domingo, 25 de agosto de 2013

Escalada até a Pedra do Descanso - Bica do Ipu

No início dos anos de 1990, eu ministrava aulas na sede do município de Ipu. Um dia, a fim de fugir do calor de uma tarde muito quente e modorrenta, bem típica das cidades ao pé de serra, resolvi subir até a cachoeira imortalizada por José de Alencar no romance Iracemapublicado pela "Tipographia Viana & Filhos", em 1865.


Na subida até base da Bica do Ipu, fui sentindo o clima esfriar. Parecia estar entrando em um imenso refrigerador. A bica cai do alto do Pico Angelim, na Serra da Amontada, a 130 metros de altitude, por uma formação rochosa também conhecida por "Despenhadeiro da Morte". Fica no início da Chapada da Ibiapaba, pelo oeste cearense.

Ao chegar divisei, vários conhecidos, entre colegas professores e alunos. Já na conversa solta, ao olhar para a bica, observei algumas pessoas lá no meio da imensa parede da encosta por onde caía a cachoeira do riacho Ipuçaba. Curioso, perguntei como elas chegavam até lá.


A fenda na pedra, acima dela a trilha da Lasca da Velha.

Descobri haver dois caminhos, um era a trilha da Lasca da Velha, uma via de pedra, aberta pelos indivíduos da Nação Tabajara. A descoberta do outro começou com a resposta de um aluno: "Por aqui, professor, é fácil. Vamos que eu mostro como chegar até lá." Nem pensei duas vezes, fui.

Escalei o paredão da queda-d'água da Bica do Ipu, orientado pelo aluno de nome David. Faço isso de novo não. Só em pensamento, se muito.

Ele ia à frente a me orientar onde havia pedras soltas. Enfrentamos a subida e, de vez em quando, ficávamos debaixo da água da cachoeira trazida pelo vento. Uma água fria, forte que, por vezes, se demorava sobre nós. Essa demora, somada ao ar rarefeito da altitude do Pico Angelim (130 metros) era sufocante e, de início, me causou uma forte tensão. Depois aprendi a proteger a cabeça entre os braços, utilizando o paredão como amparo. Essa posição criava um nicho, um bolsão de ar onde podia respirar com certa tranquilidade...

Hoje, viver tal aventura, só em pensamento.

... Escalamos o paredão até chegar à Pedra do Descanso, para além da qual não há condições de subida sem auxílio de equipamentos (cordas, cintos de segurança, martelo e pinos para suporte da corda). Além dos óculos, eu apenas trajava calção de banho, camiseta e chinelas havaianas que serviram de proteção para os cotovelos. Tão logo chegou, o meu guia voltou. Fiquei só.

Na Pedra do Descanso, vivi o melhor e o pior momento da aventura. Dela pode-se ver o sertão, a amplidão do horizonte. É muito bonita a vista de lá. O som é magnífico. Ouve-se o vento, os pássaros e o cair da cachoeira. Vários são os sons dessa gelada, doce, perfumada e vertiginosa queda-d'água. O bater das águas na pedra levanta um véu de gotículas, logo espargidas pelo vento. Experimentei um arrebatamento, senti-me voando. A altura é vertiginosa, estonteante. A soma de tudo provoca uma completa e inesquecível sinestesia.


Na hora de voltar, foi que me dei conta de que, para chegar até a pedra, precisei dar um pequeno salto a fim de vencer a fenda entre a base à qual se chega pela subida e a Pedra do Descanso.


A Pedra do Descanso é um mirante natural. De forma larga e horizontal bem acentuada, sobressai perpendicular ao paredão vertical, daí servir de pouso ao escalante. Mal comparando, seria como uma varanda de uma, digamos, cobertura.

Pois bem, ao querer voltar me dei conta de que a pedra de onde saltei era bem menor, e estava molhada. Qualquer erro seria fatal. Se pulasse com uma força superior à necessária, eu cairia. Se, ao pousar do salto, o fizesse com muita firmeza, eu escorregaria (a pedra estava molhada) e cairia. O meu salto de volta teria de ser muito preciso. Deveria ser executado de tal modo que desse para me segurar nas fendas da parede e não escorregar. 
A Bica do Ipu cai de 130 metros.Fonte: Wikipedia.

Percebi que se me demorasse mais elucubrando, eu travaria. Consegui me tranquilizar afirmando que se o David, que me orientou na subida, conseguira voltar sem mais problemas, e, assim como ele, vários aventureiros já haviam feito isso sem erros, comigo não seria diferente.

Respirei fundo e me impulsionei. Uma de minhas pernas derrapou um pouco, não lembro qual; o que me fez segurar mais firme nas fendas da parede. Respirei um pouco e comecei a descida. Desta vez torcendo para que o vento trouxesse parte da ducha da cachoeira para cima de mim. Desejo atendido, a água gelada foi um unguento para o cansaço. Um prêmio. Estava sentindo calor em pleno frio.

Na descida vi o quanto de pedras soltas havia no caminho. Na subida, são um risco maior. O escalante poderia se apoiar numa delas crendo estar firme, o que poderia ocasionar um acidente. Chegou um momento  da descida que ficou só cansativo, exige muita atenção e as possibilidades de escolha são mínimas. Tive de exercitar a paciência, não adiantava ter pressa. Mais um aprendizado.


Ao chegar, avaliei o caminho da escalada e da descida. Uma sensação de conquista e despedida. Hoje é proibida a subida, o acesso até pontos muito mais baixos é rigorosamente negado. Bela decisão. Não é uma aventura segura.


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Post associado:
A TRILHA DA LASCA DA VELHA

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