segunda-feira, 20 de março de 2017

Túlio Monteiro: HÁ PÓ DE ESTRELAS PELAS ESTRADAS


(Para Eloisa Marques Monteiro)

Hoje quis armar um poema, desses decassilábicos, coisa de Bilac. Uma forma há muito querida e há muito teimada. Disse: dessa vez o danado sai! Só me dera ao luxo de escrever só um soneto alexandrino (infinitamente) em toda a minha vida. Um só. Nele busquei inatingível perfeição, para rimar “há pó de estrelas pelas estradas”... Quis hoje um poema assim e de voz feminina. Como não consigo, entretanto, inserir minhas palavras na voz de uma mulher sagrada, preferi voltar ao cubismo e liberdade métrica, abduzindo aos quintos esse tal escandir.

Ora, pois como laborar em torre de marfim esse eterno camafeu que é escrever alexandrinos, se não me aparto do mundo lá fora que se despedaça entre escândalos, sinais vermelhos, boçais apitando, consumistas frustrados disparando balas perdidas e uma perversa anti-juventude sem coração?! Por isso hoje, as onipresenças de minhas letras habitam com mais facilidade o texto livre, em composições crônicas saídas de mãos e dedos cada vez mais doloridos. Sem espalhafato. Sem querer mudar o mundo e nem fugir dele. Escrevo só para mim e aos que se metem a perder tempo com o que risco nas telas dos computadores teimosos em perder coisas, apesar do haja salvar daqui, salvar de lá em pen-drives e outros hardwares e softwares nefelibatas. Vã crença. Melhor eram as máquinas de escrever e o velho papel carbono. Lápis e borracha.

A bem da verdade, nada mudou, se olharmos por um certo viés. O redondo sempre encontra o fim de um círculo... e ele se fecha, como se fechou para muitos e fechará para todos. Nada é rotatória eterna. Até computadores de última geração – que constatação! – até eles perdem coisas, como perdiam coisas nossos corações do século passado e os corações de nossos pais e avós. Amigos? Sim! Alguns já se foram, outros estão caminhando por aí em trilhas que se retorcem para nos acharmos todos nós com nossos pais e avós. Como assim a natureza sempre comandou. Do pó ao pó. Das asas ao pavão.

Não. Hoje não há decassílabos bilaquianos e nem voz de mulher sagrada. São por demais artificiais. Bem diz Belchior que “minha alucinação é suportar o dia a dia e o meu delírio é a experiência com coisas reais.” A mulher da voz do meu poema não é sagrada, não é coisa, é poesia real. E mais da metade que me deram desse mundo veio só dela, minha hoje companheira. O resto foi colhido verde demais. Tiraram do pé muito cedo e não virou nem se transformou no que sinto por ela. Que me carrega no colo e minha vida só depende do encanto dela, minha senhora, minha vida. Os olhos quase verdes dela já estão cansando como os meus castanhos já estão bem mais para lá do que para cá. Nossas mãos já se dão em parceria, num quase apego de não querer ir embora. Diachos, como eu gosto dessa mulher. E se os computadores perdem coisas, os corações não perdem nunca. Não perdem as lembranças desde o nascimento dos filhos que tivemos. Nossos filhos com cheiro de alecrim.

4 comentários:

  1. Independente dos decassílabos, da falta da máquina de escrever, do velho papel-carbono do lápis e da borracha, poemas são inspirados por sentimentos e estes fluem de almas sensíveis para reconstruir memórias e enaltecer vivências.

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  2. Parabéns, que sua alma de poeta capte e revele mais emoções aos que sentem e não teem seu dom da escrita

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  3. Traços inconfundíveis os de seus escritos. Muita beleza embutida nessas linhas nas quais você alia poesia às narrativas, aliás, algo constante nos seus textos revestidos de sua própria história, com uma linguagem precisa: inovadora, ao mesmo tempo que clássica. Uma garantia de marca de estilo, inclusive pelo uso da metalinguagem, um recurso do qual você lança mão continuamente. Mais um texto seu mais que especial.

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