quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Foco(s)? - CHICO ARAÚJO*



Eram dois grandes amigos, mas daqueles que se diria de “copo e de cruz”. Era comum se encontrarem, conversarem, bebericarem algumas cervejas juntos. Era-lhes comum, também, a discórdia, uma e outra polêmica, até porque nenhum tinha empenho de pensar exatamente como o outro – ninguém tem, não é verdade? – e eles defendiam suas posturas a ferro e fogo, ainda que civilizadamente.
Naquela sexta-feira se encontraram mais uma vez. O primeiro, para variar, já esperava o segundo, que chegou pontual. Meio-dia. E marcou a chegada com questão exuberante:
- É melhor ter foco, ou focos?
- Que pergunta! E já assim, na lata, sem nem uma invocação nem cumprimento?
- Boa taaarrrrde!!!
- Boa...
- Mas, então, qual o melhor? No singular ou no plural?
- Sempre reflito que focar em algo muito específico é muito limitante para os dias contemporâneos.
- Por quê?
- Porque cada dia mais nós estamos dentro do tempo da velocidade, uma velocidade muito mais veloz que a denunciada pelo Ronaldo Azeredo.
- Entendo. Mas, “focos” não impossibilita o “foco”?
- No sentido que abordamos aqui, entendo que deva haver diversificação. Por causa do tempo. Se não for assim, realizamos pouco.
- Precisamos realizar muito? Não seria melhor realizar o que se precisa realizar, de maneira consequente, “pé ante pé” em lugar de pari passu?
- Já que está provocando, vamos lá. “Pé ante pé”, pelo que sei, implica, entre outras ações, “passo lento”, algo que sei impensável para os dias de hoje. Além disso, quem age assim costuma pensar muito e fazer tudo de maneira tão cautelosa que pode até se perder em dúvidas surgidas a partir das reflexões naturais ao ato do muito pensar, impedindo, por consequência, a realização de algo que precisa ser realizado rapidamente. Pari passu combina melhor com os dias em que vivemos, pela possibilidade de muitas realizações ao mesmo tempo, a um mesmo instante, simultaneamente.
- Por causa da velocidade?
- Por causa da necessidade em se fazer o devido de maneira mais veloz. Há muitas demandas precisando de respostas imediatas que atendam plenamente ao que é demandado.
- E as reflexões?
- Que reflexões?
- O que fazer com elas? Pelo que está dizendo, ponderações ficam em segundo plano, por causa da necessidade de se ser veloz nas realizações. Isso não é um tanto quanto perigoso?
- Por quê?
- Posso realizar mal e prejudicar muitos por cumprir metas sem julgar questões da maneira mais adequada a elas pertinentes, por atendimento preciso à inquietação da velocidade.
- E eu posso deixar de fazer algo – e bem feito – e prejudicar muitos por me demorar em cogitações que atrapalhem o alcance das metas, por julgar em demasia questões a elas pertinentes, mesmo que adequadas, interrompendo o fluxo necessário exigido em nossos dias. “Velocidade é tudo”, meu amigo.
- Você se põe entre aqueles que acreditam ser possível alguém fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, certo?
- Claro!
- Eu não. Penso ser melhor o “tudo a seu tempo”, ou “uma coisa de cada vez”, ou, ainda, “o segundo somente vem após o primeiro”. Há um enorme risco no “tudo para agora, ao mesmo tempo”; vejo nisso uma profunda possibilidade de se “meter os pés pelas mãos”.
- Exagero seu.
- Será?
- Vamos de novo. Um governante – qualquer que seja ele, mas aqui objetivamente tratado ao pé da letra, ou seja, aquele que governa, esteja onde estiver – pode cumprir as demandas de sua gestão uma por uma, uma a cada vez, uma depois da outra, em sequência linear?
- Nenhum governante governa sozinho. Ele sempre se vale da formação de grupo(s), de equipe(s) para quem delega poderes para ações imperativas. É ou não assim? O governante – exemplo seu – precisa ter foco.
- Já no seu exemplo, ele tem “focos”. Por isso forma equipe(s) para a ela(s) confiar poderes imprescindíveis às ações. Um dirigente precisa pensar em muitas coisas a um só tempo. E se for um representante popular, que adquiriu cargo eletivo, como pensar em fazer algo somente após terminar outro algo? Posso até concordar com o fato de que não consiga realizar tudo o que é preciso para o benefício de todos; mas fazer “uma coisa de cada vez”, não dá.
- Então, “foco” pode ser no plural?
- Nesse exemplo de um governante, deve, precisa ser.
- Entendi. Você é daqueles que admite o fato, o imperativo até, de um governante precisar governar em benefício de todos, caso contrário todas as suas ações estarão a serviço do beneficiamento de apenas uma parte, no máximo, algumas partes, as quais ele seleciona para ser ou serem contempladas com seu esforço, sabe-se lá com a utilização de quais critérios para a seleção. Nesse caso, penso como você: aquele que governa, aquele que tem o poder de governar, deve pensar em todos e agir em benefício de todos. Em toda e qualquer ação, com todas as suas equipes. Isso, para mim, é “foco”: gerir em serviço de proporcionar o bem a todos, tornando cada beneficiário um comum, abstraída aqui qualquer referência a qualquer possibilidade pejorativa que se queira dar ao termo. Que me diz?
- Que precisamos conversar um pouco mais. Quando observamos uma questão, sempre outras deixam de ser ressaltadas...
- Conversemos, então...

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*Chico Araujo (Sérgio Araujo) - publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Focos (?)" foi escrito entre os dias 5 e 19 de dezembro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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