiveram e estarão sempre em glória: Stephen Howking, Einstein, Charles Darvin, Mahatma Ghandi, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King, Padre Mororó, Bárbara de Alencar, Frei Damião, Chico Xavier, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Érico Verissimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Teles, Cora Coralina, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi, Altamiro Carrilho, Naná Vasconcelos, Pavarotti, Plácido Domingos, Andrea Bocelli, Frida Kahlo, Tarsila do Amaral... São tantos, de tantas épocas, de tantas vocações...

Dentre os que me estão mais próximos, cito: Estela Araújo, Gláucia Lima, Kelsen Bravos (a partir dele, Juliana Holanda, “anjo preto”, segundo D. Zezé – ambas citadas e presentificadas em Apagão. Em meio ao caos, Luz, poesia e solidariedade de Juliana Holanda), D. Rosa Sampaio, Marcos Sampaio, Hamilton Nogueira, Sulling Rodrigues Lima, Euclides Themoteo, Gurgel Mendes, Mauro Mendes, Marina Cavalcante, Raul Porfírio, Aparecida Silvino, Paulo Ângelo Florêncio, Fabrício da Rocha, Dário Barreto...

Perceba-se: estar em "glória" não implica estar "na fama", ser exatamente uma "celebridade" – embora a "glória" de muitos se restrinja a essa, muitas vezes, fugaz característica, enquanto a de outros se expresse, digna, correta e merecidamente pela popularização de suas atitudes, de seus atos, de seus pensamentos revelados, o que lhes assegurará alguma fama.

Entenda-se que o desejo nosso aqui repousa no fato de buscarmos associar "glória" a "honra", a “brilho”, a “bem-aventurança” pela magnificência dessas características quanto aos atos praticados e aos pensamentos propostos pelos glorificados. É, isso, algo muito delicado. Pode não haver consenso. Pode haver quem ponha dúvida quanto ao merecimento deste ou daquele à glória.

Eu mesmo não sou muito afeito a perceber glória num atleta de futebol a receber salário milionário, desejando mais milhões na renovação do próximo contrato, porque considera ser essa a lógica envolvendo a suposta qualidade de seu futebol – tenha ele o nome que tiver.

Também não vejo glória alguma em quem se permite ficar trancafiado em ambiente por alguns meses tendo por objetivo a conquista, ao final do período de ampla privação e tantas "provações", de milhão e meio de reais. Alguns dizem haver "heroísmo" nessa vivência. Eu não.

Em visão ampla e associada, heroísmo também é componente de glória. De minha parte, entendo não existir nem heroísmo, tampouco glória em experiência do tipo dessa citada logo acima. Talvez haja a busca da fama (pela exposição cotidiana); talvez haja o interesse em se tornar popular pela mídia por não ter condições de conseguir a popularidade almejada por meios próprios e menos expositivos. O mais certo é o desejo da conquista do prêmio maior e, para alcançá-lo, faz-se de um quase tudo para merecê-lo. Não vejo glória aí. Há quem defenda. E ganhe muito dinheiro com essa defesa.

Estará em glória quem evidencie grande mérito por alguma atitude sua, continuada, ou mesmo ímpar, contanto que por meio dela caracterize sua superioridade. E quando se vê uma profunda ascendência de alguém em comparação a outro alguém em plena simplicidade registrada no cotidiano? Observemos.

Em noite de apagão elétrico, na escuridão, ao descer do ônibus, uma jovem vê uma senhora de idade avançada meio que perdida na calçada, submergida no negrume, próxima à parada onde esteve o transporte coletivo, sem saber se permaneceria estacada, ou se seguiria, próximo passo a lançá-la em um breu maior e de mais intensa instabilidade. A jovem vê também que a senhora não tem auxílio, cada pessoa próxima a ela somente na preocupação de resolver seu próprio destino. A jovem põe de lado seus interesses, suas precisões e estende a mão, oferece o braço à desconhecida senhora, seguindo com ela pela imensidão do escuro, conversando com ela, conhecendo-a um pouco, dando a ela a possibilidade de sentir-se tranquila, acomodada, acolhida, vitoriada. Um “anjo preto”, a jovem. Um ser maravilhoso, um ser de excelência, um ser genial. Um ser de “Glória”!

E que os pássaros cantem...

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*Chico Araújo - professor, poeta, contista e compositor, publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Glória" compõe o Abecedário de Crônicas do Evoé e foi escrito entre 18 e 24 de março de 2018. Leia mais Chico Araújo em Vida, minha vida...


Notas de fim de texto
1. Apagão. Em meio ao caos, Luz, poesia e solidariedade de Juliana Holanda é publicação de Kelsen Bravos, em 22 de março, construída em processo de intertextualidade com texto "Cada vida no pedaço desse chão importa", de Juliana Holanda, podendo ser lido em https://kelsenbravos.blogspot.com.br/.

Um comentário:

  1. Meu Caro Amigo Chico,

    A Glória é toda vossa.

    Kelsen Bravos

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