sábado, 12 de maio de 2007

O negócio é futebol

Se os torcedores de futebol brasileiros demorarem a acordar do sonho de que torcem por amor ao clube ou por amor à pátria, a realidade pode lhes trazer, no mínimo, depressão.

Há muito o futebol é negócio, seja comercial ou político. Na final de 1950, o discurso do administrador da Guanabara aos jogadores, minutos antes de eles entrarem em campo, transmitido por todas as rádios, foi um relato de soberba pela construção do Maracanã, à espera de um coroamento político.

Kubitschek, em cinqüenta e oito, torcia pela vitória da Canarinho, porque ela seria ao mesmo tempo estímulo ao seu “vitorioso” governo e analgésico para as mazelas populares. O presidente mineiro sabia que gente feliz não reclama, e povo sem dor não grita.

Em 1970, nos porões da ditadura, todo mundo torcia (menos os torturados) enquanto o pau comia. Todos juntos, numa mesma corrente "pra frente, Brasil!"

Lula não é diferente. Seria muita ingenuidade nossa inseri-lo entre o senso comum dos torcedores brasileiros. Acho até que ele preferia estar (ou pensa mesmo ser) entre a massa ignara; mas todo dia alguém tem de lembrá-lo de que é presidente da república do Brasil. O hexa fará muito bem a ele, como fez o primeiro campeonato a Kubitschek, e pode ser trágico para todos.

Irrita assistir aos telejornais. Sempre trazem as notícias das demais editorias e por fim as do esporte. Daí acontecer cena, no mínimo, esdrúxula. Os apresentadores falam dos mortos da guerra urbana, deflagrada pelos traficantes em São Paulo, no dia das mães, com toda a sua tragédia. Ato contínuo, mudam as feições tensas e com um sorriso largo anunciam: “Agora vamos falar de Copa do Mundo!”

Uma cena dramática como a de um palhaço que, depois de receber a notícia de que a filha morrera estuprada, entra no picadeiro sorrindo, porque o show tem de continuar. Acontece que o palhaço da história é um só. Depois do aplauso, ele ficará com sua solitária dor e irá à luta por justiça. No caso da copa do mundo, são milhões de palhaços a sorrir e a chorar em catarse.

Ganhar copa do mundo para o Brasil é um sentimento coletivo, as individualidades se diluem em meio a alegria geral. Configura-se a idéia de que nada pode atrapalhar esse momento, daí é tal de dane-se a dor de um, precisamos cantar para festejar a honra e o valor de toda nossa gente bronzeada.

Enquanto a gente bronzeada dança, a “elite branca e capitalista”, como diz Lembo, governador de São Paulo, contabiliza os milhões de dólares que lucra com o futebol.

O futebol é um lucrativo negócio. Pelé foi o primeiro jogador brasileiro a despertar para esse fato. Em 1970, antes do jogo contra o Peru, seguindo orientação do jornalista espanhol de ascendência germânica, Hans Heningsen, o Rei do Futebol pediu um tempo ao juiz e passou preciosos segundos atando os cadarços de sua chuteira Puma.

Com o gesto, Pelé justificava contrato de U$100 mil por quatro anos de exclusividade mais U$ 25 mil exclusivos pelo Mundial no México e mais 5% de royalties nas vendas dos tênis. Não foi só pelo talento que ele foi eleito (por quem mesmo!?) o Atleta do Século XX.

Para a copa de 2006, só as marcas de material esportivo, bola, chuteiras e uniformes, como as alemãs Puma e Adidas, e a estadunidense Nike esperam lucrar U$ 2 bilhões.

A seleção brasileira é patrocinada pela Nike. Firmou com a CBF um contrato de U$200 milhões desde 1996. Com esse contrato acabou-se de vez a inocência dos jogadores. A empresa exige profissionalismo. Quer que o time do Brasil seja tão eficaz como o do basquete estadunidense. Este sonho, pelos talentos que temos, não está muito longe.

Como a maioria dos brasileiros, adoro futebol. Há tempos não brinco de futebol, faz tempo não bato um racha. Gosto da plasticidade desse esporte. Tenho na medida a diferença entre jogo e brincadeira. Uma partida bem disputada é espetacular. Se há então jogadores ricos e felizes, preocupados apenas com a arte, nada melhor. A seleção brasileira está quase assim. Torço que ela encante o mundo com o que o futebol tem de mais belo.

Torço sim pela seleção brasileira, como torço pelo glorioso Ceará Sporting Clube. Não com cega paixão. Sem essa de nação, sem essa de pátria de chuteiras. Sem essa de ficar me digladiando com torcedores de times rivais, como fazem as fanáticas massas de manobra, denominadas torcidas organizadas.

Entre torcidas organizadas, há organizações criminosas, ligadas ao tráfico e à mesma bandidagem que transformou o dia das mães deste 2006 em tragédia. A segurança pública precisa ficar esperta com o que eles podem aprontar durante a copa do mundo. Em certo aspecto, os bandidos são iguais aos capitalistas que investem no futebol, não amam o esporte querem apenas tirar proveito dele.

Por isso em vez de me digladiar “por esporte”, prefiro me reger pelo Estatuto do Torcedor (Lei N° 10.671) e exigir transparência nas negociações da CBF e da Federação Cearense de Futebol e fazer valer meu direito de consumidor. Nos Estados Unidos o consumidor é muito respeitado, porque lá eles reclamam seus direitos. Façamos o mesmo.

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