terça-feira, 13 de novembro de 2018

A INCRÍVEL TRAJETÓRIA DA FONTE DOS CAVALINHOS – NOSSA FONTANA DI TREVI - Túlio Monteiro



Hoje tratarei de um dos cartões postais mais antigos e simbólicos da cidade de Fortaleza: O Chafariz da Lagoinha. Peregrino como todos os monumentos do Ceará o são, tal edificação aportou em Fortaleza no ano de 1929 vindo da Alemanha encomendado que fora à empresa Herms Stoltz pelo então prefeito Álvaro Weyne (1881 – 1963).

Escolhida através de um catálogo, a estrutura era parte do projeto político de Weyne, então conhecido como o “prefeito das flores”, isso por conta de sua tentativa de embelezar a Fortaleza da Bélle-époque, que já possuía energia elétrica, mas ainda era abundantemente iluminada por combustores a gás. Por conta desse fato, um engenheiro inglês foi contratado especialmente para dar luz e vida à Fonte dos Cavalinhos, como posteriormente ficou conhecida tal peça, que foi esculpida em zinco e capeada em cobre. Sua descrição é de beleza singular sendo composta por três cavalos, três sereias (nereidas), oito cabeças de leões e quatro leões em forma de nuvens jorrando água por suas bocas.

Atualmente, a fonte se encontra instalada, desde 1984, na Praça Murilo Borges, mais conhecida como Praça do BNB, ode hoje fica a sede da Justiça Federal. Entretanto, sua estrutura está comprometida no seu todo. Oxidadas, as partes douradas contraíram tons verde-acinzentados, sem contar as visíveis marcas deixadas por pichadores inescrupulosos.

Outrossim, a nossa fonte peregrina já passeou pelos quatro cantos da cidade. Uma vez desmontada no início dos anos 1960, foi parar na Praça Clóvis Bevilacqua, mais conhecida como Praça do Direito, onde permaneceu até a metade da década, uma vez que, em 1965, foi requisitada pelo então Reitor da Universidade Federal do Ceará, Antônio Martins Filho. Mais uma vez desmontada e sendo sucateada, tornou-se então a Fonte dos Cavalinhos, sendo reerguida nos cruzamentos da Avenida da Universidade com Avenida 13 de Maio. Por lá ficou entre os anos de 1965 e 1966, onde os três cavalos foram devidamente batizados pelos heroicos universitários de então. Aos cavalinhos a fina flor da molecagem cearense – Sim! Aquela mesma que já vaiou o Sol – deu os epítetos de três dos mais fortes coronéis dos tempos de ditadura militar pesada. Passaram a se chamar então: Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora. A galhofa era grande e não faltavam aventureiros para jogar no interior da mesma, algumas moedas como a desejar sonhos inatingíveis.

Mas, como disse, nossa amiga fonte teve seus dias contados no cruzamento das aludidas avenidas, ainda descalças de suas sandálias de asfalto. Novamente desmontada a golpes de picareta, ela foi mutilada e parcialmente destruída sendo jogada às favas em um velho depósito da Superintendência Municipal de Obras e Viação (SUMOV), localizado na Avenida Sargento Hermínio, artéria que se localiza ironicamente no Bairro Álvaro Weyne. Por lá amargando um pungente ostracismo de quase duas décadas.

Em 1979, uma comissão nomeada pela prefeitura de Fortaleza e composta por nomes de peso como Ednardo Weyne, Zenon Barreto, Nirez, Honor Torres, Luciano Bandeira e Gilberto Brito, tentou, em vão, recuperar a aludida peça. Foram meses de análises químicas e estudos antropológicos. Tudo em vão. Tão depenada estava a coitada, que nada restou a não ser removê-la para o pátio Museu Histórico e Antropológico do Ceará, onde hoje funciona o Museu da Imagem e do Som (MIS). Mais uma década e meia de esquecimento.

O tempo avançou lento, indelével e inexorável como costuma ser. Até que, chegado o ano de 1983, quando após inúmeras tentativas frustradas já haviam sido feitas, o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) decidiu pela recuperação – dentro do possível – do Chafariz da Lagoinha. Sua reinauguração com a pompa que lhe é merecida ocorreu em 20 de julho de 1984, quando o Brasil efervescia em suas Diretas Já! e um sentimento de nativismo tomava conta de um País ávido por mudanças, coisa que não vemos mais hoje em dia.

