segunda-feira, 5 de março de 2018

DOR - Túlio Monteiro*

Eis, pois, exposta aqui, uma das oxítonas mais extravagantes do nosso léxico! DOR tem mais significados que muitas palavras da língua portuguesa podendo ir da dor do parto, passando pela dor de um osso quebrado, de um ferimento, dor no coração por um amor perdido, dor explícita ou implícita. Ou a pior delas: a DOR de um ente perdido.

Na última sexta-feira, caros ledores, perdi uma peça-chave nesse tabuleiro de xadrez chamado vida. Perdi para sempre meu pai, o grande e “imorrível” Joaquim Bernardo Monteiro Neto, que aos 79 anos de vida decidiu por conta própria virar “imortal” e ir viver na Casa de Deus ao lado de seus pais Laurindo e Luiza, de sua irmã Lucimar, de sua sobrinha Nice de seu sobrinho Enéas sem contar outros antepassados. O Céu certamente está em festa, tenho certeza disso. Pois toda vez que por lá chega uma alma de reputação ilibada e que só cativou pessoas enquanto viveu nessa Terra de lamentações tudo deve ficar azul.

Logo ele que, por mais estranho que pareça, nunca errou os alvos a serem escolhidos; que sempre trabalhou com o afinco de homem hercúleo; que eu nunca vi chegar em casa com um cigarro sequer na boca ou mesmo alcoolizado foi tragado pela pior das doenças que podem existir nesse planeta de expiações: o câncer!

Não há conformação em minh’alma nesse momento em que vos escrevo madrugada adentro. Há, Sim, uma certa calma em meu peito ante todos os ensinamentos que ele me deu nos 53 anos em que pude desfrutar de sua companhia. Ensinou-me muito, o meu velho. Se eu aprendi ou fiz de conta que não o ouvia foi por conta do adolescente-homem sempre ensimesmado com a vida que, devido aos meus devaneios de poeta louco, nunca soube ter medidas certas. Falta de aviso não foi quando ele me dizia que não estaria aqui para sempre. Mas, como pais são espelhos aos filhos homens, achei que ele nunca partiria nem mesmo durante os 9 anos em que lutou contra essa maldita doença que não escolhe credo nem cor da pele.

Não sei, não, meu pai. Queria que essa crônica terminasse com você voltando com aquele sorriso largo e aquela simpatia estampada no rosto. Mas, sei que não é mais possível de te ver. Não nesse plano. Porém, no plano dos sonhos, no plano espiritual, no plano etéreo sempre estaremos juntos um com a mão no ombro do outro a passear em uma praia deserta dos confins do paraíso. Ficamos então, meu pai, com a letra da música que sempre nos marcará para sempre. Que bom que brincou muito de vovô com meus filhos e netos. Jamais estaremos sozinhos, nem nós nem você. Fique em paz que aqui embaixo eu os teus honraremos para sempre o teu nome...

Pai!
Pode ser que daqui a algum tempo
Haja tempo pra gente ser mais
Muito mais que dois grandes amigos
Pai e filho talvez...

Pai!
Pode ser que daí você sinta
Qualquer coisa entre
Esses vinte ou trinta
Longos anos em busca de paz...

Pai!
Pode crer, eu tô bem
Eu vou indo
Tô tentando, vivendo e pedindo
Com loucura pra você renascer...

Pai!
Eu não faço questão de ser tudo
Só não quero e não vou ficar mudo
Pra falar de amor
Pra você...

Pai!
Senta aqui que o jantar tá na mesa
Fala um pouco tua voz tá tão presa
Nos ensine esse jogo da vida
Onde a vida só paga pra ver...

Pai!
Me perdoa essa insegurança
Que eu não sou mais
Aquela criança
Que um dia morrendo de medo
Nos teus braços você fez segredo
Nos teus passos você foi mais eu...

Pai!
Eu cresci e não houve outro jeito
Quero só recostar no teu peito
Pra pedir pra você ir lá em casa
E brincar de vovô com meu filho
No tapete da sala de estar

Pai!
Você foi meu herói meu bandido
Hoje é mais
Muito mais que um amigo
Nem você nem ninguém tá sozinho
Você faz parte desse caminho
Que hoje eu sigo em paz

Pai! Paz!...
(Fábio Jr.)
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*Túlio Monteiro - Escritor e crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro.

4 comentários:

  1. Dor, que palavra mais contundente. Expressa tanto sofrimento físico...mas nada se compara a dor da perda de um ente querido, ou de um amor mal resolvido. Ah dor, por que teimas em rondar nossas vidas, subtraindo de nosso convívio terrestre, pessoas especiais.. Dor te condeno a sumir de nossas vidas, e vá lá que seja, sejas substituída pela saudade...e desapareça... dê lugar a poesia.. habite e orbite apenas nas almas dos poetas loucos, mas não vá lá guardar morada definitiva, seja transitória... somente para que poemas sejam produzidos para deliciarem os leitores. Ao amigo Tulio, um recado...tens que honrar seu amado pai, tornado se imorrivel também.

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  2. Tornando-se imorrivel...

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  3. Prezado Túlio, somente hoje leio "sua dor", expressa digna, profunda e amorosamente na crônica "DOR". Não está somente belo seu texto, mas tocante nas verdades expressas por sua perda. Perda da convivência física, conforme você mesmo assinalou; no plano da espiritualidade, é certo que houve sempre ganhos, os quais serão eternos. Abraço.

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