segunda-feira, 14 de agosto de 2017

ÀS PESSOAS DE ALMAS BEM PEQUENAS, REMOENDO PEQUENOS PROBLEMAS - Túlio Monteiro

André Masson - "Gradiva", 1939.
Aquilo que sabem de nós mesmos e que temos na memória não é tão
decisivo para a felicidade de nossa vida como se pensa. Um dia
cai sobre nós aquilo que outros sabem (ou acreditam saber)
de nós 
– e então reconhecemos que isso é mais forte. É mais fácil
lidar com sua má consciência 
do que com sua má reputação.
Friedrich Nietzsche

Deu medo não foi? Pensou que era para você que eu estava escrevendo. Pois se assuste mesmo, porque o é, calhorda. Sim! Pasme! O escritor aqui acha que toda a humanidade é calhorda, inclusive eu e você, pessoa nefasta que ataca de boa gente sempre que vê alguém em apuros. É fato! É estudo feito! Toda caridade quer de volta um muito obrigado ou um Deus lhe pague! Fico te devendo essa! Essas baboseiras que são ditas quando nos arrancam da pele e a pele de nossas necessidades às vezes básicas, como ir a um médico com consulta “arranjada” por um amigo que se propôs a falar com um grande outro amigo de um amigo dele para que você furasse uma fila. Hein, calhorda?! Estou falando contigo, fura-filas.

Nossa! Quem nunca olhou para uma fila e pensou: – se eu fosse amigo do gerente dessa merda eu não ficaria feito uma estaca parada aqui, em pé, lascando com minhas varizes que vão aumentando como insetos em volta da lâmpada. Estaria era na boca do caixa ou tomando um cafezinho na sala VIP do local. 

Todo ser humano que se preza quer ser, no fundo, mas no fundo mesmo, um calhorda. Alguns até pensam que não o são. Tenho até um ex-amigo que pensa dessa forma. Podemos acreditar nisso, nobre ledor? Estou te esculhambando e você ainda insiste em ler no que vai dar essa crônica maldita. Eu? Estou a rir-me de tua cara estupefada e olhos arregalados. Não! Ele não está escrevendo para mim. Sou amigo dele, me convidou até uma vez para ir a uma tal de Pasárgada, que eu, burro feito um poste nunca soube onde era. Disse-me que nos encontraríamos com um tal Manuel Bandeira por lá e ele recitaria coisas do arco da velha como:


Vou-me embora pra Pasárgada.

Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei (...)


E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

(Bandeira a Vida Inteira, 1986)

Ou ainda esse outro poema, de 1934, que fala de libertinagens, calhordas e suicidas. Não dele, mas do amigo Carlos Drummond:


EM FACE DOS ÚLTIMOS ACONTECIMENTOS


Oh! sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Por que seremos mais castos
Que o nosso avô português?

Oh! sejamos navegantes,

bandeirantes e guerreiros,

sejamos tudo que quiserem,
sobretudo pornográficos.


A tarde pode ser triste

e as mulheres podem doer
como dói um soco no olho
(pornográficos, pornográficos).


Teus amigos estão sorrindo

de tua última resolução.
Pensavam que o suicídio
Fosse a última resolução.

Não compreendem, coitados
que o melhor é ser pornográfico.

(Brejo das Almas - 1934)

Agora deu. Além de calhorda, descobri que você é também um libertino safado, desses que veem filmes pornográficos e sonham com as marmotas de Sade. Ora, e não é?! Senão vejamos: Nossa sociedade revela a existência de um discurso em que o ato sexual liga-se à revelação da verdade, à inversão da lei do Mundo, ao pecado carnal, ao anúncio de um novo dia e à promessa de uma certa felicidade. Essa reflexão evidencia que acabamos sujeitos ao que parece ser determinado como objetivo de vida. A algo que se por amor ou calhordamente não for praticado você está fora de sintonia, fora de moda, meu caro, minha cara ledora. Sem falar de e praticar sexo, você está deletado, descartado, execrado do Mundo que o cerca. Ridícula, não, essa briga do clitóris com o falo que nada fala? Milenar!

E como Drummond sabia dessas coisas de sexo para sobreviver e se dizer gente. Ele mesmo um calhorda em seus poemas, maltratando os castos e excitando os maníacos, os tarados, os desviados:


(...) Ao delicioso toque do clitóris,

já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.


