quarta-feira, 5 de julho de 2017

Olha só quem já está andando... quase correndo... - Chico Araujo


As Mães – sim, as Mães – costumam ser bastante amorosas com suas crias, notadamente quando estas ainda muito dependentes delas; amamentam na plena pureza do binômio amor e vida; praticamente não dormem com tranquilidade, para estarem sempre com o olhar sobre; põem-nas nos braços-colos declarando carinho e atenção insuspeitáveis; riem e fazem-nas rir, cantam canções diversas, conversam com as pequenininhas como se já falassem também, professando a máxima do afeto maior, imensurável.

Quando os pequeninos adoecem, por mais simples que seja o adoecimento, elas, sem equívoco e sem demora, esquecem-se de si em benefício total da descendência. Muitas vezes não pregam os olhos” durante dias e, pacientes, cuidam sem reclames daqueles que lhes descendem. Mantêm mamadeiras sempre na temperatura ideal para o leite, quando já não ocorre a amamentação; dedicam-se à seleção dos melhores frutos e legumes, das primorosas verduras para as “sopinhas-papas”, quando chega o momento das comidas menos líquidas.

Aparecem os primeiros dentinhos, um estado febril acompanha aquela descendência. Mais horas sem bem dormir, num acompanhamento quase sem qualquer descanso, paciência ímpar pela irritação e choro e enjoo pueril. A papinha preparada com boas doses de amor e afeição se estraga por não ser consumida, a Mãe não reclama, aceita o contratempo, sabendo-o passageiro.

O tempo vai passando...

Um belo dia, a frase salta da boca materna, entre feliz e espantada: Olha só quem já está andando... quase correndo...

Então se vê um momento concreto de início de independência. Agora o braço-colo já não se configura como o lugar ideal para estar; agora é o mundo a ser descoberto, por primeiro o mundo ali bem perto, o chão da casa. O doce e abençoado chão da casa materna, lugar onde todos os filhos estão sempre em imensa proteção, principalmente quando no amparo das boas mães.

Depois do chão da casa, paciência, Mãe; o mundo chama... e impera!

Gibran Khalil Gibran, libanês que, além de filósofo e ensaísta, também foi poeta, poetizou, certa vez, "Os filhos”, publicado originalmente no livro O profeta¹:

Vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E embora vivam convosco, não vos pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Porque eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã,
Que vós não podeis visitar nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.
O arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com toda a sua força
Para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como ele ama a flecha que voa,
Ama também o arco que permanece estável.

Hoje, filho, pai e avô, posso corroborar esses iluminados versos de Gibran. Iluminados, sim. Certeiros também, em nossos corações humanos, frágeis, temerosos. Versos que nos dizem muito do que proporcionamos a nossos pais, quando um certo dia, de uma maneira sutil ou, de outra, áspera, concreta ou implicitamente, a eles dissemos que não seríamos o que eles desejavam que fôssemos, que não seguiríamos os passos pensados por eles para o cumprimento de nossos caminhos. Um dia assumimos para nós nossos próprios pensamentos, resolvemos tomar conta das chamas cujas nossas almas acendem.

Meus pais, um dia, rumaram da casa dos pais deles, daquele espaço onde deram os primeiros passos, para assumirem o destino de suas existências em casa própria. Eu, um dia, tive a mesma ação. Minhas filhas reproduziram esse ato. Meus outros filhos, certamente, em algum momento futuro, o realizarão.

Sabe o que acontece, Mães? Depois que os filhos começam a andar, eles quase imediatamente desejam correr. Então, não há nada segure as asas que os fazem voar.

A vida é assim.

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1 Aos interessados em Gibran Khalil Gibran, caso distante de livrarias e bibliotecas, recomendamos algumas leituras em Para ler e Pensar, também Clube Positivo.

Chico Araujo publica todas as quartas-feiras no Evoé! Olha só quem está andando... quase correndo... foi escrito de entre 15 e 25 de junho de 2017, inclusive. Leia mais Chico Araujo em Vida, Minha Vida...

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