quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Conversa - CHICO ARAUJO*



- Como começo este texto?

- Rsrsrsrs...

- Por que o riso?

- Ora, por causa da pergunta que fez. Rsrsrsrs...

- Aceito. Mas, como começo esse texto?

- Você não vai gostar da resposta...

- Mesmo que não goste da resposta, ainda espero por ela.

- Tá. Pela primeira palavra... Rsrsrsrs...

- Tá de gozação comigo, né?

- Eu disse que não ia gostar da minha resposta, mas você insistiu.

- Pensei que seria pelo menos educado...

- Não fui deseducado. Respondi em atendimento ao seu pedido, insistente, por sinal.

- Insisti porque acreditei que você responderia no mínimo com elegância. Não é característica sua a inelegância, a agressividade.

- Não fui deseducado nem deselegante nem agressivo. E você parece ainda não ter percebido o óbvio.

- Não percebi o óbvio? Por que não me ajuda, então, se estou com dificuldade de compreender sua obviedade?

- Estou lhe ajudando desde a primeira resposta que lhe dei. Tem mais: a obviedade não é minha, não a estou criando, ela existe, mas você não a está vendo.

- Então?

- Você já o começou. Desde quando me fez a primeira pergunta.

- Como assim?

- Olhe para cima. Quando você me perguntou Como começo este texto?, você o começou.

- Simples assim?

- Simples assim. A grande questão para você, agora, é decidir como vai prosseguir, qual será a palavra e a frase que virão na sequência, sem desconsiderar o fato de que tudo o que se diz é contextual, depende mesmo das situações que viabilizam o processo comunicativo. Percebe que a progressão está em andamento?

- É, acho que estou lhe entendendo e começando a ver o que preciso ver. Mesmo assim, arrisco: posso mesmo começar um texto com uma pergunta?

- Por que não poderia?

- Sempre soube que existem maneiras específicas para se começar um texto; também que se deve usar uma linguagem igualmente exclusiva para que ele seja construído. Tenho certeza de que já conversamos algumas vezes sobre isso.

- Sim, já conversamos muitas vezes sobre isso e estamos conversando de novo. Tenho meu ponto de vista formado há muito tempo, já tivemos alguns debates quanto a ele, mas parece que não chegamos à concordância, embora esse meu posicionamento seja, sem dúvida, de seu conhecimento. Não sei por que ainda estamos retornando a esse tema. Será que ainda não tomamos consciência do que pensamos exatamente a respeito do assunto?

- Honestamente, sei que concordamos. Em verdade, fiz a primeira pergunta em provocação.

- Provocação?

- É, provocação. Para que desse a conhecer, mais uma vez, como pensa. Acho importante o posicionamento que tem. Importante porque válido, não por se constituir como a verdade, mas por se constituir como uma verdade válida. Mas vamos voltar ao princípio, já que começamos a nos encontrar, mas mudando um pouco a questão: Como alguém pode começar um texto?

- Insisto, de forma redundante: um começo de texto pode ocorrer de muitas maneiras: com diversas palavras, ou expressões, em sequência linear, com inversões, perguntando, afirmando, referenciando... Um texto começa de acordo com o desejo e com a necessidade de seu autor, embora este fique sempre condicionado a contextos específicos, orientando a necessária progressão.

- Ou seja, posso dar início a um texto meu pondo a palavra que eu quiser...

- É exatamente como penso, mas destaco um detalhe importantíssimo: as palavras e expressões que utilizamos em nossas falas são contextuais, situacionais; então, tudo o que utilizar em texto que crie precisa estar bem relacionado, adequadamente interligado, para poder expressar os sentidos, os significados desejados.

- Nem todo mundo pensa assim.

- Eu sei. Me parece mais razoável não tentar impor fórmulas a quem deseja se expressar. As pessoas não são iguais, não pensam de maneira única, não vivem de um mesmo jeito, não possuem as mesmas oportunidades, quase nunca conseguem os mesmos patamares já alcançados por outras. Se há diversas condições culturais, sociais, econômicas, educacionais, por exemplo, envolvendo as pessoas, como querer impor-lhes a exigência de uma única escrita, de uma exclusiva forma de expressarem-se, de um privilegiado viés na produção dos textos tantos que realizam cotidianamente? No segundo período acima, escrevi “Me parece”. Estou errado? Estou certo? Por qual parâmetro posso fazer esse julgamento?

- Tudo isso para se pensar, não é? Né?

- Sim, tudo isso para se refletir a respeito. O “sempre” “nunca” deveria ser imperativo!

- E agora, uma nova pergunta, também como provocação (estou me repetindo?): Como termino um texto que eu esteja mesmo querendo concluir?

- . ! ... ? ...
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*Chico Araujo (Sérgio Araujo) - publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Conversa" foi escrito entre os dias 22 e 28 de novembro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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