quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Crônica - CHICO ARAUJO*

Um cronista declarou a um amigo enquanto tomavam cerveja em um barzinho por costume frequentado que escreveria uma crônica pondo-o como personagem principal. E foi a partir dessa revelação que o seguinte diálogo ocorreu.

- Por que você quer me registrar em uma crônica?

- Ora, porque você cabe bem dentro do espírito de uma crônica.

- Sei. Olha, sem filosofar, me diz: Pra que serve uma crônica?

- Sem filosofar, serve, entre outras coisas, para divertir.

- E as crônicas são piadas, são textos de humor?

- Uma boa parte delas tem humor, sim; mas tanto maior o humor que tenham quanto mais humorísticos sejam seus autores.

- E o que mais?

- Elas também servem para críticas sutis a pessoas e fatos dignos de nota.

- Então você está querendo me pôr numa crônica pra me criticar?

- Que nada! Você é digno de nota.

- Eu? Digno de nota? Que nota?

- Bem, digamos que você é uma pessoal especial e essa sua especialidade lhe dá a condição de ser digno de nota.

- Você tá é me enrolando com essa fala aí cheia de intenções que eu não tô entendendo quais.

- Que nada! Nada de enrolação. Você pode até nem perceber, mas é digno de nota, sim.

- Por quê?

- Ora, você é notável, extraordinário!

- Por quê?

- Tá. Pra começar, você está sempre perguntando, sempre repetindo esse seu “Por quê?” e isso é, digamos, incrível para os tempos de hoje.

- É? Por quê?

- Tá vendo? De novo o seu “Por quê?”. Explico: pouca gente hoje quer saber, quer entender os porquês das coisas, dos fatos, das situações que, na verdade, interessam a todos. Nos dias atuais, meu amigo, não são todas as pessoas que querem entender os acontecimentos.

- E você sabe me dizer o porquê disso?

- Pelo que observo, existem alguns motivos. Um deles é preguiça mental: muita gente não gosta de pensar, prefere que os outros pensem e que, por isso, determinem o caminho a se seguir. Aí essa muita gente segue, simplesmente segue. Outro motivo é o desenvolvimento pessoal: há pessoas que não pensam porque não conseguiram desenvolver essa capacidade no transcorrer de seus dias. Têm vivido deixando tudo em seu redor passar, passar, passar sem conseguirem ver o que está passando, como está passando, por que está passando. Outra razão é não querer saber mesmo, porque observar, ver, refletir e se posicionar exige muito do ser. De fato, não é fácil viver refletindo e decidindo; sendo um exercício constante, desgasta, cansa mesmo. Esse terceiro motivo se aproxima do primeiro que falei, mas, embora sejam diferentes, acabam por deixar as pessoas em situação idêntica, ou seja, seguindo o que outras determinam, escolhem, propõe.

- Você falou isso com certa amargura... Por quê?

- Hehehehe... Está vendo? Você sempre pergunta, sempre quer saber algo mais. Isso é louvável. Olha, me sinto, sim, um bocado desgostoso com essa experiência de saber que muitos de nós nem suspeitamos do que nos está acontecendo, enquanto poucos criam situações propícias a eles, desfavoráveis a nós.

- Vamos a outra cerveja?

- É claro.

A mão direita levantada sinalizou para o garçom a necessidade de mais uma gelada para aqueles dois amigos. O engraçado é que ela chegou acompanhada de um pratinho com queijo coalho cortado em cubos e azeitonas, sem que tivesse sido feito aquele pedido. Antes mesmo da pergunta do cronista, o garçom já avisou:

- É por conta da casa. Seu Onofre gosta de ser gentil.

Os amigos olharam para o dono do bar e levantaram seus copos, em homenagem e agradecimento pela iguaria presenteada.

- Olha só, pode me colocar aí nessa sua crônica, sem problema. Agora, me responda uma coisa...

- O quê?

- Por que estamos aqui exatamente agora e nesse lugar?

- Porque somos amigos, gostamos de cerveja, estamos com tempo para beber e ainda nos sentimos bem nesse bar. Aliás, esse é o único bar em que bebemos.

- Boa resposta. Você é observador e sabe o porquê dessa coisa que eu lhe perguntei.

- Onde quer chegar?

- O que está acontecendo exatamente agora no bar que fica lá na outra esquina e que não conseguimos ver daqui?

- Não sei. Não dá pra saber. Não conseguimos vê-lo daqui.

- Então, sabe por que eu repito tanto esse meu “Por quê?”?

- Você quer saber sobre o que não sabe.

- Exatamente!

- E é por isso que o considero notável, é por isso que vou escrever uma crônica em que você será o protagonista. Você quer saber e pergunta; muita gente não está perguntando nada e por isso não está sabendo de nada... De nada sobre quase tudo... E eu fico pensando que deveríamos ter mais perguntadores, mais curiosos, mais gente com vontade de saber, entende?

- Entendo. Você acha que deveria ter mais gente dizendo por que em todo lugar, a toda hora, sobre todos e sobre tudo, certo?

- Certíssimo.

- E por quê?

- Porque acredito que ficamos menos suscetíveis a cometermos enganos e sermos enganados quando perguntamos mais, quando nos interessamos mais em saber, em verdade, o que de fato e de direito verdadeiramente acontece em nosso dia a dia, de maneira a nos fazer ir à frente, ou, em contrário, nos fazer caminhar para trás.

- E ninguém deseja caminhar para trás!

- Eu, pelo menos, não.

- Nem eu. Por isso pergunto, pergunto e pergunto. Se não sei, pergunto.

- E por isso vai para minha próxima crônica. Para mim, você é notável exatamente, repito, porque pergunta. Não tem vergonha, não tem receio em perguntar.

- Não tenho mesmo. E por falar em perguntar, vai mais uma cerveja aí?

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*Chico Araujo publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Crônica" foi escrito no dia 7 de outubro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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