a Luiz Carlos da Vila,
Rildo Hora, Sérgio Cabral (o pai),
à Estação Primeira de Mangueira
Rildo Hora, Sérgio Cabral (o pai),
à Estação Primeira de Mangueira
A um amigo online num grupo do whatsapp, de chofre, solicitei um mote para minha crônica semanal. Ele me respondeu que lhe pegara de calça curta. Excelente tema, exclamei. Um outro propôs “mais vale milicianos na mão do que uma embaixada nos EUA”. Recuperado, o primeiro emplacou “a valorização da família”. Um terceiro mandou juntar tudo e, sendo o meu coração um condomínio onde sempre cabe mais um, acolhi a todas as propostas.
Agora estou cá nesse engodo e o meu juízo não para de pensar na narrativa dos espetáculos de abertura e de encerramento da Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016. Nunca me identifiquei tanto com um discurso. Pareceu-me ver sorrir o tão sonhado dia de graça em que felizes poesias estão a brindar porque o mal foi cortado pela raiz, tal qual nos diz o samba “Por um dia de Graça”, do Luiz Carlos da Vila.
Já na cerimônia de abertura, propôs e praticou a tolerância entre os povos, o respeito a imigrantes. Foi a primeira das Olimpíadas a acolher atletas refugiados. Eles representaram uma nação plural, ecumênica. Fez-se “a porta aberta ao irmão de qualquer chão, de qualquer raça”. O discurso trouxe também a sustentabilidade ambiental com treze mil sementes de duzentas e sete árvores nativas plantadas em tótens ecológicos por todos os integrantes dos 207 países participantes. De cada palma de mão, um palmo de chão recebeu sementes de felicidade que hão de formar a Floresta dos Atletas. O plantio definitivo, porém, por involuções políticas, só começou três anos depois. Antes tarde do que nunca.
Se a abertura afirmou a diversidade cultural brasileira, o encerramento, embora com sofridas restrições do governo golpista à proposta original, foi uma festa da raça brasileira, uma quizomba multicultural. Talvez tenha sido a última realização da Política Cultural desenvolvida no Brasil de 2002 a 2016, quando foi golpeada. Uma festa linda que fez desfilar a diversidade das expressões de todas as regiões da Nação Brasileira. Inesquecível e sem fim, pois sua narrativa ficou em aberto, para sua proposta permanecer eterna.
Em vez de terminar, todos os presentes deram continuidade à festa ao se misturarem a todos os artistas num congraçamento universal. Todo mundo, em estado de graça, caiu na quizomba, em louvação, a sambar. Foi sim um dia de graça. Aquele encerramento não acabou! Ficou aberto feito o fraterno desejo sem fim de meu sorório coração em acolher com irmandade e igualdade, com respeito às diferenças, à diversidade, ao multiculturalismo, à sustentabilidade ambiental, enfim, com o melhor jeito brasileiro de ser.
Na transmissão pelas tevês, a câmera ao subir e abrir o plano para o infinito fez o mundo inteiro ver “o não chorar e o não sofrer se alastrando”, e ouvir ecoar o emocionado canto de todos na harmonia da festa, e entendeu a necessidade de um áureo tempo de Justiça ao raiar a Liberdade. Até hoje, tem gente, feito eu, a festejar. A Nação Brasileira mostrou ao mundo ser possível a Utopia que sonhamos.
Mas, pegos de calças curtas, já vivíamos num país sequestrado pelo mais vil dos golpes que deu força à ascensão do velho novo fascismo. Fascismo sustentado pela falsa moral dos que falam em vão o nome de Deus e se apoiam na força das quadrilhas milicianas, que assassinam no campo e nas cidades, que estão nos mais escusos negócios seja contra a agricultura familiar e pela ascensão da cultura do agroveneno, seja no tráfico de drogas, de minerais, de madeiras, de influências para encobrir o malfeito dos cúmplices e cometer impunemente crimes de lesa-pátria.
