sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Y, icônico Y! - Kelsen Bravos*

Reparem bem na letra Y. A depender do tipo de fonte - palavra com que a tipografia designa a forma das letras -, o ípsilon pode parecer uma muleta, uma feição de caprino, uma baladeira. Baladeira, para quem não sabe, é estilingue, uma espécie de funda, uma arma (sim, é arma!) feita geralmente com a forquilha (Y) de um galho de árvore.

A expressão baladeira é bem cearense, como o era também um capitão de infantaria que, nos idos de 1933, escondia sua identidade no pseudônimo Coronel Y para, em crônicas publicadas na Gazeta do Rio, sentar a pua nos militares metidos a políticos durante a Constituinte dos anos 1930. Para ele, a contribuição das Forças Armadas deveria ser específica sobre assuntos militares e, por excelência, a defesa nacional. Numa de suas crônicas vaticinou a própria sina: “O militar-político é uma espécie de lobisomem, um homem de existência dupla e misteriosa, que mete medo.” O tal capitão viria a se tornar um famigerado personagem da história militar e política brasileira. Refiro-me ao marechal de guerra e depois o primeiro presidente após o fatídico 1964: Humberto de Alencar Castello Branco, cuja biografia escrita por Lira Neto, "Castello - a marcha para a ditadura", bem está a merecer uma nova edição revista e ampliada.

Ao ler sobre o tal pseudônimo no qual se entrincheirava, associei de imediato a imagem da baladeira. Não há nenhuma explicação em lugar algum sobre o porquê do Y, para designar o "coronel" cronista. Apenas presumi tal associação por ser a baladeira muito presente na vida dos cearenses em criança, servia para caçar passarinho e também para brincar de guerra, quando geralmente, para utilizá-la, o "combatente" deveria entrincheirar-se a fim de evitar ser também alvejado. Quanta bobagem socializar esta digressão durante a leitura de páginas tão infelizes de nossa história... Este Abecedário de Crônicas do Evoé! tem feito coisas que até Tupã duvida.

Voltemos à letra em pauta. Não consigo olhá-la sem me transportar para frente de um altar católico. Sim, o Y é uma letra crucificada. Os braços abertos, pregados pelas mãos à cruz, sustentam o corpo decaído, a cabeça pendida sobre o braço direito (daí ser o lado mais grosso do Y), as pernas unidas parecem uma só. Não sou católico, sou cristão convicto dos ensinamentos do evangelho de Jesus. A cruz é um símbolo de uma igreja e não do evangelho, aliás, chega até a esvaziar a ideologia cristã; gosto, entretanto, de ver nas igrejas católicas a cruz sem o corpo de Jesus. Ouvi de minha amiga Glauba Rocha ser esse também um bem querer do padre Glaubo, seu irmão. Ele, numa homilia, revelou aos fiéis o seu motivo: "a ausência de Jesus significa ele estar ressuscitado e livre entre nós e não pregado na cruz".  Bonito, né?

É belo também o símbolo taoísta, onde predomina o Y, definido Yin e Yang, cuja união significa harmonia entre os opostos. Yin feminino com o yang masculino. O positivo e o negativo e por aí vai. Ambos formam o todo. Prefiro, Povo do Meu Bem-querer, a relação cromossômica entre o X e o Y sobre a qual aprendi de corpo e alma, com uma coleguinha de escola, na prática, serem determinantes dos gêneros masculino e feminino. Esses alossomos, quando heterossomos (xy), definem o masculino, quando não são distintos (xx) definem o feminino. Vejam bem o masculino tem 50% de si feminino, enquanto o feminino nada tem de masculino. Isso explica muitas coisas também inexplicáveis, sobre as quais não se consegue senão apenas sentir, por exemplo, que homem sem a mulher é um ser incompleto e a mulher sem homem é só uma circunstância; mas, unidos, ambos são muito mais que dois. Evoé!

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*Kelsen Bravos - professor, escritor, compositor, editor do Evoé!




2 comentários:

  1. Pois bem. Vejam como Kelsen se saiu ótimo da encruzilhada do Y. Uma verdadeira aula sobre a origem da letra bem como sobre o tenebroso passado diratorial de 1964. Parabéns ao nobre escriba. (Túlio Monteiro).

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  2. De pleno acordo, Túlio Monteiro. Kelsen Bravos, para mim, seu texto está digno de seus conhecimentos, de sua criatividade, de sua expressividade. Aplaudo.

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