sexta-feira, 27 de julho de 2018

W CHEGAMOS AO W - Túlio Monteiro*

Última flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

(Olavo Bilac, no soneto “Língua Portuguesa”).

Eia que o W é a bola a ser cantada. Desafiado desta vez pelo seu Francisco Pereira da Silva, meu tio, vou ter que me virar em preencher as lacunas de mais uma letrinha difícil de ser comentada em crônica.

Sabemos que a letra W é a vigésima terceira letra do alfabeto português, sendo a décima oitava consoante. É utilizada em 0,01% das palavras portuguesas, sendo utilizada apenas em antropónimos originários de outras línguas e seus derivados; em topónimos originários de outras línguas e seus derivados e em siglas, símbolos e mesmo em palavras adotadas como unidades de medida de curso internacional.

Pois bem, voltando ao desafio lançado por meu tio nonagenário, vamos ao que realmente interessa. Em conversa telefônica com ele o ouviu dizer que estava sentindo dores nas costas e no quadril o que seria um bom mote para ser levado em conta com relação ao formato de uma aranha emborcada, de patinhas para cima. Ora, nada mais cômico que comparar uma letra a um animal peçonhento e abominado por tantas pessoas. Assim como o ípsilon que tem um formato fálico o W enquanto aranhinha pode nos remeter, por exemplo, à teoria do professor doutor Horácio Dídimo.

Tímido e de poucas palavras, Horácio Dídimo costuma conversar sobre literatura infantil, tema que lhe rendeu o doutorado em Minas Gerais, sempre se referindo à estrutura trinitária de sua literatura: som, silêncio e sentido.
Mesmo quando escreve livros como A estrela azul e o almofariz, lançado pela coleção Alagadiço novo, ou uma tese de doutorado como Ficções lobatianas: Dona Aranha e seis aranhinhas no sítio do pica-pau amarelo, Horácio Dídimo o faz como quem procura no verso simples e na ideia concisa a alegria de uma criança em desbravar o universo de Monteiro Lobato, Lewis Carroll, Christian Andersen ou dos irmãos Grimm.
De fato, ele próprio fã de toda essa turma, desde sempre esteve envolvido com a literatura infantil. Fosse no choque que levou quando soube pelo rádio da morte de Monteiro Lobato - morria para o pequeno Dídimo quem ele considerava um membro de sua família -, fosse como professor universitário, através de suas aulas na disciplina de literatura infantil na UFC. Disciplina essa que acabou incentivando-o a escrever para crianças.
Assim, o poeta pessimista e irônico de livros como Tempo de Chuva, redescobriu a esperança e a alegria em sua obra e passou também a publicar títulos como O passarinho carrancudo, Histórias do mestre Jabuti, Festa no mercadinho e As reinações do rei.
Então, depois de mais essa viajada na maionese, voltemos um pouco às origens da letra hora questionada. Surgida a partir dos primeiros símbolos da baixa Mesopotâmia, ela era de início um ideograma para representar objetos a serem contados ou catalogados. Sistema de ideogramas esse que facilitava por demais o entendimento dos mais diversos idiomas. Sanando assim, a possibilidade de armazenar, registrar dados e representar a História.

Com o passar das eras, os fenícios aprimoraram esses símbolos reduzindo-os para quantidade de apenas 22, o que facilitava por demais suas atividades mercantis em relação aos Oriente Médio, Ásia Menor, árabes, etruscos e gregos.

E foram os gregos quem adotaram a simbologia fenícia por volta do século VIII a. C., acrescentando mais dois sons vocálicos, passando o mesmo a possuir 24 letras dentre elas o nosso amargo W.

Por fim, já no pós Idade Média surgiu o alfabeto português como o conhecemos hoje. Estava formado o padrão para a resolução alfabética da Última Flor do Lácio.

