sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Lobato, o racismo e o politicamente correto

Vejo um oba oba enorme sobre o racismo declarado de nosso querido Monteiro Lobato. Sim, o nosso (porque é meu, teu e vosso) querido Lobato, sim: ele era racista! Um eugenista da mais fina cepa. Isso é fato. A hipocrisia de muitos afirma em defesa de Lobato que não se pode considerá-lo racista por conta da época em que viveu, quando tal ideologia era socialmente aceita e científica - e equivocadamente! - justificada. Ora bolas! Preconceito, racismo, não é um conceito temporal, é um equívoco moral em qualquer época, portanto. Que fique bem claro, não só Monteiro Lobato, mas o Brasil é racista e preconceituoso. Negar esses fatos racistas é não querer dirimi-los, resolvê-los, vencê-los e mudar para melhor.

A eugenia lobatiana, digamos assim, associa-se ao conceito de superioridade cultural europeu, que impunha (cabe também o termo empunha no lugar de impunha) a ideia de que os demais povos são subdesenvolvidos por causa da inferioridade racial, razão "inconteste", segundo seus arautos, do domínio geopolítico europeu, alastrada pelo darwinismo social, em que predomina a lei do mais forte.

Parte do eugenismo bandeou para o nazismo com seus extremos experimentos laboratoriais de melhoria da raça. A opção de Lobato é, no fim das contas de quem a analisar, o aprimoramento social, portanto, não se aparta da cultura e tem na literatura um fator de aprimoramento social, daí sua célebre máxima: "Um país se faz com homens e livros!"


Para encurtar esse empurrão para uma boa briga, afirmo que o principal livreto eugenista de Monteiro Lobato, segundo sua máxima de que um país se faz com homens e livros, é o romance de ficção científica O presidente negro ou o choque das raças cuja trama se passa nos Estados Unidos no ano de 2228. Nele nosso amado autor, responsável pelo primeiro encanto da leitura de muitos, apoia a narrativa com o seu ideário racial. As considerações que faz referem a América e a composição incipiente da nação brasileira e da nação estadunidense, cujo erro fundamental de ambas foi trazer o negro para o novo continente quando ele deveria ter permanecido na África .

[Aliás, ressalte-se que a eugenia marcada pelo tal "aprimoramento" social está presente também em O admirável mundo novo, de Aldous Huxley, publicado quatro anos depois de O presidente negro, de Monteiro Lobato.]

A época de Lobato foi marcada pelas discussões eugenistas. Um dos a quem Lobato fez contestações foi o diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Batista Lacerda, cujo postulado advogava que a população brasileira evoluiria com o branqueamento futuro a acontecer até o início do século XXI (Vejam bem! Evolução para ele significava "branqueamento"!). Contrário à miscigenação, Lobato explicita em O presidente negro que a "nossa solução foi medíocre. Estragou as duas raças, fundindo-as. O negro perdeu as suas qualidades físicas de selvagem e o branco sofreu a inevitável penhora de caráter." (Observem as qualidades de cada raça para o autor mais querido do Brasil.)

No decorrer do livro O presidente negro ou choque de raças, Lobato desfia um rosário de abjeções contra, sobretudo, a mestiçagem. Coisas como um processo artificial de branqueamento que deixa os negros "horrivelmente esbranquiçados", uma grotesca "despigmentação" que lembra, segundo ele, "um pouco desse tom duvidoso das mulatas de hoje que borram a cara de creme e pó de arroz".

Capa da edição argentina, 1935.
Ainda sob o abrigo da ficção, ele afirma que os Estados Unidos optaram por uma melhor solução, que foi a segregação, e propõe uma saída eugênica para o Brasil: a criação da excelsa República Branca do Paraná, formada pelo sul e sudeste brasileiros, Argentina e Uruguay, ficando o norte e o nordeste para os negros, índios e mestiços, consolidando assim uma segregação preservadora da raça branca.


No romance de ficção científica de Lobato, seu narrador, por meio do "porviroscópio" (instrumento de mirar o futuro ano de 2228), confere que os Estados Unidos foram, segundo avalia a testemunha, mais eficazes, primeiro porque não aceitaram a separação da nação entre brancos e negros. Estes foram repatriados para África ou expulsos para a Amazônia. Mas como solução "mais eficaz", Lobato saúda, por fim, a grande saída americana para a praga da miscigenação ou expansão das "sub-raças": o genocídio, ou etnocídio, por meio da esterilização de toda a raça negra.


Vou ficar por aqui neste início de conversa. Mas antes quero ressaltar a importância da obra de Monteiro Lobato, toda ela, que deve ser lida, divulgada e discutida. O presidente negro, por  exemplo, é uma leitura importante para se entender o pensamento racista predominante no Brasil do início do século XX, com fortes consequências até hoje. Afora isso, o romance traz fantásticas antecipações de aspectos hoje vivenciados, tais como a Internet, coisa de visionário mesmo.

Resenha da Editora Globo

A história de O Presidente Negro, único romance adulto de Monteiro Lobato, passa-se nos Estados Unidos e aborda temas como a segregação racial, aculturação, feminismo e ainda profetiza o surgimento de uma rede pela qual as pessoas se comunicariam e trabalhariam à distância, semelhante à internet. Através das lentes do “porviroscópio”, aparelho capaz de prever o futuro, Lobato leva os leitores para 2228, ano em que o personagem norte-americano Jim Roy, um negro, concorre à presidência.

Um comentário:

  1. Monteiro Lobato inventou o Jeca Tatu, caricatura negativa do matuto, que deu na quadrilha matuta, inundando o Brasil de preconceito contra o camponês.

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