segunda-feira, 9 de outubro de 2017

NECRÓPOLES, ARTE E SOCIEDADE - Túlio Monoteiro*

Aficionado confesso que sou dos assuntos ligados à História do Ceará, foi com bastante satisfação que adquiri um simpático livro que traz no seu âmago um acurado estudo sobre parte da História sociocultural de Fortaleza e de algumas de suas necrópoles, em particular sobre o Cemitério São João Batista, inaugurado no ano de 1866. Sem dúvida, uma lacuna cultural que agora é preenchida.

Assim na Vida Como na Morte – Arte e Sociedade no Cemitério São João Batista (1866-1915), 160 páginas, R$15,00 – “Coleção Outras Histórias / Museu do Ceará”, encerra em suas páginas a dissertação defendida pelo sociólogo Henrique Sérgio de Araújo Batista no Mestrado em História Social da Universidade Federal do Ceará. Escrito em uma linguagem despida dos hermetismos acadêmicos, Assim na Vida Como na Morte – Arte e Sociedade no Cemitério São João Batista (1866-1915) inicialmente remete seus leitores ao bucólico passado da capital cearense de século e meio atrás, uma Fortaleza com pouco mais de oito mil habitantes que ainda dava seus primeiros passos rumo à atual metrópole, abrigo de mais de dois milhões e meio de almas.

Sobre aquela aprazível Fortaleza da metade do século dezenove, Henrique Sérgio de Araújo Batista discorre com propriedade sobre os costumes e comportamentos nela predominantes, nos trazendo preciosas informações sobre os aspectos ligados à sempre desconcertante e delicada temática da morte. Sem se deter apenas em conceitos técnicos, o texto, que é levemente entremeado por pinceladas romanescas, busca transformar os que o leem em personagens quase testemunhais dos fatos que lhes vão sendo apresentados. Através dele – do texto – podemos caminhar sem pressa por entre as ruas de terra batida e pelas cores mornas do casario preguiçoso daquela Fortaleza de meio século e meio passados, ao mesmo tempo em que absorvemos raros conhecimentos sobre os ritos fúnebres da época, a exemplo do nada higiênico costume de se enterrar mortos nas naves das igrejas ou em torno delas, além de informações sobre a construção do primeiro cemitério de grande porte da capital cearense – o São Casimiro, datado de 1844 – e da inauguração do São João Batista, na década de 60 do século XVIII. Tudo isso recheado por pitorescos acontecimentos como o de uma casuarina localizada no Cemitério São Casimiro que – o dizia-se na época – vertia sangue ante o abandono que aquela necrópole sofria nos últimos anos de sua existência.

Como se pode ver, os que têm medo do sobrenatural e de assuntos ligados à inexorável morte, nada devem temer quanto ao conteúdo de Assim na Vida Como na Morte – Arte e Sociedade no Cemitério São João Batista (1866-1915). O texto nele contido nada tem de fantasmagórico. Pelo contrário, é leve leitura para lá de relaxante.

Como nada, porém, é perfeito, alguns dissabores certamente desagradarão aos leitores mais exigentes, aqueles que, como eu, estão sempre atentos aos escorregões ortográficos, sintáticos ou informativos. Isso, porque, Assim na Vida Como na Morte – Arte e Sociedade no Cemitério São João Batista (1866-1915) não recebeu um tratamento editorial à altura de seu rico conteúdo histórico-cultural. O que é realmente uma pena. Refiro-me aos excessivos erros ortográficos e sintáticos que são facilmente detectados ao longo de todo o texto, onde regras básicas de acentuação, grafia, regência e concordância são relegadas a um segundo plano. Claro que isso não é culpa de Henrique Sérgio de Araújo Batista, mas, sim, do responsável pela revisão textual dos livros da “Coleção Outras Histórias”, e, claro, do Coordenador da Coleção.

Saliento, entretanto, que por esses fatores os pretensos leitores da obra em questão não devem perder o entusiasmo. Detentor de comprovada importância histórica, o livro de Henrique Sérgio de Araújo Batista veio para ficar e deixar registrados aspectos culturais que estavam praticamente olvidados da memória coletiva da gente cearense. Algo muito caro e essencial às lembranças de um povo.

Que mergulhem, pois, os ledores nas informações contidas não só na obra ora resenhada, mas, também, nos outros títulos publicados pelo Museu do Ceará através “Coleção Outras Histórias”. Torcendo, claro, para que eles – os outros títulos – sejam menos salpicados dos pueris erros de língua portuguesa contidos em Assim na Vida Como na Morte. Amém!

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*Túlio Monteiro - escritor, biógrafo, pesquisador, revisor, ensaísta e crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro.

2 comentários:

  1. Nem as "almas" escapam do olhar crítico literário do nosso escritor Tulio Monteiro. Ademais comentar e criticar obras alheias é uma tarefa por si só, angustiante. Que não se perca pelos erros gramaticais, ortográficos de regência e concordância a obra sobre nossos cemitérios. Mas, bem que nosso escritor poderia citar alguns costumes de nossa sociedade da época, embora compreenda que sua crítica tem como finalidade aguçar a curiosidade de nós leitores. Um abraço.

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  2. Em outras oportunidades, caro, Clauton. Abordarei os aspectos costumeiros da sociedade cearense de outras épocas. Não perca por esperar. Por enquanto, agradeço a sua sempre crítica aguçada. Túlio Monteiro.

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