sexta-feira, 2 de março de 2018

CERTEZA! - *Kelsen Bravos

Ao meu primo amado Túlio Monteiro

Dizem ser a morte a coisa mais certa da vida; nem tanto, pois via de regra não sabemos nem onde, nem como e nem quando morreremos. Na mitologia, os ciclopes pediram e obtiveram o dom de antever a tudo. Com a dádiva recebida, sua primeira antevisão é a da própria morte. Daí a forma intimorata com que enfrentavam as circunstâncias da vida, sobretudo as batalhas. São os ciclopes heróis e vilões de muitos por conta de sua coragem. Esses mitos são importantes não para explicar o mundo, mas também para nos fazer refletir sobre as coisas do mundo. Gosto de mitos por isso; não pelo modelo de heroísmo. Meus heróis são todos de carne e osso e mais perderam que ganharam, e foi justamente nas "derrotas" que lhes identifiquei a fortaleza que me fizeram elegê-los e elegê-las como referência heroica.

O meu Tio Bernardo traduz em mim essa referência. Por todas as suas qualidades, ele desde cedo me é uma referência heroica. Insólito na mais pura expressão da infância - a que tudo questiona porque vê estranheza em tudo. Ele sempre nos estimulou a descobrir, a investigar, a experimentar a vida, mantendo com ela a sensação de estranheza e coragem para descobrir as coisas.

Inelutável determinação, meu Amado Tio Bernardo plantou em nós, pelo exemplo de sua inexorabilidade felina de jamais desistir dos propósitos, demorasse o quanto fosse, sempre nos fez ver que a espera sempre foi e é bem menor do que a conquista. Daí não valer a pena desistir, mudar a estratégia sim, desistir jamais.

Pelo exemplo nos ensinou a honrar a palavra dada. Dedicar-se com honra desmedida ao cumprimento dos desideratos prometidos; dos assumidos junto ao leito de morte de um amigo ao mais ingênuo pedido de uma criança, uma vez dada a palavra, ela deve ser cumprida sem ressalvas.

Há mais, muito mais qualidades o meu herói. Assim como há defeitos e dúvidas e fragilidades. As fragilidades, ao me ver, ele as escondia. Sempre se fez para mim mais forte do que era. Mais recentemente, confirmei esse seu carinho dedicado a mim. De longe eu o observa cabisbaixo e com expressão de dor. Quando eu me aproximava,  ele ajeitava o corpo e, em vez de queixa, recebia um sorriso.

Pois o meu Amado Tio Joaquim Bernardo Monteiro Neto, hoje, 2 de março de 2018, pelas oito horas, cumpriu o sublime momento da passagem para um plano eterno. Ele que durante anos enfrentou com exemplar Paciência um câncer já diagnosticado como generalizado em um doente terminal.

Não precisa ser nenhum herói para ter Paciência, é necessário apenas uma Fé consciente, para saber conviver com a dor. E meu amado Tio Bernardo lidou com a doença sempre com um sorriso no rosto, fé na Vida e cumprindo com disciplina beneditina as recomendações médicas. Teve um alento ao lhe ser administrado um remédio caríssimo, para o qual conseguiu o benefício de recebê-lo sem custo em um posto de saúde.

Certa feita, ao ir pegar o medicamento, a pessoa da recepção se recusou a entregar o remédio a ele. Depois questionar e se esgotarem os argumentos gentis, a funcionária categórica afirmou: "esse remédio não pode ser para o senhor, porque é só para pessoas em estado terminal!" Ele riu e disse que sim, que esse era seu diagnóstico, mas que ele estava provando que também servia para curar as pessoas. Desconcertada a moça se rendeu aos fatos. Isso aconteceu há quase uma década.

Tio Bernardo e Luísa Moura Bravos
Brincadeira do sério - quem ri perde
Sempre foi presente na família para quem não media esforços. Era duro quando precisava; mas nunca com as crianças. Se transformava em pura ternura ao lidar com as crianças, confirmava o que sempre de fato foi a existência inteira, uma criança.

Desligou-se hoje, agora pouco, o meu Amado Tio, do corpo que tanto sofrimento estava lhe dando, que nem a morfina mais amainava tamanha dor física da qual nunca praguejou. Que agora esteja leve a confirmar sua imortalidade tal como afirmava em tom de brincadeira a todos  (mas era muito a sério que falava) como se todos crianças fôssemos. Irmãos, irmãs, companheira, filho, noras, netos e netas e bisnetos e bisnetas, sobrinhos e amigos e amigas, cunhados e cunhadas, ele afirmava a todos e a todas com convicção: sou imorrível!

Hoje está sim tomando consciência da certeza de sua imortalidade no plano eterno, em que se congraça com seus/nossos afins. Ave, Tio Bernardo, meu Amor!

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Kelsen Bravos - escritor, compositor, editor do Evoé!

3 comentários:

  1. A morte, amigo Bravos, inexorável que é, nos deixa marcas profundas. Se sabemos entendê-las, aprendemos com elas que, apesar da fatalidade, os que partem para outros planos prosseguem conosco quanto mais permitamos a repercussão deles em nós. Abraço, amigo.

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  2. Num momento desses passa um filme na vida da gente... e inevitavelmente retornamos à infância. Curioso como o destino de Joaquim Bernardo Monteiro neto se assemelha a de seus pais (Laurindo Monteiro e Luiza Bravos, meus amados avós) seja no sempre presente bom humor, como resignação e bravura para enfrentar seus infortúnios,notadamente na reta final de suas trajetórias nesse plano terrestre. Meu querido tio Bernardo,(nosso sempre imorrível) nunca sairás de nossa mentes, habitarás sempre nossos corações, entretanto a imortalidade pede passagem para mais um de nossos entes queridos.. Vai tio, junte-se a seus pais, irmã, primos, tios, cunhados, sobrinhos e tenha a absoluta certeza, que essa imensa saudade que sentiremos.. vai perdurar para sempre. Que Deus o acolha em seus braços.. Ao querido primo Túlio, és o herdeiro dessa trajetória, então torne-se imorrível...

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  3. Evoé! Clauton, evoé!

    Nosso avô é Laurino.

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