CAMELOS
EM TERRAS ALENCARINAS? NO CEARÁ TEVE DISSO, SIM!
Certa vez o pintor francês François Biard em viagem pelo Brasil,
escreveu em seus relatos que observara vários camelos a andar preguiçosamente
pelas praias cearenses.
Um
inveterado viajante, François Auguste Biard (1798 / 1882) chegou ao Rio de
Janeiro em 1858 e logo cativou o ambiente da Corte, ingressando em sua
intimidade. Contador de suas aventuras pelo mundo afora, cabia de ser excelente
companhia, apesar de extremamente satírico e impiedoso crítico de tudo o que
via. Percebia-se que estes artistas que chegavam, passavam a constituir
atrativo cultural para uma elite social que vivia carente de estímulos que lhes
ampliassem os horizontes intelectuais. E para isto os franceses possuíam
condições de sobra, já que traziam as lições de Paris e, particularmente, dos
recintos cortesãos. No caso de Biard, o exemplo é perfeito. Fora, na Corte do
Rei Luís Felipe, retratista de grande prestígio e por esta razão obteve sempre
os melhores favores de Dom Pedro II, que chegou a facilitar-lhe a
instalação de seu ateliê numa sala do Palácio Imperial.
Foi
censurado por infidelidade na descrição, posto que, no Ceará, não haviam
camelos. Mas os animais de fato existiam naquelas plagas. Sim! Pasme o notável
leitor que hora me prestigia. No Ceará imperial veio para cá uma leva de
quatorze camelos pelos idos de 1859.
Comprados
pelo governo imperial e vindos da Argélia como solução para o problema dos
transportes no sertão, era pensamento das autoridades que, no Nordeste, o
animal resistente à escassez de água e comida poderia ser boa pedida para
tração e carga.
Foi então
que o presidente da província José Martiniano de Alencar, pai do escritor José
de Alencar, já pensando na aclimatação de camelos para aquele fim, incorporou
em 1859 que a iniciativa do Barão de Capanema, importando do Norte da África
quatorze deles, entre machos e fêmeas. Adaptaram-se e reproduziram-se
facilmente no novo habitat, chegando ao número de vinte.
Porém, o
pequeno rebanho sofreu com a falta de criadores especializados, apesar de terem
vindo como tratadores dos mesmos quatro argelinos, mouros de turbantes que
foram recebidos com certa reserva pela população, isso pelo fato de serem
ferrenhos censores da religião cristã. A longa gestação das fêmeas, que dura
cerca de um ano, ultrapassava os prazos pretendidos para a formação de criações
maiores. Foi o fim do empreendimento.
Os
animais que conseguiram se aclimatar foram utilizados, primeiro nas passeatas
ou préstitos carnavalesco, depois viraram atração turística até suas mortes os
alcançarem.
Sim, amigo, o Brasil, mais precisamente
nosso Ceará Moleque, já chegou a importar até mesmo camelos da África na ação
contra a seca no Nordeste. No dia 24 de julho de 1859, um barco francês que
vinha de Argel desembarcou em Fortaleza 14 camelos e quatro argelinos,
contratados para tratar os animais e ensiná-los a trabalhar na região.
Responsáveis pela ideia, o botânico Freire-alemão, o barão de Capanema e o
poeta Gonçalves Dias tinham sido encarregados por d. Pedro II de encontrar
soluções para a seca. Criaram, então, aquela que ficou conhecida como Comissão
das Borboletas (1859/1861) Naquela época acreditava-se que o solo do Ceará
escondia riquíssimas jazidas de pedras preciosas. Como o território era
inexplorado, o desconhecimento dava margem a devaneios e fantasias, e não
faltaram homens de notório saber a acreditar nos rumores.
Entretanto, a expedição centrou fogo na circulação
de mercadorias no Nordeste, que era feita em lombo de burro ou em carros de
boi. Com a seca, os animais morriam, e o comércio parava.
Mais do que o comércio, a morte dos animais interrompia toda a ligação entre o
sertão e o litoral. Foi então que Freire-Alemão, Capanema e Dias convenceram o
governo imperial a substituir o boi e o cavalo por camelos, animais de carga
mais resistentes à fome e à sede. Mas os camelos não resistiram à seca do
Nordeste.
"História da Comissão Científica de Exploração", livro escrito por
Renato Braga, não narra o fim dos camelos. Há registros de 1855 de discussão
sobre a transposição das águas do rio São Francisco, onde o Deputado pela
Província do Ceará, Marcos Antonio de Macedo escreveu relatório contestando
geógrafos que achavam a obra inviável.
Prova irrefutável de que o Ceará é o estado
brasileiro com mais esquisitices, essa dos camelos fica como mais uma dos
homens e mulheres que um dia vaiaram o Sol em plena Praça do Ferreira e
chacoteavam com os quimoeiros, carpideiras e gatos pingados da Fortaleza do
século 19. Um grande abraço e até a próxima.
Túlio Monteiro, escritor,
pesquisador e metido a historiador, novembro de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário