quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Babel. - CHICO ARAUJO

Tenho refletido com frequência que muitas redes sociais são exemplo contemporâneo da bíblica “babel”, principalmente a que se estabelece pelo uso do aplicativo WhatsApp.

Quem é usuário do WhatsApp seguramente já vivenciou momentos de informação seguidos, em imediato, de contrainformações. Vamos a um exemplo: alguém faz chegar ao celular de um amigo / conhecido a informação de que não se deve ir a uma determinada rua ou avenida porque se encontra em obra de recuperação do pavimento asfáltico; quase imediatamente outro alguém envia mensagem informando que a rua ou avenida já se encontra novamente trafegável, porque os reparos foram feitos na semana anterior. Porém, uma terceira mensagem chega: “O serviço feito na semana passada não deu certo, o buraco abriu de novo, o trecho tá fechado de novo, não dá pra passar por lá”.

E agora, em quem acreditar? Qual a mensagem mais crível e fiel? O recebedor das informações resolve consultar algum jornal para descobrir se nele há alguma notícia sobre o assunto, mas não encontra nada, simplesmente nada a respeito. E então, ir ou não ir por lá? É o único caminho que possibilita chegar onde se deseja? Pode-se buscar outro trajeto? As interrogações se impõem, deixando a certeza de que as mensagens enviadas não foram confiáveis.

É também comum no WhatsApp o envio de imagens estáticas e em vídeos, sem qualquer datação. E são envios tantos que alguns iguais chegam a um mesmo destinatário em dias diferentes. O destinatário, então, sabe que aquele próprio material – de forma estática ou dinâmica – lhe chegou antes por envio de algum outro amigo / conhecido, contudo não consegue, muitas vezes, nem se lembrar de quem veio e quando. 

Nessa época de confusão político-social na qual vivemos, essas mensagens geradoras de imprecisões e contradições se multiplicam rapidamente. No que se refere às questões políticas, não tem sido incomum a replicação de falas, depoimentos, frases “soltas” de políticos e outros agentes sociais próximos a tais questões. É um replicar, nesse caso, para manter acesa na memória das pessoas algo que culpe ou absolva fulano ou beltrano, sendo fulano ou beltrano causador de ojeriza ou de simpatia – no emissor; porém, o passar do tempo retira da consciência das pessoas o momento histórico, anulando, portanto, o contexto natural e fundamental para qualquer posicionamento equilibrado relativo ao que foi replicado, servindo mesmo para expor certa tendência de posicionamento e buscando, francamente, influenciar aquele que seria o destino da mensagem enviada.

Esse revelar de posicionamento – indiscutivelmente natural e plenamente aceitável em uma sociedade livre – nem sempre é bem acolhido entre os participantes de uma mesma comunidade de amigos em rede social estabelecida no aplicativo. Não há qualquer problema, então, em se discordar do emissor da mensagem. Não haveria! Não deveria haver! Entretanto, não poucas vezes, uma postagem acirra os ânimos e impulsiona raiva e ódio represados em alguém destinatário da comunidade. Em sendo esse alguém não singular, mas plural, instaura-se certo conflito entre os enredados, a ponto de acontecerem desentendimentos tão profundos cujas consequências se tornam imprevisíveis.

Às vezes, insultos são trocados. Noutras vezes, ameaças são feitas. Noutras, ainda, brota o entendimento de que aquele amigo não é tão amigo assim quanto se pensava, não merecendo ele estar entre aqueles amigos de fato. Pronto: a única solução é a saída daquele grupo. Saiu.

Pondo foco a questões de caráter social: na quinta-feira passada, dia 03 de agosto, devido ao incrível acidente automobilístico ocorrido aqui em Fortaleza, na Av. Engenheiro Santana Júnior, recebi, pelo WhatsApp, por variados amigos, fotos e vídeos do fato sinistro. Fotos e vídeos foram todos completa e precisamente coincidentes, o que atestava a plena veracidade do ocorrido; no entanto, houve informações distintas quanto a horário, veículos envolvidos e pessoas feridas ou em óbito. Imprecisões como essas costumam gerar desinformações e, muitas vezes, motivam aflições e angústias.

Na sexta-feira, dia 04 de agosto de 2017, começaram a circular, no turno da manhã, informações de que não se deveria trafegar por algumas regiões da cidade, destacadamente pelo bairro Aerolândia, principalmente pelo Lagamar e, ainda, pela Rodovia Santos Dumont (BR. 116) – no trecho próximo aos lugares logo acima identificados, por conta de ações de conflito envolvendo facções criminosas em disputa por domínio de território.

As informações se comprovaram verdadeiras, embora com versões distintas durante o transcorrer do dia, algumas ampliando os lugares onde os conflitos estariam ocorrendo, outras reduzindo os espaços das ações criminosas. Postagens mostravam supostas fotos dos conflitos, postagens mostravam suposto vídeo de um dos grupos formado por pessoas fortemente armadas jurando de morte um componente do outro grupo.

O vídeo se comprovou verdadeiro; contudo, as imagens nele mostradas não eram daquele dia, havendo sido feitas no horário da noite dias antes, segundo disseram algumas pessoas que o viram, baseadas supostamente em informações colhidas junto a policiais amigos.

De tudo isso, o que resgato como mais relevante é a atitude de se estar sempre em alerta quanto às postagens enviadas e recebidas pelas redes sociais, acentuadamente pelo aplicativo WhatsApp. As muitas falas que por elas ocorrem tratam de questões tão diversas e tantas vezes dispersas a ponto de não conciliarem os diálogos, as ideias, os pensamentos. De certa maneira, é como se as pessoas que se falam nas redes se expressassem em “línguas” e “linguagens” tão diferentes as quais impossibilitariam a comunicação, o entendimento entre elas.

Reflito como se, contemporaneamente, em uma época dita como de informação e comunicação, uma nova Babel estivesse afastando as pessoas, diluindo as comunidades, dissolvendo os povos.

Tomara que esteja eu completamente equivocado.

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Chico Araujo publica toda quarta-feira no Evoé! A crônica "Babel" foi escrita no dia 5 de agosto de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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