sexta-feira, 13 de abril de 2018

I de Imagem, ironia, internáufragos, "influencer" e outros is - Kelsen Bravos*

Eita! Esses dias intensos a nos inquietar!

É como se estivéssemos a nadar em turbulentas águas, onde é difícil manter o pescoço acima da superfície. Mal se respira bem. Tem-se de ter cuidado ao inspirar, para não se engasgar ou encharcar os pulmões com o que vem junto do ar. Velocidade e intensidade instintivas. Tudo é urgente. Pensar e agir, num vapt-vaput. Nada de reflexões. Sem essa de verticalizar assuntos, pesquisar, ponderar, ler mais, filosofar, dialogar, gerar ideias e linhas de raciocínios. Inútil guiar-se pela luz da ciência. Arte?! Nada disso! Para se formar opinião, basta imergir no mar de informações da base de dados que nasceu googol e depois virou google, por erro ortográfico.

Googol designa uma quantidade indicada pelo número um, seguido de cem zeros (10¹°°). Tal índice, suponho, era só o princípio da quantidade de dados que um simples clique acionava... Foi o acaso de um erro de digitação, por fim, quem definiu a - talvez - palavra mais cogitada, mais inquirida e internetizada do mundo: Google.

Irônico o nome final da maior base de informações de referência da Internet ter sido definido por um erro. Isso põe em xeque tudo quanto se pode afirmar com certeza. Só nos confirma a imagem de um turbulento mar de incertezas. Nele, ante a aparência mais consistente, o internáufrago se apega como a uma boia. Uma boia, por mais efêmera que seja, permite-lhe um fôlego extra, é esperança de sobrevivência.

Vale também fazermos outra inferência a partir do surgimento do nome Google. Quem definiu por batizá-lo assim, fê-lo por ter-se criado um neologismo de forte apelo identitário cujo significado hoje encapsula a informação infinita de dados, muito além de 10¹°°. Aquele erro ortográfico gerou uma poderosa opção de marketing, tão bem sucedida, que transformou, para muitos, uma base referencial de dados em uma definitiva fonte de informações primárias (que ironia!).

A bem da verdade, o google cumpre o papel daqueles antigos arquivos de biblioteca, onde estão as fichas catalográficas do acervo local aos quais até o mais experto consulente recorre para localizar nas estantes as fontes (livros, revistas, artigos...) do tema de seu interesse. Vejam bem: o google não é um conteúdo propriamente dito. Ele, apesar de ser o mais poderoso arquivo referencial de fontes, apenas indica os locais onde estão os conteúdos almejados.

Mas nos turbulentos e impacientes dias de hoje, os insofríveis internáufragos se contentam com a rasa informação indicativa do mais poderoso "arquivo catalográfico" digital do mundo, como se a rasa informação fosse a da fonte definitiva. Daí podemos supor a imensurável falta de senso crítico no contexto vigente.

O contexto acrítico se fortalece na futilidade do mundo descartável, mutante, camaleônico e superficial. Surgem então conceitos e gostos efêmeros, cujo pensamento tem a profundidade de um pires, o suficiente para o rápido fôlego tomado em turbulentas águas. A pressa dessa realidade favorece ao pensamento liberal cujo alimento é o consumismo desenfreado, quanto mais descartável, fútil e acrítico melhor. A mídia liberal cuida de potencializar essa superficialidade, em fetiches e fantoches, gerando um fútil mundo de aparências.

Nesse mundo de aparências, a ostentação vale mais do que o lastro. Vejam bem: o lastro pesa, é um risco para o internáufrago em águas turbulentas. Daí o melhor caminho é estar no topo, na superfície. Nada de profundidade. Na Internet, estar na crista da onda, é atingir um topo de acessos (via streaming) e virar referência na blogosfera-cibersfera.

Uma estratégia, para ampliar o número de fiéis seguidores, é saber dar (des)orientações, dicas, que não lhes canse a mente, apenas os estimule a seguir e fazer a efêmera "vibe" da hora. É só promover um monte de lugar-comum, por exemplo, dizer que a culpa da violência e da insegurança é dos direitos humanos. Se consegue aliviar os seguidores da obrigação de pensar, aí vira uma referência e pode chegar a ser uma celebridade, ter milhares de seguidores e virar um "influencer".

Por ter seguidores aos milhares, a liberal sociedade de consumo assedia o "influencer" e paga para ele ditar o gosto que ela quer impor. E, como ninguém tem mesmo senso crítico, "se o tal diz que é, é porque é e tá valendo".

A superficialidade se impõe até em investigações e julgamentos e ameaçam a calmaria das águas do Estado Democrático de Direito. O maior exemplo está na convicção - sem provas! - das acusações contra o presidente Lula que foram demonstradas em pireslescas informações de um "influente" power point e foram acatadas pela convicção afim do pré-juízo de Curitiba.

Eu mesmo, se não estivesse tão a nadar em turbulentas águas, onde é difícil manter o pescoço acima da superfície, pararia para botar sentido em certas coincidências. Por exemplo, Marielle Franco, expressão feliz do conceito gramsciano de intelectual orgânico, uma liderança das mais importantes, ser assassinada. Na sua ausência, surge um jovem pastor (do mesmo partido de Marielle), com argumentos contundentes contra a ameaça ao Estado Democrático de Direito. Vejo também sendo urdida uma liderança funk - já com sotaque bem pop. Ambos, sinto, vão ocupar parte do vazio deixado por uma intelectual orgânica com a interferência ou não da mídia liberal. O liberalismo faz de tudo para destruir a imagem de uma liderança orgânica. Talvez o alvo nem seja o vazio deixado por ela.

Marielle Franco não tinha a longa estrada de Lula, outro intelectual orgânico. Mesmo assim tentam destruir a imagem dela, que infelizmente não pode se defender. São uns covardes. Nunca serão vencedores, pois são violentos. A violência como argumento é a expressão dos derrotados. Não sabem o quão indestrutível é a imagem de um intelectual orgânico. Por isso Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo na prisão, é livre e está lhes impingindo a pior das derrotas, a sua imagem cada vez mais cresce em importância, em expressão, em substância e em quantidade, em qualificada quantidade! Evoé!

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*Kelsen Bravos - professor, escritor, compositor, editor do Evoé!

5 comentários:

  1. I de intolerância caríssimo escritor. I de invisível também..I de ignorância..e muitos is a serem comentados, mas INTELECTUAL ORGÂNICO.. é demais pra minha mente insignificante...

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    1. O título da crônica refere "outros is". Quanto a tua supermodesta - até depreciativa - auto-referência de "mente insignificante...", leia Gramsci. Tu entenderás os conceitos de "estrutura" e "superestrutura", de "orgânico" e "tradicional", entre outros. É uma boa leitura. Podes começar pesquisando fontes no Google. Depois vá a elas (as fontes). Tu vais gostar muito, asseguro-te.

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    2. Não me venham com "interneteis"...e os Google da vida...e a modéstia está longe de ser uma virtude...mas pra combinar com o abecedário...ironias sempre são... sarcásticas...

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  2. Indelével, caríssimo Bravos - criatura doce repleta de profundas bravuras.

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    1. Meu Caro Amigo Chico, já disse e repito, você me inspira e ensina muito, meu irmão querido!

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