quarta-feira, 28 de novembro de 2018


CAMELOS EM TERRAS ALENCARINAS? NO CEARÁ TEVE DISSO, SIM!



Certa vez o pintor francês François Biard em viagem pelo Brasil, escreveu em seus relatos que observara vários camelos a andar preguiçosamente pelas praias cearenses.
Um inveterado viajante, François Auguste Biard (1798 / 1882) chegou ao Rio de Janeiro em 1858 e logo cativou o ambiente da Corte, ingressando em sua intimidade. Contador de suas aventuras pelo mundo afora, cabia de ser excelente companhia, apesar de extremamente satírico e impiedoso crítico de tudo o que via. Percebia-se que estes artistas que chegavam, passavam a constituir atrativo cultural para uma elite social que vivia carente de estímulos que lhes ampliassem os horizontes intelectuais. E para isto os franceses possuíam condições de sobra, já que traziam as lições de Paris e, particularmente, dos recintos cortesãos. No caso de Biard, o exemplo é perfeito. Fora, na Corte do Rei Luís Felipe, retratista de grande prestígio e por esta razão obteve sempre os melhores favores de Dom Pedro II, que chegou a facilitar-lhe a instalação de seu ateliê numa sala do Palácio Imperial.
Foi censurado por infidelidade na descrição, posto que, no Ceará, não haviam camelos. Mas os animais de fato existiam naquelas plagas. Sim! Pasme o notável leitor que hora me prestigia. No Ceará imperial veio para cá uma leva de quatorze camelos pelos idos de 1859.
Comprados pelo governo imperial e vindos da Argélia como solução para o problema dos transportes no sertão, era pensamento das autoridades que, no Nordeste, o animal resistente à escassez de água e comida poderia ser boa pedida para tração e carga.
Foi então que o presidente da província José Martiniano de Alencar, pai do escritor José de Alencar, já pensando na aclimatação de camelos para aquele fim, incorporou em 1859 que a iniciativa do Barão de Capanema, importando do Norte da África quatorze deles, entre machos e fêmeas. Adaptaram-se e reproduziram-se facilmente no novo habitat, chegando ao número de vinte.
Porém, o pequeno rebanho sofreu com a falta de criadores especializados, apesar de terem vindo como tratadores dos mesmos quatro argelinos, mouros de turbantes que foram recebidos com certa reserva pela população, isso pelo fato de serem ferrenhos censores da religião cristã. A longa gestação das fêmeas, que dura cerca de um ano, ultrapassava os prazos pretendidos para a formação de criações maiores. Foi o fim do empreendimento.
Os animais que conseguiram se aclimatar foram utilizados, primeiro nas passeatas ou préstitos carnavalesco, depois viraram atração turística até suas mortes os alcançarem.

Sim, amigo, o Brasil, mais precisamente nosso Ceará Moleque, já chegou a importar até mesmo camelos da África na ação contra a seca no Nordeste. No dia 24 de julho de 1859, um barco francês que vinha de Argel desembarcou em Fortaleza 14 camelos e quatro argelinos, contratados para tratar os animais e ensiná-los a trabalhar na região.
Responsáveis pela ideia, o botânico Freire-alemão, o barão de Capanema e o poeta Gonçalves Dias tinham sido encarregados por d. Pedro II de encontrar soluções para a seca. Criaram, então, aquela que ficou conhecida como Comissão das Borboletas (1859/1861) Naquela época acreditava-se que o solo do Ceará escondia riquíssimas jazidas de pedras preciosas. Como o território era inexplorado, o desconhecimento dava margem a devaneios e fantasias, e não faltaram homens de notório saber a acreditar nos rumores.
O imperador D. Pedro II tinha um alto apreço pela ciência e pela pesquisa científica e motivado por algo mais do que a curiosidade de homem culto, o governante decidiu investir na exploração.

Entretanto, a expedição centrou fogo na circulação de mercadorias no Nordeste, que era feita em lombo de burro ou em carros de boi. Com a seca, os animais morriam, e o comércio parava.
Mais do que o comércio, a morte dos animais interrompia toda a ligação entre o sertão e o litoral. Foi então que Freire-Alemão, Capanema e Dias convenceram o governo imperial a substituir o boi e o cavalo por camelos, animais de carga mais resistentes à fome e à sede. Mas os camelos não resistiram à seca do Nordeste.
"História da Comissão Científica de Exploração", livro escrito por Renato Braga, não narra o fim dos camelos. Há registros de 1855 de discussão sobre a transposição das águas do rio São Francisco, onde o Deputado pela Província do Ceará, Marcos Antonio de Macedo escreveu relatório contestando geógrafos que achavam a obra inviável.

Prova irrefutável de que o Ceará é o estado brasileiro com mais esquisitices, essa dos camelos fica como mais uma dos homens e mulheres que um dia vaiaram o Sol em plena Praça do Ferreira e chacoteavam com os quimoeiros, carpideiras e gatos pingados da Fortaleza do século 19. Um grande abraço e até a próxima.
Túlio Monteiro, escritor, pesquisador e metido a historiador, novembro de 2018.

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