domingo, 11 de dezembro de 2011

Cultura brasileira de luto


LUTO NA CULTURA
Ela estava internada há um mês, depois de sofrer um AVC; velório e sepultamento atraíram grande número de amigos, artistas e admiradores
POR OSWALDO VIVIANI
Morreu no início da madrugada de 10/11/11 (por volta de 0h30h), no hospital Carlos Macieira, Almerice da Silva Santos, a popular Dona Teté do cacuriá. Ela tinha 87 anos e estava internada desde o dia 1º de novembro na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do hospital.
Segundo familiares, Dona Teté esteve internada anteriormente – de 26 a 30 de outubro – na UPA Itaqui-Bacanga, onde chegou apresentando problemas cardíacos e osteoporose. Transferida para o Carlos Macieira, teve seu quadro complicado ao sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
O velório foi realizado na casa em que Dona Teté morava no João Paulo (Rua dos Guaranis, casa 34, Barés), para onde se mudou há dez anos – segundo ela dizia, para fugir da violência do Coroadinho, onde residiu durante vários anos.
O sepultamento aconteceu na tarde de ontem, no cemitério da Pax União, em Paço do Lumiar, e atraiu um grande número de amigos, artistas e admiradores de Dona Teté, que difundiu no Brasil e até fora do país o ritmo alegre e a sensualidade do cacuriá – manifestação cultural que para ela se resumia a 'dançar com um sorriso na cara e um rebolado no corpo'.

Em nota, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB), lamentou a morte de Dona Teté e afirmou que a artista 'já tem sua trajetória eternizada na história'.
(Colaborou Valquíria Ferreira)
Jabuti

Jabuti sabe ler, não sabe escrever
Ele trepa no pau e não sabe descer
lê, lê, lê, lê, lê, lê
Tô entrando
Jabuti sabe ler, não sabe escrever
Ele trepa no pau e não sabe descer
lê, lê, lê, lê, lê, lê
Tô saindo
Jacaré
Eu sou eu sou eu sou
Eu sou jacaré poiô
Eu sou eu sou eu sou
Eu sou jacaré poiô
Sacode o rabo jacaré
Sacode o rabo jacaré
Eu sou jacaré poiô
Assa a cana
Eu venho de muito longe
neste salão pra alegrar
vim fazer uma surpresa
botar cana pra assar
[Assa a cana
Cana pra assar]
Todos gostam de mim
ou cozido ou assado
na fogueira de São João
eu alegro os namorados
[Assa a cana
cana pra assar]
Sempre chego primeiro
nunca fico pra depois
eu sou o feijão
sou companheiro do arroz
[Assa a cana
cana pra assar]
O meu pé é grande
meu caroço pequenininho
quando chegar no bar
diz: me dá aí um cafezinho
[Assa a cana
cana pra assar]
Meus amigos e companheiros
vamos mudar de assunto
tô pedindo pra vocês
vamos assar cana juntos
[Assa a cana
cana pra assar]
DEPOIMENTOS
'Aprendi com dona Teté a valorizar o trabalho da cultura popular. Foi por meio dela que tive a oportunidade de cantar ladainhas, tocar caixa do divino. Aprendi com ela muitas coisas que ajudaram na minha profissão de cantora'.
Rosa Reis, 52, cantora
'A cultura popular do Maranhão está de luto pela perda de Dona Teté, mas ao mesmo tempo está feliz, por saber que ela cumpriu com seu papel'.
Domingos Tourinho, 54 anos, ator e diretor teatral
'A Dona Teté era uma pessoa que contagiava as pessoas com sua alegria e simplicidade. Fica a vontade de multiplicarmos o conhecimento por ela deixado'.
Carlos Benedito Rodrigues da Silva, 61, professor de Antropologia da Ufma
De ex-empregada doméstica a dama da cultura popular
Nascida em 27 de junho de 1924, no Sítio da Conceição (bairro do Batatã), a canceriana Almerice da Silva Santos veio ao mundo pelas mãos de uma parteira, em casa mesmo, como todos em sua família de oito irmãos. Passou a ser chamada de Teté no dia do seu batizado, a pedido do padre, que achava o nome Almerice muito grande para uma menina tão pequenina.
Criada com a avó paterna e a madrinha – pois perdeu a mãe aos quatro anos de idade e o pai aos quatorze –, Teté passou a infância na rua do Cisco, hoje Riachuelo, no bairro do João Paulo. Aos 12 anos, começou a trabalhar como empregada doméstica, ofício que só largou aos 58 para cantar cacuriá. Estudava em casa, fazendo cartilha, e cursou apenas a 1ª série do ensino fundamental. Não pôde continuar os estudos porque precisava trabalhar. Mas todas essas dificuldades não foram obstáculo para que sua estrela viesse a brilhar anos mais tarde.
Dona Teté definia-se como autodidata. Contou em entrevistas que aprendeu a tocar caixa aos oito anos de idade, 'espiando' uma senhora chamada Maximiana, que morava perto de sua casa. Como ninguém da sua família gostava de participar de manifestações populares, ela teve que improvisar uma passagem na cerca do seu quintal para poder ter acesso à casa de dona Maximiana. 'Eu aprendi olhando e escutando, ninguém me ensinou', enfatizava sempre que questionada sobre o assunto.
Assim que aprendeu a tocar caixa, a pequena Teté passou a ser frequentadora assídua de ladainhas e alvoradas. Sua inserção no mundo da cultura popular se deu por volta dos seus 50 anos, quando começou a participar das festividades do Divino Espírito Santo, promovidas pelo folclorista Alauriano Campos de Almeida, o 'seu Lauro', na Vila Ivar Saldanha, em São Luís. Integrou também o tambor de crioula, mas sua grande paixão foi a dança do cacuriá.
Sempre polêmica com seu jeito de dançar – no cacuriá de seu Lauro era a única que rebolava de jeito sensual –, destacou-se em tudo o que fez, e em 1980 recebeu um convite do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte) para ensinar o toque de caixa do Divino para uma peça teatral chamada 'Passos'.
Em 1986, com a ajuda do grupo, criou o Cacuriá de Dona Teté, que hoje é conhecido dentro e fora do país. O grupo fez apresentações em vários estados brasileiros, e em 1994 mostrou a dança em Portugal.
Dona Teté foi casada com Manoel dos Santos, a quem chamava carinhosamente de 'seu Manoel' ou 'Carneiro'. Teve apenas uma filha, que lhe deu cinco netos. Seu Manoel não gostava muito da ideia de sua esposa passar as noites de São João pelos arraiais da cidade dançando ou cantando cacuriá, mas não reclamava e nunca a impediu de fazer o que gostava. Em 1997, Dona Teté perdeu o seu fiel companheiro.
De sua família, a única pessoa que herdou o gosto pelo cacuriá foi seu neto, Beto, que já foi caixeiro da brincadeira e seu grande parceiro em todas as apresentações e diversões do período junino.
Também coreira de tambor de crioula e rezadeira de ladainhas, Dona Teté dizia que sua maior alegria era ensinar as pessoas – crianças, jovens, adultos ou idosos – a dançar, a cantar e a tocar o cacuriá. Diz que, quando morresse, queria ser lembrada como aquela que ensinou ao povo a dança do cacuriá.
Vai ser lembrada por muito mais: por sua voz acridoce, seus toques secos e certeiros no couro da caixa, seu sorriso moleque e seu rebolado sensual – marcas registradas da dama da cultura popular.
Veja nesta página as letras de três músicas que estão entre as mais conhecidas de Dona Teté: 'Jabuti', 'Jacaré' e 'Assa a cana'.

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