Nós somos as cantoras do rádio,
levamos a vida a cantar.
De noite embalamos teu sono,
de manhã nós vamos te acordar.
Nós somos as cantoras do rádio,
nossas canções cruzando o espaço azul
vão reunindo num grande abraço
corações de Norte a Sul.
Carmen Miranda
1922, ano do centenário da Independência do Brasil e da Semana de Arte Moderna em São Paulo. Aqui pelo Ceará as comemorações foram bem singelas. Àquela época, Fortaleza era uma provinciana cidade de mais ou menos cem mil habitantes, isso por conta da anexação dos então municípios de Porongaba e Messejana – sim hoje são dois bairros de nossa capital, porém, há quase 100 anos, eram cidades. (Quem diria! Aquela província, hoje, é a sexta mais caótica e maior capital do País com uma população de 4.074.730! Milhões de almas logo ao amanhecer, a perambular, a trabalhar, dia após dia a testemunhar arrebóis matutinos e vespertinos a alaranjar nossos céus. Quem adivinharia?!)
Como já era de se imaginar, a Semana de Arte obteve um sucesso estrondoso em São Paulo, só perdendo em realização de eventos para as comemorações da Independência que ocorreram na então capital do Brasil, o Rio de Janeiro, por volta dos dias que antecederam e precederam o 15 de novembro de 1922. Aqui as comemorações foram modestas. Era tão pequenina a Fortaleza Descalça de Otacílio de Azevedo. A movimentação ficou por conta de muitos bondes elétricos lotados e o desfilar de dezenas de carros, alimentados a óleo diesel, por uma cidade quase totalmente livre de pavimentações, restavam-lhes amargurar pedras tocas das vias. Entre os quais estava um Ranbler vermelho de 1909, movido a diesel, o primeiro carro a circular em Fortaleza. e seu dono - vestido de preto - Clóvis Meton de Alencar.
Clóvis Meton de Alencar, um dos mais destemidos empreendedores de sua época, haja vista que dele foram as iniciativas de trazer para Fortaleza o primeiro automóvel, o primeiro cinema, a primeira fábrica de cimento e pregos[1]. Desbravador e homem de boa fortuna, Meton de Alencar, após visita à casa do então Ministro da Relações Exteriores, o também cearense Francisco Sá, nosso engenheiro metido a Professor Pardal, se encantou com um rádio que transmitia por ondas curtas as notícias de várias partes do Mundo. Corria o mês de setembro na capital Rio de Janeiro. Não deu outra: imediatamente Meton passou a procurar, infrutiferamente, peças para a construção daquele que viria a ser não só o primeiro rádio de Fortaleza, mas também o primeiro a ser construído no Brasil, segundo fontes seguras.
Para a realização de mais um ousado projeto, nosso Guglielmo Marconi percorreu as casas comerciais do Rio em busca da matéria-prima exigida no manual de instruções em forma de brochura com desenhos feitos à base de crayons de Conté, que ensinava como fazer um aparelho receptor para ouvir, direto de Paris, as irradiações emanadas da Torre Eiffel. Tamanha insistência e utilizando-se da lei de tentativas e acertos, Meton logrou êxito em seu dedicado planejamento, construindo de maneira caseira as bobinas, condensadores, soquetes, resistências e baterias. Era rudimentar a geringonça, mas que funcionava, funcionava.
Unidas as peças de fabricação própria às lâmpadas receptora 216 – A, de fabricação da “West Eletric”, empresa responsável pelas transmissões no Rio de Janeiro do alto do Corcovado – ainda sem o Cristo – das ondas curtas de alcance avaliadas entre 5.000 e 10.000 quilômetros, Meton de Alencar logrou êxito na fabricação de seu aparelho que fora montado em um pedaço de madeira e possuía 30cm de comprimento por 25cm de altura. Em quatro de outubro de 1922, diante de uma plateia compostas por amigos, ele sintonizou a Rádio Clube do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, vindo a se tornar o primeiro homem a captar ondas de rádio no Norte e Nordeste brasileiros.
Hoje, Fortaleza conta com um sem número de rádios AM e FM, tendo como predecessora a velha e hoje extinta Ceará Rádio Clube, mais conhecida como PRE-9. Inaugurada que foi por outro mecenas, o libanês naturalizado cearense, João Demétrio Dummar, em 16 de agosto de 1932, sob o prefixo PRAT.
Fico por aqui na certeza de que trouxe à baila mais uma curiosidade sobre desbravadores e homens de visão que o Ceará já produziu e teima em produzir; esperando que vocês, nobres leitores, nobres leitoras, tenham realmente gostado das informações aqui contidas. Um abraço e até a próxima.
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Túlio Monteiro. Escritor, crítico literário e metido a historiador. Fortaleza, novembro de 2018. Antigas válvulas de rádio. Era preciso aquecer eletricamente o aparelho para só depois de alguns minutos o mesmo passar a funcionar.
[1] Para saber mais favor consultar: em Túlio Monteiro
Comecei a ler o texto - sem ter lido direito o título, depois me dei conta de que se tratava do primeiro aparelho receptor e não da rádio em si. Ainda não tinha lido tal acontecimento - lembrei do meu irmão mais velho que também fez a mesma coizita - só que em meados da década de 70. Com mais recurso, claro, mas, creio que com a mesma ansiedade e emoção. Conta mais coisa pra gente Professor Túlio - já virei fã.
ResponderExcluirObrigado pelas palavras amigas, nobre Eugênio. Pode esperar novas postagens, A próxima vai envolver novamente nosso professor Pardal, o Meton de Alencar. Vou postar aqui mesmo, mas já está disponível em meu blog também.
ResponderExcluirMeu caro amigo, Túlio! Seu texto me trouxe a uma cartarse cono filho de proletários do Montese, lembro-me de que as ondas rádio nos trazia emoção e alegria. Parabéns!
ResponderExcluirGrande Marcelo. Meu excelente professor. Que bom que você se emocionou. Obrigado pelas palavras amigas. Túlio Monteiro.
ResponderExcluirO escritor, Túlio Monteiro, rememorou com um texto bem interessante a história do rädio, instrumento de comunicação, lazer e educação que fez parte da infância de minha mãe e de toda a vida dos meus avós.Esse tipo de escrita extrai da gente uma saudade imensa por não ter feito parte dessa geração! Que bom,Túlio Monteiro que trouxeste história e saudade num só contexto literário. Excelente texto!
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