quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Chico Araujo - A cidade muda, a reboque da sociedade...


Transitei pelo Centro da cidade há poucos dias. Novamente me vi em um lugar confuso, desorganizado, em semelhança a muitas regiões centrais de diversas metrópoles. Natural, dirão muitos. As cidades se modificam com o passar do tempo, com a mudança das sociedades que habitam nelas. Não posso discordar. De fato, à medida que o tempo transcorre, à medida que as gerações vão sucedendo as anteriores, naturalmente o antes se reestrutura, se renova no depois.

O que acontece é que, com o passar do tempo, as mudanças vão se impondo e nos impondo cotidianos diferentes.Historiadores, antropólogos, sociólogos sabem bem disso. Os economistas também. Os médicos, idem. De verdade, creio que todos nós sabemos.

São tantas alterações a ocorreram em rapidez constante que também acredito não darmos atenção necessária a elas, porque, por algum motivo, é-nos melhor não nos darmos conta. Como conviver com algo que ontem era considerado importante e que hoje nada significa? Em contrário, como conviver com algo que ontem era totalmente desimportante, mas hoje se destaca como fundamental e, por isso, deve ser aceito e seguido por todos?

Exemplifico. A História da educação brasileira pontua que já se considerou de muita valia o processo ensino-aprendizagem, para a juventude, de temas nas áreas do conhecimento filosófico e sociológico. Hodiernamente – e mais uma vez – há quem defenda a nulidade desses estudos, alegando ser necessário à formação escolar nenhum ranço de ideologia.

Estranho, não? Como retirar da educação as ideologias de que ela precisa até mesmo para manter-se existindo? Seria mais apropriado tratar-se a questão como “troca de ideologias”?

Creio ser perfeitamente compreensível a noção de que “ideologia” não se limita, por seu próprio conceito, a questões meramente partidárias, como querem fazer crer discursos construídos em alguns setores da sociedade e difundidos por toda ela. Inclinações ideológicas não são adquiridas apenas nas agremiações políticas – embora nestas tais questões sempre abundem –, porém se constroem a partir das experiências cotidianas na família, nas comunidades diversas, nos ambientes acadêmicos. A escola se caracteriza por ser um ambiente acadêmico. Não se pode retirar dela seus aspectos ideológicos; contudo, eles podem ser trocados, substituídos. Cabem duas perguntas, pelo exercício de raciocínio: Por que e Para que trocar ideologias?

São tantos aspectos para observar e compreender que nessa dinâmica veloz hodierna nos perdemos, ficamos perdidos de tal forma que, no meio da confusão, qual a condição de decidir "isso vale a pena", "isso deve ser descartado"? Devido às nossas fragilidades, findamos "partidos", muitas vezes sem perspectiva de alcançar uma boa decisão, uma decisão que se revele justa, portanto, adequada.

Outro exemplo, aparentemente bem mais simples. Tempos atrás, comum era a ação de uma pessoa jovem ceder sua cadeira em um coletivo a uma pessoa de idade mais avançada que a sua. Era banal e tão corriqueiro que não havia necessidade alguma de o mais velho pedir o lugar; em se aproximando de uma cadeira ocupada por jovem, de imediato se dava a vacância do assento em favor do mais velho. Sem qualquer constrangimento, irritação, afobação de quem quer que fosse. “Tudo na mais perfeita ordem, tudo na mais santa paz”. Era uma simples questão de boa educação (e isso nunca se aprendia em escola, mas em casa, na família).

Nos dias que acontecem no tempo de hoje, essa noção de afeto e respeito cidadão não se evidencia em muitos jovens; aos poucos, estes estão perdendo a deferência pelos mais velhos. Em verdade, dão sinais de não se importarem mais com ninguém, inclusos aqui os pais, os irmãos, os avós, os familiares, enfim; de uma maneira geral, se não reconhecem as pessoas de sua família como merecedoras de sua atenção e consideração, como poderão vislumbrar nos desconhecidos a importância merecida? Com que desejo atencioso eles concederão lugar em uma fila? De que forma conseguirão enxergar no chão de um estacionamento um símbolo pintado indicativo de vaga para idoso? Por qual motivo se colocarão em atitude de espera da saída das pessoas de dentro de um elevador para que somente após essa saída eles possam entrar?

Os comportamentos individuais interferem nos comportamentos coletivos, ao mesmo tempo em que as condutas coletivas intervêm nas individuais. A repercussão deles possui “efeito bumerangue”, então, e à medida que vão se popularizando, atuam e modificam o que está posto, constituindo em um momento “agora” algo não existente “ontem”. É algo contínuo, um movimento ininterrupto, silencioso, quase imperceptível, atuando sobre a cultura em geral de um povo e repercutindo nele mesmo e nas instituições.

E “de repente, não mais que de repente”, quando se percebe, “Nada será como antes, amanhã”.

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Chico Araujo publica todas as quartas aqui no Evoé! "A cidade muda, a reboque da sociedade..." foi escrito entre 26/07 e 05/08/2017. Leia mais Chico Araujo em Vida, minha vida...

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