quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

DILEMA - Chico Araujo*

Chegou e já avisou ao amigo que se encontrava em profundo dilema.

- Qual?

- Palavras.

- Palavras?

- Palavras!

- Pode explicar?

Faz alguns dias já. Mas aconteceu de repente. Eu estava com uma frase quase pronta, já ia registrá-la e, sem mais nem menos, ela me escapou.

- A frase...

- Não, a palavra que comporia a frase que por sua vez daria robustez ao texto.

- Por que não pôs outra? Há diversas maneiras de se dizer algo que se queira.

- Mas naquele instante somente haveria uma forma para eu declarar o que queria fosse declarado e para que assim acontecesse, na exata medida, sem tirar nem pôr, todo o pensamento plenamente ajustado, só com ela eu conseguiria. E ela estava ali, comigo, bem pertinho, mas de repente...

- De repente...

- ... de maneira inusitada desviou-se de seu rumo, embrenhou-se em outro destino, misturou-se em meio a outras disputantes daquela oportunidade e... sumiu... desapareceu de meu pensamento de tal maneira que até hoje não a encontrei. Esse fato, essa fuga tem me atrapalhado um bocado.

- Mas por quê?

- Porque como ela era a palavra exata, precisa, não existe outra para o seu lugar, então, o pensamento que existia, o próprio texto que escrevia não pode ter completude, não pode ter seu começo meio e fim. Começo ele teve e, de certa maneira, está em seu meio, mas não chegará ao seu fim, exatamente por causa dela, da fugitiva. Uma fugitiva a me afligir.

- Por que não tenta encontrar uma substituta no dicionário?

- Mas como? Se ela fugiu, se desapareceu ou mesmo se escondeu em algum lugar na minha cabeça entre tantas palavras e expressões coexistindo, como encontrar substituta? Simplesmente não sei nem mais qual era a palavra. O que sei é que ela era basilar, fundamental. Sem ela, necas de pitibiribas...

- Eis aí seu dilema.

- Sim. Não tenho como dar continuidade ao que escrevia, ao que pensava.

- Pois parte pra outra escrita.

- Seria uma alternativa; contudo, não tenho conseguido essa façanha, pois me persegue o desejo de encontrar a palavra ajustada. Tenho absoluta certeza – não mera convicção – de ter ela o significado essencial para o pensamento quase desenvolvido por completo. Sei da importância de tudo o que dizia. Os textos sempre precisam dessa característica: importância.

- Insisto que o melhor caminho talvez seja escrever um texto outro. Quem sabe não encontra no processo de escrita dele a fugitiva do anterior?

- Talvez tenha razão. Mas, onde foi se esconder aquela danada, a ponto de me deixar assim, prostrado, sem ação? Para mim vai ser difícil lidar com esse fato de não poder dizer aos possíveis leitores algo que me propunha dizer. Então, como dizer outro algo?

- Para seu próprio bem, será melhor tentar.

- ...
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*Chico Araujo (Sérgio Araujo) - publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Dilema" foi escrito no dia 31 de janeiro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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