Estava de volta à “vida”, pelo menos em parte, a sofrida fonte que em seus tempos áureos – anos 1930 – brilhava na Praça da Lagoinha como era e é mais conhecida a Praça Capistrano de Abreu, encantando gerações que pelas plagas da cidade de Alencar não mais caminham. No entanto, o descaso e abandono das autoridades competentes mais uma vez estão pondo em risco as estruturas quase seculares de nossa Fontana di Trevi. Está abandonado novamente o adorável monumento. Pelos seus canais de distribuição de água e sereias iluminadas já não corre a energia elétrica necessária ao seu embelezamento. Estando a mesma a padecer com seus vazamentos e oxidações desde o ano de 2013. Esperemos, pois, que as autoridades que hoje constroem VLT’s e viadutos Fortaleza afora incorporem o espírito inovador de Álvaro Weyne, devolvendo ao velho chafariz a beleza de outrora.

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Túlio Monteiro, escritor, crítico literário e metido a historiador, Fortaleza, novembro de 2018.

8 comentários:

  1. Além de escritor, poeta e historiador Tulio Monteiro é um saudosista e nos transporta no tempo em lembranças quase perdidas. Sou testemunha da vida progressa e regressa da citada fonte. Diferente de outros povos, onde se preserva sua memória através até de pedaços de jarros quebrados e minúsculas pontas de lanças,tratados como jóias raras, no Ceará se destrói e se deixa a história se consumir apagando a memória histórica do povo. Parabéns Tulio Monteiro pela lembrança e tentativa de dar uma chamada aos que detém o poder, para que cuidem da preservação de espaços e monumentos que marcaram a história do Ceará e serão referência para gerações futuras e diga-se de passagem, são muito poucos.

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  2. Obrigado duas vezes, Jane. Uma pelas valiosas informações que me repassastes e outra pelas agradáveis palavras de estímulo. Muito obrigado. Túlio Monteiro.

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  3. Observando atentamente esse breve relato do nosso hispocritor (historiador + escritor) constatei com bastante tristeza o descaso das autoridades com relação a história e seus monumentos. Mas talvez não seja tão difícil entender ...dinheiro, dinheiro não, verdadeiras fortunas foram desviadas do Ministério da cultura para pseudas apresentações artísticas. Algumas até bizarras como uma ruma de elementos nus abaixados em círculo como se fossem quadrúpedes, enfiando os dedos nos orifícios anais uns dos outros. Lamentavelmente criaram até leis do tipo Lei Roaunet..para encher os bolsos de artistas consagrados em suas tournées.. dinheiro da cultura desviado para manifestantes LGBT...e enquanto isso que nossa história acabe nos porões empoeirados, (no caso da fonte) ou em algum "sítio de amigo" no caso as obras de arte, supostamente surrupiadas da residência presidencial por um ex Presidente populista.

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  4. O bola 77 mais conhecido Chibatinha ressurge ácido como nunca. Desta vez sobrou para o Ministério sa Cultura, para a Lei de incentivo, pro sítio de Atibaia e para artistas do naipe de Gilberto Gil, hoje milionário desde quando foi Ministro da Cultura. Obrigado ao nobre leitor por mais uma crítica abalizada.Túlio Monteiro.

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  5. A melhor leitura é aquela onde você acompanha passo a passo o construtor do texto. Vivendo e aprendendo, sonhando e se deleitando com o ritimo e a cadência das palavras - com naturalidade e sem incêndios espirituais - Assim, o
    texto do Tulio Monteiro traz a tona lembranças da praça da Lagoinha onde, quando criança, brinquei em muitas tardes. Isso reflete em cima de centenas de leitores e frequentadores dessa praça, trazendo a lembrança de fatos inesquecíveis. Obrigado Tulio Monteiro.

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    1. Grande Roberto,eu que agradeço pelas gentis e cativantes palavras. Obrigado. Túlio Monteiro.

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  6. Historiografia, lirismo, viés informativo,ares reflexivos e hodiernos:exceleeente texto a todos os amantes da Terra Aleancarina e todo o nosso país, que possuem seus monumentos tão encantadores e ficando, cada vez, infelizmente... encantados!

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  7. Estive presente no dia da inauguração da fonte em frente ao Banco do Nordeste e me recordo - como num flashback - Eu era muito pequenininho - da tal fonte, instalada na Avenida da Universidade. O texto do historiador que não tem nada de metido é uma viagem gostosa de se ler.

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