quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Diálogo quase improvável (?) - CHICO ARAUJO*

 
 
Minha primeira visão foi a dele sentado à sua mesa de preferência, ao canto esquerdo de quem adentro o salão, tranquilo, bebericando o cappuccino de seu gosto, leitura de livro em andamento. Atento às linhas falando-lhe das páginas, um pouco se assustou com aquela chegada inesperada.

O elemento surpresa sobreveio revelando irritação e já depondo o paletó na cadeira a seu lado esquerdo. Enquanto se sentava, mesmo sem pedir licença ou ouvir qualquer convite para o ato, vociferou:

- Que coisa sacal! Fala-se, fala-se, fala-se e poucos entendem que precisamos fazer o que precisamos fazer.

- Boa tarde para você também, caro colega.

- Não me venha com gracinhas. Nem é uma boa tarde e sei que tampouco sou um colega caro para você. Deixe de sarcasmo comigo.

- Como sempre, irritado, nervoso. Está sempre no risco de um infarto ou de um AVC, tamanha essa sua predisposição ao desassossego, à irritação.

- E dá pra ser diferente? Parece que ninguém aqui entende nada de nada! A gente fala, fala, fala; explica, explica, explica... só pode ser má-fé...

- Tem certeza de que suas falas e explicações são bem fundamentadas para alcançar a aquiescência de seus interlocutores?

- Minha fala é bem mais simples que a sua. Uso palavras simples; só não me entende quem não quer. Então, é má-fé mesmo.

- Nunca lhe ocorre que onde há pessoas há pensamentos discordantes. Aqui, principalmente, onde cada um precisa pensar sempre sempre sempre nos outros, que não são poucos, tanto no que se refere aos dias de agora quanto aos dias que virão, toda e qualquer proposição, toda e qualquer decisão, todo e qualquer ato carece de ser bem sopesado.

- É... Você e seus seguidores gostam muito de falar isso. E nunca estão conseguindo nada. E pelo jeito não vão conseguir; tenho certeza de que já se deram conta das vitórias dos outros grupos contrários a vocês. E mesmo que façam parte das redes – e fazem –, vocês estão perdendo feio e vão continuar perdendo. Não vão emplacar nada que desejam, porque são poucos os que os acompanham, quando comparados aos que nos seguem. Estamos fortes, como jamais pensaram que seríamos. Ahhh, vocês não têm ideia do que fizemos para estarmos onde estamos agora, dizendo sim, quando na verdade dizíamos era não.

Em sua calma já cantada e decantada, o leitor até há pouco solitário, enunciou:

- Ações de puro cinismo. O grupo que o senhor está sempre defendendo, inclusive agora, para mim, o que é plenamente desnecessário, perda mesmo de tempo, é de um sarcasmo, de uma zombaria que contundem. Não tarda, contudo, o dia em que todos os feitos serão revelados.

Em resposta, recebeu a reprovação, acompanhada da revelação cristalina, quase condenatória:

- Tão infantil! Nunca ouviu falar de blindagem? Nunca? Muito lentos vocês todos. E míopes. Aliás, vocês fazem parte exatamente daquela parcela de pretensos defensores do tudo para todos que mais me causam intenso mal-estar. Chega a doer. Asco total! Tenho profunda aversão a vocês e às ideias que tentam fazer valer.

- Por que mesmo?

- Parece que há um desejo latente no senhor em ser cínico! Hehehe... Olhe, não se finja de calmo, que isso é desastrosamente irritante. Parece que quer ser superior a mim, que está acima de mim. Poupe-me de seu escárnio controlado.

- O senhor me conhece e sabe que não sou disso.

- Sei... Vocês estão sempre defendendo a bandeira de que se deve pensar nos outros, ou melhor, em todos. Isso é impossível. Impossível! Todo mundo quer mesmo é defender o seu, que nessa sociedade o importante mesmo desde sempre é não ficar por baixo. Todo mundo luta pra não ficar por baixo e vocês ficam querendo impor essa ideia absurda de que se houver mais igualdade será melhor. Melhor pra quem? Balela. O melhor é ser o melhor. O melhor é não ficar por baixo.

- Vossa Excelência – será mesmo que posso tratá-lo assim? – já é uma pessoa de idade e faz muito tempo que transita por aqui, não é mesmo? Sabe perfeitamente que a vida de muitas pessoas fica na dependência do que se faça aqui, depende de decisões nossas em favor de melhorias de vida para elas. Em contrário, daremos sempre a elas o caos.

- Qual caos, qual nada. Vocês sempre com essa ideia fixa de catástrofe, sempre querendo que todos sejam iguais. Quando vão entender que isso não existe? Não há igualdade na sociedade em que vivemos. Vocês sonham demais, são românticos demais.

- Creio que exatamente não somos tal qual vocês são.

- Romântico. Sonhador.

- Diga-me uma coisa, por que resolveu se envolver com esses trâmites de representação popular?

- Representação popular? Tá maluco? Esse negócio aí de representação popular tem a ver é com vocês. Aqui se defendem interesses. Nem sempre populares, embora algumas vezes também, porque também se precisa de festa. Mas aqui são defendidos interesses e o senhor sabe bem disso. E fica querendo, junto com seus pares – acho é graça! – insistir nesse negócio de representação popular. Eu, aqui, claramente, defendo interesses.

- E de quem são esses interesses?

- Ora, de todo o meu povo!

A exclamação foi seguida de sonora gargalhada. Depois dela, o breve silêncio enfatizou os olhares fixos, densos e resistentes em ambos. Com sua calma vencida, aquele homem que se sentara para um ligeiro descanso ao sabor de café e boa leitura, quase em desalento, perguntou:

- E quando foi pedir votos o que realmente queria? Não era representar os votantes? Eles não são pessoas a quem se deva respeitar, ouvir, atender e satisfazer?

- Claro!!! E faço muito bem isso, sabia? Mas tudo depende dos interesses...

Sem qualquer gargalhada, mas com olhar fixo e ameaçador, aquele elemento chegado de maneira inesperada levantou-se, pegou o paletó, deu as costas ao oponente – este visivelmente agastado – e seguiu pelo corredor, sem qualquer pressa. Talvez não tivesse, naquele instante, nenhum interesse a defender. Ou maquinava a próxima ação a ser posta em prática...
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*Chico Araujo (Sérgio Araujo) - publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Diálogo quase improvável (?)" foi escrito entre os dias 7 e 12 de dezembro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...





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