"Importa, mais do que a própria guerra,
quem estará na trincheira ao teu lado.(livre adaptação de trecho do livro
Adeus às armas, de Ernest Hemingway)
quem estará na trincheira ao teu lado.(livre adaptação de trecho do livro
Adeus às armas, de Ernest Hemingway)
Esperei um tempo para publicar esta crônica neste 1° de julho de 2018. Tempo de curtir o aniversário de meu pai. Noventa anos. Eita! Nove décadas cumpridas em superação de muitas tribulações, sempre enfrentadas de forma intimorata e também insólita! Intimorata, porque, com destemor, muito cedo tomou a decisão de ir à guerra.
Sim! Meu pai é um ex-combatente da Segunda Grande Guerra Mundial. Quase adolescente embarcou no Cruzador Bahia que integrava a Força Naval do Nordeste, principal contribuição brasileira na Campanha do Atlântico. O histórico Cruzador Bahia cuja participação na Revolta da Chibata foi crucial, era sim uma embarcação de intimoratos.
Meu pai, pela tenra idade de seu engajamento militar, formou-se, podemos dizer assim, na Paideia bélica. Foi cumprir uma missão cheia de incerteza da volta. Mais do que sua própria vida, era a causa por que que lutava. Sua causa era a defesa do Brasil. Cresci a ouvir dele a afirmação de jamais deixarmos nosso Brasil ser uma Nação invadida, sobretudo, em situação de guerra. Daí sua vida ser menor do que a causa por que lutava. Ou melhor, era a própria razão de ser do combatente. Defendia a Nação Brasileira longe de seu território. A missão maior era livrar os lares nacionais do vilipêndio de uma guerra.
Nessa Paideia - não podia ser diferente, o carpe diem cristalizou-se em seu espírito de tal forma que assim vive a viva também em tempos de paz. Paz que ele ajudou a se cumprir. Na paz, ele tomou gosto pela literatura e a música, as mais boêmias das expressões, segundo ele. Continuou a lutar pela paz nos lares, a paz social, a da justiça, pela igualdade.
Além de intimorato, seu espírito é insólito. Não foi fácil a sua vida na caserna. A disciplina militar era uma afronta a seu espírito rebelde. Aprendeu a se defender e encontrou refúgio na cultura, na formação ampla, técnica e estética. Moldou seu espírito pela defesa da Justiça e não deixava barato nenhum desmando superior. Especializou-se na engenharia elétrica, conhecimento fundamental numa embarcação. Conquistou o oficialato, sempre com postura igualitária no trato entre as pessoas. "Meu filho, retirado o poder hierárquico da farda (uma formalidade), somos todos iguais. Trate sempre os outros de forma digna de modo a olhar no olho sem ninguém baixar a vista. Você conquista isso sendo justo. Seja justo com você mesmo e com os outros da mesma forma. Não dê seu pulso para ninguém pegar, nem deixe ninguém montar no seu pescoço: estude e aplique seus conhecimentos em favor do bem. Viva com prazer e preserve sua liberdade." Esses são os princípios de meu pai dedicados aos seus. Ele sabe como ninguém o preço de ser insólito, há sempre muita inveja e conspiração.
Pois nem o tempo aquebranta o espírito de meu pai. Ele está limitado em sua mobilidade, em sua capacidade de realização (porque depende do auxílio de outras pessoas), mas não na decisão do rumo de sua própria vida, do seu querer, da sua grata teimosia em ser livre e feliz. A imaginação voa, os olhos exultam, a vontade deseja, mas o corpo não corresponde a intensidade do espírito, a vida lhe ensinou, entretanto, a navegar em mares perigosos, de densos silêncios, prenhes de suspenses, refém do imponderável a cada segundo, sem garantias do amanhã, precisa ser muito resiliente para lidar com esse clima em que o tempo parece estancado, tudo em volta se apresenta em câmara lenta porque os sentidos estão a mil. Tempo, Tempo, Tempo. Assim cumpriu até agora nove décadas.
Tempo do velho marinheiro sempre a aprender com as novas circunstâncias impostas pela vida, para ele, um oceano de convivência, que já foi pleno de perigos e abismos e mistérios, que hoje, em tempos de calmaria, espelha o céu e nos emociona. Sim estou a parafrasear o poema Mar Portuguez, da obra Mensagem de Fernando Pessoa, porque meu pai pediu para relermos juntos, para reafirmarmos: "Quem quer passar além do Bojador/ Tem de passar além da dor".
Parafraseio também Gilberto Gil, quando afirmo que a meu pai, a família, o Cruzador Bahia e a Vida já lhe deram régua e compasso. Com esse conhecimento, ele nos ensina a navegar. Sei que estamos todos nós preparados a singrar por mares nunca dantes navegados. É infinito nosso tempo, por isso como ele costuma dizer, vamos, sempre unidos, navegando pelo tempo, tempo, tempo... Evoé!
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*Kelsen Bravos - professor, escritor, compositor, editor do Evoé!
É, meu querido Kelsen Bravos, o tempo nos faz - ou não - bons navegadores. Sei que seu Pereira preparou sua descendência para as dificuldades das "marés" e para as "calmarias" do extenso "mar" que pode ser a vida de cada um. Evoé! E sabemos: "navegar é preciso".
ResponderExcluirBelíssima homenagem a seu pai.
Uma honra navegar a teu lado, Meu Caro Amigo Chico.
ExcluirMeu Caro Amigo Chico, meu irmão. Navegar é preciso, viver é um navegar de surpresas. Precisamos bem mais do que técnicas precisas, pois viver não é preciso, assim também o são as relações humanas. Temos de ser justos de paz para conviver com os demais a fortalecer mutuamente a dignidade.
ResponderExcluirLindo como sempre. Deixando meus olhos cheios de mar como sempre.
ResponderExcluirPois então Kelsen nos brinda com un texto feito de reminiscências. Algo assim rebuscador do passado de seu honrado pai, o Tenente Pereira. Honra-me fazer parte desse abecedário cada vez mais desafiador. Ave! (Túlio Monteiro).
ResponderExcluirEita! Saudade plena de silêncios!
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