Nosso conhecido e ilustre poeta brasileiro Olavo Bilac (1865 – 1918) já dizia em um de seus sonetos “língua Portuguesa” da última flor do lácio. É comum por nós usarmos a expressão em nosso dia a dia. Porém, muita gente ainda não sabe do que realmente se trata a tão usada expressão. O poeta retrata em seu primeiro verso “a última flor do lácio inculta e bela”, se referindo ao nosso idioma português como a última língua derivada do latim vulgar falado no Lácio, que é uma região da Itália. As línguas latinas também chamadas de neolatinas ou românicas também se originam do latim e são elas as mais faladas e conhecidas: Italiano, Espanhol, Francês e Português. Já o termo “inculta” se refere ao latim vulgarmente falado por camponeses, soldados e as classes mais populares, que assim se diferenciava do latim clássico falado por pessoas de classes superiores. Para Olavo Bilac nosso idioma ainda continuava a ser belo mesmo originando de uma linguagem popular. Não conhecer a raiz cultural brasileira é marca registrada de nosso povo, enaltecemos muito a cultura exterior e esquecemos que nosso Brasil mesmo sendo um País novo em relação aos países europeus tem uma rica e invejável cultura, diversidade, literatura e por aí vai... Cometemos uma falta grande quando desmerecemos nossa história e como amante da nossa literatura não posso me furtar em sentir uma enorme tristeza em vê-la tão esquecida.
Enfim, amados ledores e ledoras, creio ter extinto meu vernáculo no que diz respeito ao velho dáblio, acreditando mais uma vez ter cumprido os objetivos do abecedário Evoé!. Abraços literários.
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*Túlio Monteiro - escritor, ensaísta e crítico literário.

8 comentários:

  1. para um w.o fatídico, eis que nosso nobre escritor mergulha nas águas da mesopotâmia e como se "uma aranha fosse" traz para nós uma verdadeira aula que nos remete a contos infantis e até a origem de nossa língua. Parabéns .

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  2. Caro primo Clauton, mais uma vez obrigado pelas sinceras palavras dirigidas a um texto meu. Sinto-me sempre envaidecido com seu tempo dedicado ao que escrevo. Fica,porém, o desafio para que você também escreva algo para o blog. (Túlio Monteiro)

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  3. Caro Tulio, é sempre gratificante lê-lo, principalmente quando libera a mente e a mão como nesse texto. Agradeço.

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  4. Obrigado, prezado Chico Araújo. Sinceros agradecimentos. (Túlio Monteiro).

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  5. O prazer de viajar por entre terras longínquas, entre insetos e contos infantis, o receber uma aula sobre a nossa tão desprestigiada língua portuguesa,leva-nos à pretensão de criticar o texto em questão. Tenho o grave defeito de ser por demais patriota, amo meu País denegrido,adoro a bandeira brasileira e choro ao cantar o hino nacional. Portanto, é uma tortura assistir todos os vilepêndios a que é submetida nossa língua patria. Realmente a letra W como a Y devem sentir-se muito deslocadas sem saber qual é sua verdadeira utilidade no nosso alfabeto. Meu irmao, de saudosa memoria, chamava-se Wellingtom, eu nunca entendi o por que de chama-lo de Uelinton e qual a utilidafe dos 2 "éles"! O autor presenteia-nos com um texto,(delicioso de degustar) que vagueia entre comicidade e seriedade brindando a nós, seu assíduos leitores e admiradores, com mais uma de suas "peripécias linguísticas "!

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  6. Sem sombras de dúvidas, é um texto fantástico, para os que querem se debruçar no campo da literatura fantástica de Monteiro Lobato, bem como do tão bem conceituado escrtor Orácio Dídimo, além de uma fantástica aula de história sobre a origem da letra dáblio. Túlio Monteiro mas uma vez, nos coloca diante de uma maravilha de criação literária, parabéns meu caro e querido escritor.Marcos Antonio de Abreu

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  7. Valeu, poeta-mor do cordel. Grande Marcos A reu. (Túlio Monteiro).

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