sexta-feira, 9 de março de 2018

Dignidade - Kelsen Bravos*

Nesse março de 2018, as águas da chuva cobrem todo o meu Ceará e renovam as esperanças de fartura no sertão, encantam o contagiante sorriso dos mais velhos, intensificam o brilho do olhar coletivo a mirar feliz o futuro. A minha e a tua dignidade - essa nossa qualidade comum que nos faz universal - merece tamanha felicidade e, claro, todo o respeito. Nosso pais está em bancarrota moral, econômica, social. A Nação Brasileira está politicamente golpeada. Estamos sendo usurpados das conquistas mais caras à nossa dignidade. Ferida está a Cultura, lanhada está a Educação. Cabe a nós resistir com arte!

No Ceará, resistimos com educação, arte, cultura! Nos últimos dez anos e meio, intensificamos gradativamente, ações de ongs em parceria com o poder público (de esquerda, óbvio). Dentre eles, com muito eficiente planejamento e resultados eficazes, promovemos a leitura desde a mais tenra idade, na família por meio dos Agentes de Leitura, na escola com o Programa Alfabetização na Idade Certa, o já reconhecido PAIC e seus desdobramentos, Mais Paic e Paic Mais (que se torne cada vez mais amplo pois nunca será demais). O programa promove, além da leitura pragmática, a leitura literária, da Educação Infantil ao nono ano. A presença da Literatura Infantil em ambos é fundamental. 

A I Feira da Literatura Cearense me convidou para ministrar a Oficina Literatura Infantil no Ceará. Pelo tema preparei-me para um público especialista, pensei em professores, acadêmicos, críticos literários, autores, editores... mas que nada! Não que eles não estivessem, havia sim, porém, a presença da juventude dos oitavo e nono anos das escolas públicas lotou o auditório do Centro Cultural Banco do Nordeste do Brasil - CCBNB.  Mais que surpreendente, foi um encanto, intenso e consequente.

Começamos pela construção do conceito de Literatura. Quanta participação! E que concepções! Emocionante constatar o quanto já permeia a história de vida dessa juventude a leitura. As Leituras de mundo! Foi fácil chegar à conclusão de que literatura é a expressão da arte cuja matéria prima é a palavra (oral ou escrita ou pictografada). Daí foi num átimo a transição do conceito para a reflexão sobre o conteúdo expresso pela literatura: dignidade!

Somos seres históricos, portanto, literários, temos narrativas inscritas em nosso próprio nome. Exemplifiquei com a história do meu sobrenome Bravos. Via de regra a nossa cultura registra com o nome de batismo o sobrenome da mãe e o sobrenome do pai, exatamente nesta ordem. Se formos investigar, a história dos sobrenomes inscritos em nosso nome veremos que nossa vida descende de uma imensa novela real - cheia de beleza e muita coisa feia também, porque num é novela plimplinesca, é realidade, nem maior ou menor do que quaisquer outras, nem melhor nem pior, mas a nossa própria história que estamos cuidando de ampliar da melhor forma possível.

Pedi para refletirem que temos (via de regra) mãe e pai, quatro avós, oito bisavós, dezesseis triavós, trinta e dois tetravós, sessenta e quatro tatataravós ... e se assim prosseguirmos aonde chegaremos? Decerto na origem comum de todos nós, pois somos todos um só povo, somos irmãos...

... Neste momento cada um de nós protagonisa uma bilenar história cheia de grandes bem e malfeitos, belíssimos fatos e fatos horríveis, sim somos feitos assim nem melhor e nem pior do que ninguém. De uma saga bilenar somos todos fruto. Seja quem for - do mais poderoso ser humano do planeta ao mais simples e desprovido de bens sociais - todos temos uma história que pertence a humanidade e é bilenar. O nome disso é dignidade. Desrespeitar essa história de cada um é ferir a dignidade, é ferir toda a humanidade. E a literatura trata disso. Ela adensa a minha, a tua e a nossa dignidade, faz cada um mais próximo e senhor de si mesmo. Ler nos faz mais aptos a alcançar as circunstâncias da condição humana, a refletir sobre as relações entre si e entre os povos e a condição do planeta. Isso é um perigo para os poderosos de então, porque quem quer deter para si o poder está sempre a temer um povo consciente da própria dignidade e que sonha com a liberdade, um conceito que só se realiza no coletivo.

Foi assim que começou a nossa Oficina Literatura Infantil no Ceará, como terminou, eu conto em outra oportunidade; mas reafirmo o quanto foi bom dialogar com uma juventude leitora, num espaço público (o CCBNB), numa iniciativa de ong com apoio do poder público, num momento em que o país é golpeado, a Nação usurpada das conquistas mais caras à nossa dignidade, e num mês em que chove esperanças no meu Ceará. Esse Ceará que resiste com ações de guerrilha a esse contexto perverso. Guerrilha cultural em defesa de nossa dignidade. Evoé!

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Kelsen Bravos - professor, escritor, compositor, produtor cultural, editor do Evoé!

5 comentários:

  1. A sua História, a minha História, a História de cada um se entrelaça nos acontecimentos de ontem, de hoje, de sempre, não é mesmo, Bravos? Para termos participação ativa nessa escrita, devemos ser "bravos" não poucas vezes, ocupando os espaços a partir dos quais possamos "dignificar" o nosso existir - nosso, porque não limitado ao individual, mas dinamizado no coletivo. Evoé!

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  2. Bravos, Kelsen, nem precisa procurar árvore genealógica para tamanho reflexão, afinal dignidade tinha que rimar com bravura, pois sempre haverá uma resistência aos desmandos na terra desposada do sol. Orgulho-me de tê-lo sempre por perto para apenas e tão somente confirmar como nós cearenses somos pioneiros e resistentes, pois mesmo a distância acompanho teus projetos no segmento educacional. Não é nenhuma novidade a inteligência e sagacidade de nossos conterrâneos, basta verificar a lista de aprovados dos mais conceituados concursos, e via de regra tem lá um cearense brilhando. E é justamente na infância que o PODER PÚBLICO tem que focar, com as iniciativas que o nobre escritor tão bem elencou.... afinal PAIC, MAIS PAIC, PAIC MAIS e tudo mais apenas direcionam nossa juventude para o sucesso... e para finalizar essas mal traçadas linhas, e procurando seguir essa linha editorial... DESAFIOS .... são para serem vencidos.

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    1. Isso, Clauton! É isso mesmo! Ressalto que todo o trabalho é coletivo. Ninguém faz nada sozinho. Eu apenas contribuí intensamente no pouco que fiz.

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