quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Bem assim - Chico Araujo*


- Às vezes, não existe o que dizer. Muito. E quando, quanto incômodo! Repare bem. Às vezes, não há é nada mesmo para dizer. Só olhar e tentar a compreensão; vem sempre não.
- Acho que sei o que quer dizer... Recentemente li algo em algum lugar falando quase que o mesmo. Também no meu todo dia, no meio de uma conversa, o branco se insinua... Não, o branco se insere. Só silêncio. E como se só, silencio.
- Algo como ser tomado por um estado de espírito inquieto sem se saber direito o porquê da inquietação. Algo como sentir em falta o piso que nos costuma ficar sob os pés.
- Bem assim?
- Bem assim. É como não se sentir plenamente são; então fica-nos a sensação de algo carecer. Pelo que sei acontece com todas as pessoas, mas com algumas é possível que aconteça mais, em maior profundidade, em birrenta recorrência.
- Falta o olhar que analisa, que investiga, que vê.
- Falta mais. Porém, essas ausências ocorrem também.
- Adoecimentos dos mais variados fazem parte do existir. Não é bom adoecer, não gostamos de adoecer, mas adoecemos. Às vezes individualmente. E solitariamente. Às vezes coletivamente; mesmo assim, não poucas vezes, solitariamente.
- Não gostamos de adoecer e menos ainda gostamos do adoecimento dos outros. Mesmo que declaremos altruísmo, o que mais praticamos é o egoísmo. Somos muito e profundamente ego, pouco e superficialmente alter. Somos "indivíduos" sociais e, como tal, fundamentalmente "nós" entre "outros". Então, quando adoecidos, alongamos nosso olhar para a busca de nossa desejada cura e, embora muitas vezes contribuamos para o retorno da saúde àqueles a quem amamos – ou (nos) dizemos amar – não ampliamos nosso ver a ele tal qual o fazemos a nós. Adoecidos carecem de cuidados. Cuidar exige esforço, dedicação e... cansa!!! Cansaço pode exaurir. A exaustão pode fazer adoecer. Em flagrante contradição, defendemos o coletivo – até ele nos afrontar o ego. O eu é impressionantemente forte, o nós, razoável, o outro, claudicante. Dizemos, até com tranquilidade, que o bem-estar social é o fator determinante do nosso bem-estar. Não poucas vezes, contudo... Ahhh, não poucas vezes, se o eu vai perder um pouquinho de uma coisinha porque essa coisinhazinha chegará como benefício ao outro, sendo-lhe, então, um pouco-muito... Vixe!!! Já nem queremos abrir mão daquela coisinhazinhazinha que há pouco nem nos interessava... Somos estranhos, muitas vezes estranhos. Discrepantes mesmo. Também não sabemos dar as respostas certas a perguntas bem feitas, inesperadamente bem feitas.
- Já viveu a experiência de sentir que algo que acabou de dizer já havia dito em outro momento, em outra situação?
- Sim. Isso me acontece muito.
- Possivelmente um processo de repetição.
- É. Talvez. Já ouvi muito que repetição não é algo bom e que um discurso para ser bom, adequado, qualificado deve dispensar as repetições. Mas isso é algo muito de questão, ficando, talvez, um pouco distante do que tratamos aqui. Ou não. Deve fazer parte.
- Também já ouvi muito isso e é possível que tenha dito também.
- Sei. Contudo, se queremos ênfase... repetir, repetir, repetir... Não importa se na mesma linha, se no mesmo parágrafo, se no mesmo texto, se na mesma conversa, se no mesmo dia... Variados são os contextos para o que falamos e vivemos. Pode-se repetir com o passar do tempo, fazendo-se o ontem chegar ao hoje, ao agora.
- É. Mas sei de muita gente que tem desacordo com repetição, desejando que tudo seja sempre novo.
- Mas eu sempre insisto: às vezes repetir é coisa de fundamento. Ora, como as pessoas aprendem aquilo que precisam aprender? É de agora pra daqui a pouco? Não. Não que eu saiba, não como entendo. Vai-se aprendendo aprendendo, em processo, sem tempo determinado, definido por uma determinação de antes. Com o tempo é que sabemos se sabemos. E aí é uma hora importante, porque quando sabemos que sabemos – se de fato sabemos – podemos ter ação melhor, ver o outro com olhar revigorado, além de nós mesmos.
- Saber exige aceitação do saber, ou a negação dele, mas sempre ordena uma posição a ser tomada.
- Ter uma posição é essencial ao ser, propicia sua determinação e mesmo empenho na sustentação de algo de importância. Importa muito essa postura, até mesmo porque os dias não estão em transcorrer tranquilo.
- Não, não estão.
- Bem assim.
- É... bem assim...  
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*Chico Araujo (Sérgio Araujo) - publica toda quarta-feira no Evoé! O título "Bem assim" foi escrito entre os dias 21 de novembro a 4 de dezembro de 2017. Leia mais Chico Araujo no blog Vida, minha vida...

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