Vai a penetração rompendo nuvens

e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue. (...)



Então a paz se instaura. A paz dos deuses, 

estendidos na cama, quais estátuas 
vestidas de suor, agradecendo 
o que a um deus acrescenta o amor terrestre.
“Amor - Pois que é Palavra Essencial”, (Brejo das Almas) - 1934


Já o Cristianismo pregou sobre a profanação do ato sexual, pois foi a religião quem deslocou a noção sagrada, ao qual insere-se a gênesis do erotismo. Disso nós sabemos tanto que a própria Bíblia Sagrada apregoa a traição entre parentes e consortes. Se não, como e por que o tão apregoado Noé não permitiu que seus filhos homens conduzissem esposas para a copulação e a não extinção da raça humana depois de 40 dias e 40 noites cuidando de casais de animais que até hoje não sei por que ele os salvou. Afinal para que servem duas baratas a não ser aos escritos de Kafka. (Risos cínicos do autor).

Uns poucos dois mil anos atrás encontrarmos um Jesus de Nazaré com suas vinte e poucas primaveras tendo sido mandado ao Mundo com todos os defeitos que qualquer ser humano da atualidade possui. Bebia vinho, confraternizava, adorava um discurso para vagas e vagas de desesperados por pão e peixes. E, de quebra, só resolveu se batizar aos 33 anos no Rio Jordão, assim mesmo por insistência de João Batista. Ah! E não esqueçamos de Madalena, seu (único?) amor terreno, a qual a devoção de ambos um pelo outro ainda hoje repercute comentários maliciosos sobre aquele homem que deveria ser santo, o Deus vivo, o filho do Criador a tomar conta de suas ovelhas.

(...)

Apesar das escrituras sagradas conterem personagens com histórias envoltas por elementos eróticos, através de um panorama ocidental, poderemos encontrar registros pornográficos significativos já na Grécia antiga. Seria o caso das histórias envolvendo as hetairas, ou “cortesãs”, musas que inspiravam grandes representantes do período, exercendo função social importante, dado que em alguns momentos até substituíam as esposas em eventos.

O mestre da comédia ateniense Ferecrates escreveu peças que mostravam todo o impudor das cortesãs e Êupolis, o criador da famosa comédia Autokylos, que conta a história de um jovem que se prostituía apoiado pelos próprios pais. Para o bom pesquisador a primeira obra-prima do erotismo antigo foi Lisístrata, de Aristófanes, que narra a história da greve de sexo instituída pelas mulheres atenienses até que seus maridos acabem com as lutas na guerra do Peloponeso para que houvesse paz. Também surgem na literatura os textos de Édipo Rei de Sófocles e Electra do dramaturgo grego Eurípides, do qual continham histórias de cunho sexual. E por aí vai.

Sinto que poderia verbejar sobre sexo explícito, mais retido ou, como costumam dizer, mais celibatário, durante mais umas dez páginas. No entanto, isso seria demais para os vossos esbugalhados olhos de calhordas que lá no fundo de suas mentes – para os que se deram ao trabalho de ler e tentar entender Moreira Campos – que, com Bandeira e Drummond formam a Santa Tríade de velhinhos safados sempre com olhos voltados às ancas brasileiras, nunca é de bom de tom esquecer o que profetizou Moreira Campos: O único compromisso da Literatura é com a vida. A força da vida está no sexo. Se você escreve sobre a verdade disso, não se preocupe, meu velho, com a moral burguesa. Não vale nada.

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Túlio Monteiro - escritor, revisor e crítico literário, publica todas as segundas aqui no Evoé! Leia também Literatura com Túlio Monteiro.

10 comentários:

  1. Burguesia, sexo, erotismo, glórias decepções, nosso escritor mergulha num meio mundo de conhecimentos científicos, filosóficos, literários, apenas para dizer que não existe mal pensamento, nem calhordice, quanto nos referimos ao ato sexual. Agora, que não se cometam suicídios, nem se proclamem calhordas por terem lido o texto até o final, mas se por ventura, tiverem a desventura de se auto eliminar, que seja com uma gostosa( ou um gostoso para as mulheres e afins) na cama.

