sexta-feira, 23 de março de 2018

Fraternidade por amoroso exemplo - Kelsen Bravos*

O presente tem nos exigido crescer em paciência, em tolerância, em convivência. Certa feita um irmãozinho bem querido, daqueles ante os quais não se pode exprimir uma ideia sem ponderação, colocou em provação a minha paciência pela forma como questionou o termo tolerância, usado por mim, na abertura de uma reunião para um grupo com quem trabalharíamos em equipe.
 
Tolerância! Que tolerância que nada! O tolerante se acha superior ao outro. Ser "tolerante com" é uma concessão feita ao outro ou a um grupo, a um gênero, a uma cultura! Só concede quem acha estar em situação de conceder, e quem está em condição de conceder, no mínimo, se acha acima do bem e do mal, pelo menos em relação a quem ele dá a graça de receber sua... tolerância. Falou em um quase surto logorreico, num tom de provocação eivado de ironia e irritação. Mais irritado ficava quanto mais constatava em mim atitude compreensiva, abertura e acolhimento da profunda reflexão posta em pauta por ele. 
 
Ora, temos sim um em relação ao outro em determinados assuntos ou contextos um acúmulo de conhecimento a nos possibilitar entender de forma mais ampla um fato e avaliar a situação de modo a compreender o, digamos, erro alheio e com ele ter tolerância e cumprir o ato solidário de lhe favorecer auxílio para conscientização necessária à avaliação e mudar, por si só, para melhor, é claro. Assim interpreto as observações sobre minhas ideias e comportamentos. Afinal quem me critica ou puxa a orelha está a demonstrar o mínimo de consideração por mim. Serei sempre grato a esses gestos. Gratidão, aliás, aprendida por amoroso exemplo.
 
De fato, o meu irmãozinho querido questionava a banalização do termo, o esvaziamento dele e a sua apropriação pelo discurso dominante de tal modo que lhe incrustava um obtuso conceito de indulgência demonstrado pela comiseração de uma classe em relação a outra, de uma casta em relação a outra. Concordo, pois tolerância ou é uma expressão fraterna ou não é indulgência fruto de paciência e geradora de convivência harmônica entre iguais, a despeito de diferentes pontos de vista.


A mais amorosa expressão de tolerância recebi, e ainda a recebo, de meu melhor e maior amigo. Eu era uma criança, um pré-adolescente. Sempre no almoço em casa, puxava com meu pai assunto das leituras e estudos mais recentes. Um dia ele falou algo do qual discordei e demonstrei com fartos argumentos, devidamente referenciados na literatura especializada do tema, o tamanho da "bobagem" falada por ele. Um silêncio denso se fez até ele interromper dizendo-se feliz em ser aprendiz do próprio filho, afinal fora para isso o tanto que dedicara para nos dar condições de estudo e ampla leitura de mundo. Sorriu e me deu aconchegante abraço do qual sinto o forte calor, embora tenha ocorrido há mais de quatro décadas .
 
Desde então, filho e pai, nos falamos como irmãos. Com o passar tempo, por causa da cada vez mais nítida compreensão de sermos todos filhos de Deus, uma reflexão me assoma em quase certeza: somos de fato, todos e todas, irmãos e irmãs, cuja situação existencial coloca uns como tutores de outros, a fim de fazermos evoluir a relação para a plena fraternidade ou sororidade, pois todos e todas somos camaradas, somos iguais e devemos ter respeitadas as nossas diferenças às quais devemos dedicar paciência e tolerância em uma convivência entre irmãos e irmãs. Evoé!
 
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*Kelsen Bravos - professor, escritor, compositor, produtor cultural e editor do Evoé!

6 comentários:

  1. Há escritores que acertam uma crônica no cravo e outra na ferradura. Não é o caso de Kelsen, que sempre acerta as palavras adequada na ferradura. Indubitavelmente! Tanto é verdade que nos trouxe à luz mais um de seus escritos de leveza ímpar. Aproveitemos! Túlio Monteiro.

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  2. Tolerar ou repreender, pequenez ou soberba...tudo nao passa de um ponto de vista. A ciência, as vezes tenta explicar, quando afirma por exemplo, que nenhum corpo ocupa o mesmo espaço no mesmo instante, aí vem Deus e marca presença em todos locais...enfim, sejamos tolerantes e soberbos, mas nunca perdemos a humildade em reconhecer que a única verdade é a divina...

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    1. Perdamos, e não perdemos...pense num corretor...deveria fazer um curso de revisão..com Kelsen Bravos, Lira Neto ou Vessilo Monte.....kkk

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    2. Caro Clauton, meu querido camarada, veja bem como os conceitos nos são esguios: "sejamos tolerantes e soberbos, mas nunca perdamos a humildade...", você diz. Soberba e humildade são conceitos antitéticos. Um exclui o outro assim o penso.

      A refletir sobre humildade - e tenho refletido a miúde sobre esse conceito - me chega a ideia de que esta é uma prerrogativa de quem está numa situação, digamos, privilegiada em relação a outrem e, a despeito de tal situação, se põe em situação de igualdade, abre mão dos privilégios sem se nivelar por baixo. Não pode, portanto, ser humilde quem já está sem privilégio, o conceito para tanto é Resignação. Ressalto que Humildade e Resignação são virtudes sempre presentes no cotidiano de cada um de nós que os protagonizamos a depender da situação. Destaco também que Humildade não tem nada a ver com humilhação e nem Resignação com conformação, muito pelo contrário. Evoé!

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  3. A tolerância, avalio, carece de sabedoria para se fazer presente. O tempo e, principalmente, seu passar, muitas vezes nos permite a sabedoria, diante de contextos que nos põem em provas. Que passemos nos testes.

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    1. Sim, Meu Caro Amigo Chico Araujo, sabedoria pressupõe tempo vivido e Vida é jma só e vastas e várias são as existências.

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