Em nome da valorização da família, promovem o discurso preconceituoso, punitivo, excludente, racista como pilares de sustentação da célula social matriz. O núcleo familiar é machista e de expressão misógina. No lugar da Educação, a vazia disciplina, sinônimo da cega obediência, que mata a criatividade e sangra a diversidade. Impõem a arma e a intolerância como política de segurança, saciam a fome da besta da morte, para eliminar a diversidade, o diferente, a igualdade. Usam a pedagogia do medo e se auto proclamam missionários e agentes de Deus a quem todos devem cega obediência e temor.
Ao líder chamam de mito para lhe conferir poderes acima dos mortais. Um mito que está a matar o melhor do Brasil: a Nação Brasileira e toda a beleza de sua diversidade cultural. O poder no planalto central e no sudeste tem sim a expressão de um mito. Mas tão louca e sombria quanto a expressão das pinturas de Goya em que Saturno (Cronos) - por temor que eles lhe tirem o poder - devora os próprios filhos.
Tão louco quanto a imagem do mito Saturno a devorar os próprios filhos é o desmonte dos direitos sociais fundamentais, da cultura, do trabalho, da sanidade do Estado Democrático de Direito, ora em curso no país.
Mais louca do que a alegoria pintada por Goya é a imagem real dos helicópteros do vil Witzel a matar a infância das crianças cariocas, numa tática de terrorismo de estado importada de Israel (que a usa contra as crianças e a cultura palestina), para impor às gerações o medo e assim conquistar a rendição e cristalizar o respeito à cultura opressora. Uma estratégia fascista que há muito desvirtua Israel e está colocada em prática aqui contra a Nação Brasileira.
Aqui, pois, no Brasil o mito tem sua mossad (a temida polícia secreta de Israel). Um poder também secreto, porém, criminoso, miliciano, a quem preserva a todo custo, pois vale muito mais do que uma embaixada nos EUA, porque é quem mata os filhos da pátria que lhe ameaçam o poder.
Tamanha é a insensatez de tudo isso, que às vezes sinto ameaçada a minha crença na humanidade; mas nas minhas discussões com Tupã, me ilumino ao perceber que para separar o joio do trigo precisamos deixar que ambos cresçam e se fortaleçam, pois a separação precoce mataria os dois.
É por isso que mantenho bem vivo em meu espírito o discurso do encerramento da Olimpíada no Brasil e torço para as crianças, feito no samba "Os meninos da Mangueira", de Rildo Hora e Sérgio Cabral (o pai), recebam de presente de Natal, em vez de arminhas, um pandeiro e uma cuíca e corram para organizar uma linda bateria, e que a velha guarda se una aos meninos e que todos, unidos, possamos transformar o passado, o futuro e o presente numa quizomba e que a Nação Brasileira seja definitivamente uma sociedade matriacal, e, como canta Estação Primeira de Mangueira, tenha a cara de Cariri, a sua liberdade tenha a força do Dragão de Aracati e que prevaleçam as vozes das Dandaras, Marias, Mahins, Marielles, Malês. Evoé!
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*Kelsen Bravos - professor, escritor, cronista, compositor, poeta, editor do Evoé!
Puxa, mano Kelsen: BRAVOS!! É lindo ver quem sabe fazer no manejo do que faz! Quanto mais releio estas suas palavras mais elas crescem em todas as direções, no sonho e na realidade, na validade da quizomba e no nada de quem zomba dela... Gratidão, meu estimado, por dividir com todos nós as sementes da sua genialidade! Evoé!
ResponderExcluirObrigado, irmão Tarcísio José de Lima!
ResponderExcluirSua leitura e opinião me importam muito!
O seu comentário me anima.
Evoé!
Como diria um grande amigo que hoje mora na lua (estatística da pandemia - Santiago). Kelsen você acertou o .. da mosca!
ResponderExcluirMeu caro amigo Euclides Themotheo, que bom ler comentário teu aqui!
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