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  2. Este Clauton Rocha está ficando afiado. O rapaz está sempre deixando expressos aqui suas opiniões - bastante abalizadas - diga-se de passagem, sobre o que deveras escrevo. Desta vez achincalhei com os falsos moralistas e ele foi no cerne da coisa. Descobriu, mesmo, que todos e todas nós somos seres passivos dos mais devassos pensamentos e atos quando é de sexo que falamos. Esse foi macho em falar e ler a crônica até o fim. E você? Terá essa coragem? Túlio Monteiro.

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  3. Hum! Cheguei para uma manege literária só para apimentar esta listinha já que "tu, pessoa nefasta"(como te chamaria Gil) andaste a se espreitar rodriguianamente pelas alcovas de muitos escritores que, para mim, se iniciou em Decamerão – Giovanni Boccaccio, 1350. Uma das muitas obras que irão romper padrões da sua época com a voluptuosidade posta através das ousadas aventuras de seus personagens. Acrescentaria que homossexualidade, incesto e sodomia também fazem parte da narrativa de Marquês de Sade, 1795. Em uma delas a jovem Eugene é enviada pelo pai para obter com os primos uma "educação" destituída de moralismo.
    Aliás, sexo autoral é o que se encontrará no final da década de 70 nos famosos livros: Mulheres – Charles Bukowski, 1978 e Pequenos pássaros – Anais Nïn, 1979 apesar de ter sido uma feminista e vanguardista da revolução sexual já nos anos 40. Na mesma linha o premiado francês O amante – Marguerite Duras, 1984... Saltando para os idos de 90 também fez sua lucrécia gemer sem sentir dor em Elogio da madrasta – o nobel peruano Mario Vargas Llosa, 1988;
    E para atingir o clímax desta escrita no Brasil os relatos nada sexagenários no divertido e escrachado: A Casa dos Budas Ditosos – João Ubaldo Ribeiro, 1999.
    Enfim, amigo, (Deus me livre do contrário!Rs)como estás assumindo suas safadezas intelectuais indico acessar e ler as p(i)ecantes narrativas do famoso blog do nosso cearense Ricardo kelmer em que culmina suas orgias literárias em festa anual temática Cabaré Society nas mais respeitadas casas noturnas da loira despousada do sol e em Sampa!! Ufa...Márcia Mátos

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    1. Eita! Pensei que tinha dado uma pequena aula de calhordice e me vem Márcia Matos de cara com "Segredos de Alcova", o primeiro Sade que li e que alguém me fez o favor de afanar em visita a minha casa. Nunca mais vi o bichinho. Pense! Túlio Monteiro.

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  4. Aprendi muito com esta crônica e vi o o grande tamanho de minha ignorância no que se refere à literatura grega antiga. Você nos humilhou a todos, falsos eruditos, impostores intelectuais, mui merecidamente. Não deixou pedra sobre pedra no precário meio intelectual tabajara.
    Todos rastejam agora pelo chão imundo de suas escuras ignorâncias , terminada a leitura de sua eruditíssima cronica vicejante deve ter havido muitos suicídios, sincopes absurdas, de vergonha tão
    arrasados os impostores culturais.
    Foram desmascarados em sua total falta de erudição e conhecimento da literatura grega arcaica.
    Não sobra ninguém que consiga terminar a leitura, pois
    a indingência cultural local se auto intimida e faz haraquiri.
    Não sobra ninguém pra concluir a leitura.Todos arrasados derrotados e desmascarados pro tanta erudição.
    a cultura do cronista é inigualável
    e arrasa com todas as indigentes moscas de falsa cultura ao redor num raio de quilômetros
    o Benfica é a nova atenas e seu cronista-mor seu sumo-sacerdote, com o cetro da sabedoria em sua rangente caneta, eruditando os novos preceitos litero-comportamentais.
    CARLOS EMÍLIO CORREIA LIMA



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  5. Para nós leitores observarem como o escritor aguçou a libido de todos...até menage apareceu nessa odisséia.. e se é de bem... fica ( ou seria enfica)...kkkk

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    1. Comentário explícito. Esse rapaz , Clauton Rocha, deve ser um desses devassos de que tanto fala por aí. KKKKKKK. Ou seria esse anônimo.

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    2. Eu me reservo o direito a permanecer em silêncio..e no anonimato. até por que os falsos moralistas poderiam me processar... (querem até criminalizar o gemido do What zap)

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    3. Sem mais delongas anônimo que se reserva o direito, vamos cessas por aqui ossas controvérsias. Segunda-feira que vem tem mais para você criticar, nobre escriba. Risos. Túlio Monteiro.

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